*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Buracos negros são geralmente descritos como entidades místicas e intrigantes do nosso universo, capazes de absorver mundos e estrelas. Para os físicos, buracos negros são uma das muitas representações de como, pelo menos na Física, ainda se tem muito a descobrir.
Com as teorias atuais, entende-se que no interior dos buracos negros existe o que é chamado de singularidade — ponto no qual a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, a melhor e mais aceita para descrever tais fenômenos até o momento, encontra problemas.
Na década de 1960, o físico britânico Roger Penrose sugeriu que os buracos negros fossem formas que o universo usa para “censurar” a singularidade, que não pode existir “nua” dentro dele, uma vez que esta desrespeita a teoria de Einstein. A esse conceito, deu-se o nome de Censura Cósmica. Porém, cientistas americanos propuseram um modelo no qual as chamadas singularidades nuas podem existir fora de buracos negros.
Duas perguntas que podem ser feitas: por que devemos saber sobre isso? Onde isso se aplica na vida cotidiana?
Bom, para responder a essas perguntas de maneira direta podemos pensar em dois motivos: 1) porque esse pode ser um tema que gere interesse em algumas pessoas (e não há problema se não despertar o mesmo em outras); 2) porque estar informado sobre Ciência é de grande importância para que cada indivíduo exerça melhor sua cidadania. Sobre a segunda resposta, podemos elaborar mais.
Nos últimos dois anos, é provável que um cidadão médio tenha tido um maior contato com o fazer científico do que em todo o resto de sua vida. Isso pois a pandemia da covid-19 colocou a Ciência no centro das atenções de todos. Ficou comum ouvir pessoas falando termos como pre-prints, metanálise, eficácia geral, entre outros que antes só eram usados dentro da comunidade científica.
Porém, ao mesmo tempo que essa exposição pode trazer uma valorização da Ciência por parte da população, foi possível observar o oposto sendo feito e gerando desinformação. Uma das melhores maneiras que um país pode ter para combater a desinformação é uma população que entende os processos e a natureza da Ciência.
A Ciência é uma atividade humana que busca representar, explicar e prever fenômenos naturais e sociais. Para isso, são utilizados métodos diversos para garantir que uma determinada explicação seja, na medida do possível, neutra de julgamentos e preconceitos dos cientistas que a propuseram. Ainda, caso uma explicação melhor para o mesmo fenômeno seja elaborada, a comunidade científica deve estar pronta para testá-la e, se comprovada, abandonar a explicação anterior.
Para ilustrar, podemos observar um exemplo recente que ocorreu no começo da pandemia da covid-19. No início de 2020, as autoridades de saúde divulgaram que o uso de máscaras deveria ser realizado apenas pelas pessoas que possuíam sintomas da doença, porém, após pesquisas evidenciarem que a transmissão do vírus se dava também por indivíduos assintomáticos, o uso de máscaras foi recomendado para toda a população. Esse processo de troca de modelos e explicações, no caso extremo chamado de Revolução Científica pelo filósofo americano Thomas Kuhn, é bastante comum quando estudamos a história da Ciência.
As máscaras de proteção facial levantaram debate científico durante a pandemia de covid-19 (créditos: beton studio/Shutterstock)
Uma pessoa que não conhece o processo científico ou alguém mal intencionado pode apontar esse acontecimento como evidência de que a comunidade científica não tem consenso sobre o uso de máscaras, desencorajando algumas pessoas a utilizarem a proteção. Na verdade, ocorreu simplesmente que os cientistas e autoridades sanitárias trocaram de postura científica uma vez que argumentos mais sólidos foram apresentados e revisados.
Voltando ao caso dos buracos negros
Em novembro de 2020, a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, publicou um artigo sobre a colisão de buracos negros, onde pesquisadores utilizaram simulações de computador para mostrar como esses eventos podem “expor” a singularidade que existe dentro dessas estruturas em universos com mais dimensões espaciais. Isto é, universos hipotéticos diferentes do nosso.
Entender tais fenômenos, mesmo em universos hipotéticos, permite que os cientistas questionem o motivo pelo qual eles são possíveis nesses cenários e não no nosso universo, uma vez que a diferença entre o universo real e hipotético é sempre conhecida pelos cientistas que a propuseram.
Colisões de buracos negros ocorrem também em nosso universo, entretanto, a singularidade continua sempre “protegida” pelo buraco negro. Isto pode ser visto como uma vitória, mesmo que temporária, para a Censura Cósmica proposta por Penrose já que os cientistas continuam em busca de um modelo que permita uma maior compreensão desses corpos em nosso universo.
Rodolfo Lima Barros Souza, professor de Física e colunista do TecMundo. É licenciado em Física e mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Unicamp na área de Percepção Pública da Ciência. Está presente nas redes sociais como @rodolfo.sou
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