*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
O ano está acabando e todos nós somos naturalmente adaptados a esse fato. Nascemos, crescemos e vivemos imersos em conceitos e definições de intervalos de tempo bem definidos.
Se queremos medir curtos períodos, usamos os segundos, os minutos e as horas. Se queremos falar de eventos mais duradouros ou que ocorreram em algum instante no passado, falamos do tempo em termos de dias, meses e anos.
Não que fosse necessário relembrar a definição, mas um ano é o intervalo de tempo que um planeta (ou outro corpo celeste como um asteroide ou um cometa) leva para completar uma órbita completa ao redor de sua estrela hospedeira.
Representação esquemática do ano trópico, comum e bissextoFonte: PUCRS/Time and Date
Como sabemos, a Terra orbita o Sol e, como lembramos todo final de Dezembro, o ano chega ao fim dessa sua jornada de aproximadamente 365 dias. Digo aproximadamente, pois, com rigor, esse período, chamado de ano trópico terrestre, dura 365 dias ou 366 aproximadamente a cada quatro anos. É quando chamamos o ano de bissexto e adicionamos o dia 29 ao mês de Fevereiro. É bem verdade que o cálculo de anos bissextos é levemente mais complexo que isso, envolvendo também o período de séculos, mas deixemos a ideia simples por ora.
Em termos astronômicos, é extremamente mais prático utilizar a nossa própria escala de tempo e, por consequência, a escala de tempo da Terra para parametrizar quaisquer eventos cósmicos.
Como dissemos, cada planeta tem seu próprio ano. O planeta Vênus, por exemplo, que tem aproximadamente o mesmo tamanho da Terra e é o segundo planeta mais próximo do Sol, leva o equivalente a 224,65 dias para orbitar nossa estrela. Curiosamente, um dia em Vênus leva mais tempo que isso, durando aproximadamente 243 dias. Ou seja, um dia em Vênus é maior que o seu ano.
Planeta Vênus e os detalhes de sua densa atmosfera em ultravioletaFonte: JAXA
Marte possui o Ano Marciano, com uma duração equivalente a 687 dias terrestres e assim por diante. Em geral, quanto mais você se afasta do Sol, mais longo se torna o ano desse objeto. Por essa razão, em Plutão, (que embora não seja um planeta devido ao seu rebaixamento em 2006) um único ano é equivalente a 248 anos terrestres. Desde a sua descoberta em 1930, ele não completou uma única volta sequer ao redor do Sol.
À medida que aumentamos a nossa escala em termos de distância e tamanho, os anos terrestres começam a ficar obsoletos. O tempo que estrelas levam para orbitar o centro das suas galáxias hospedeiras, por exemplo, está na ordem de milhão de anos.
Todo o Sistema Solar está orbitando o centro da Via Láctea, onde reside um buraco negro supermassivo, a uma distância de cerca de 27.000 anos-luz. O tempo com que o Sol leva para completar uma volta ao redor da galáxia é conhecido como Ano Galáctico ou Ano Cósmico. Viajando a uma velocidade média de 230 km/s (que corresponde a aproximadamente 1/1.300 da velocidade da luz), o Sistema Solar leva entre 225 e 250 milhões de anos para isso.
Representação artística da Via Láctea e da órbita do SolFonte: NASA/JPL-Caltech/ESO/R. Hurt
Tal ano galáctico, comumente considerado com uma duração média de 230 milhões de anos terrestres, fornece uma unidade conveniente para representar vastos intervalos de tempo, como por exemplos, de períodos cósmicos e/ou geológicos. Para entendermos melhor como o ano galáctico é uma unidade prática, vamos colocar alguns eventos sob essa perspectiva.
Um ano galáctico atrás, a Terra era um lugar muito, mas muito diferente, onde nem mesmo seres humanos existiam. Na última vez em que o Sistema Solar completou um ano galáctico (esses mesmos 230 milhões de anos atrás), os dinossauros ainda caminhavam pela superfície do nosso planeta, no Período Triássico.
Representação artística do Período TriássicoFonte: Shutterstock
Há 2 anos galácticos, a primeira estrutura análoga a um sistema nervoso e a um cérebro surgia em animais simples, como pequenos vermes. Há cerca de 10 anos galácticos, os continentes se tornavam estáveis e há aproximadamente 17 anos galácticos, as primeiras formas de vida surgiam na Terra.
O nosso Sol surgiu há apenas 20,5 anos galácticos e nossa Via Láctea há cerca de 54 anos galácticos. O surgimento do Universo, há 13,8 bilhões de anos terrestres, seria contado em apenas 61,3 anos galácticos. Mas o passado não é o único que pode ser contado dessa maneira. As previsões para o futuro também são igualmente interessantes!
Daqui a um ano galáctico, possivelmente todos os continentes da Terra terão se fundindo novamente em um supercontinente. Os três arranjos potenciais desta configuração hipotética foram apelidados de Pangea Ultima, Amasia e Novopangaea.
Representação esquemática do hipotético supercontinente Pangaea UltimaFonte: Speculative Evolution Wiki
Daqui a 2,5 anos galácticos, os efeitos gravitacionais terão empurrado a Lua para longe da Terra o suficiente para que eclipses solares não existam mais. Daqui a 15 anos galácticos as condições na superfície do nosso planeta serão parecidas à da superfície de Vênus hoje, repleta de gases tóxicos, altas temperaturas e pressão. Daqui a 22 anos galácticos, a Via Láctea e Andrômeda começarão seu processo de fusão e, por fim, daqui a 25 anos galácticos o Sol terá chegado ao estágio final de sua vida como uma anã branca.
Será que um dia precisaremos contar a história de tudo em termos de um Ano Universal?
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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