Imagine alguém capaz de aguentar mudanças bruscas de temperatura, pouca água e horas e horas de sol. Esse alguém existe, ou melhor, "alguéns": são os extremófilos, microrganismos capazes de continuarem vivos em condições extremas em que poucas espécies sobreviveriam. Pesquisadores brasileiros encontraram organismos desse tipo vivendo em painéis solares — e agora estão pesquisando aplicações práticas com eles que podem revolucionar a biotecnologia.
A pesquisa foi realizada no interior de São Paulo, no Laboratório de Microbiologia Aplicada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Os resultados animadores acabam de ser divulgados em um comunicado da instituição à imprensa. O estudo foi publicado com destaque na revista científica Microbiology Letters.
As amostras analisadas no estudo, coletadas em Sorocaba e em Itatiba, revelaram microrganismos muito parecidos com os encontrados em painéis solares de Valência, na Espanha, Berkeley, nos Estados Unidos, no Ártico e na Antártica, apesar da distância geográfica e das diferenças climáticas entre os locais.
A análise foi feita por meio de sequenciamento genético parcial: o gene observado foi o 16S rRNA. Mais de 90% da diversidade encontrada no estudo era de dois microrganismos: Methylobacterium-methylorubrum e Hymenobacter.
Cultura de bactérias e leveduras realizada no estudoFonte: FAPESP/UFSCar
Em comum, essas leveduras e bactérias têm a capacidade de sobreviver com sol de rachar e pouquíssima água, já que os painéis solares, além de totalmente expostos às condições climáticas, são inclinados, para não acumular água. E essa capacidade de adaptação que pode ser útil para nós também: essas bactérias podem criar biofilmes resistentes à radiação solar e as leveduras possuem características tensoativas, que ajudam a misturar água em componentes insolúveis.
Enquanto as bactérias podem ajudar na criação de pigmentos para as indústrias de alimentos, química, têxtil, farmacêutica e cosméticos como filtros solares, as leveduras podem ajudar na criação de produtos de limpeza para painéis solares – em um momento em que a demanda por energia limpa é cada vez maior.
A limpeza apropriada dos painéis solares, além da promovida por chuvas e lavagens ocasionais, é importante porque esses painéis, com o tempo de uso, acumulam poeira. Essa poeira, por sua vez, acaba se tornando um problema, porque diminui o potencial de captação de energia das placas.
Segundo dados divulgados pela Agência FAPESP, estudos realizados no Brasil mostraram que a poeira acumulada nos painéis, nas condições climáticas daqui pode reduzir a captação de energia em 11% após 18 meses da instalação. Já nas condições climáticas de desertos, essa redução na capacidade de absorção de energia pode chegar a 39% — passando de 50% na ocorrência de eventos extremos, como tempestades de areia.
Já as moléculas encontradas nas leveduras podem ser empregadas como antimicrobianos, antitumorais e em biorremediação — que é o uso de processos biológicos para degradar, transformar ou remover contaminantes de um ambiente.
Iolanda Duarte, professora do Departamento de Biologia do Centro de Ciências Humanas e Biológicas (CCHB) da UFSCar e coordenadora da pesquisa, salientou, à Agência FAPESP, que o estudo é fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias de gerenciamento de painéis solares e para remoção de biofilmes, que é um problema de difícil resolução em muitas atividades econômicas.
ARTIGO Microbiology Letters: doi.org/10.1093/femsle/fnab105.
Fontes