A retirada de pequenos fragmentos de um órgão ou uma lesão, chamadas de biópsia tecidual, vem sendo utilizada há décadas, principalmente na Oncologia, para o diagnóstico inicial ou acompanhamento de um tumor.
Esse procedimento, além de ser muito útil na definição dos tipos de tumor, é fundamental na definição do tratamento. A amostra pode ser obtida de diversas formas, dependendo do tipo e da localização do tumor. Em grande parte dos casos, é realizada uma aspiração com agulha guiada por imagens de ultrassom. Por ser um exame invasivo, pode requerer internação do paciente e anestesia, gerando possível desconforto, dor, além de complicações em decorrência do procedimento.
Como já comentei nesta coluna (Medicina sob medida: tratamento personalizado já é realidade), o estudo das alterações moleculares observadas no DNA de células tumorais pode apoiar o médico na definição de qual é a melhor droga para tratar aquele paciente naquele momento.
No entanto, precisamos lembrar que as células que formam um tumor são bastante heterogêneas. A composição do tumor se altera no decorrer do tratamento, pois, enquanto algumas células morrem, outras podem ser menos sensíveis ou mesmo adquirir resistência ao medicamento. Isso faz que as células acumulem novas alterações no DNA. Estas podem ser novos alvos de outras drogas, possibilitando uma nova opção terapêutica para o paciente. Por isso, o tumor é uma massa celular dinâmica, cujo comportamento pode variar de um paciente para outro. Alguns evoluem melhor do que outros.
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Se o tumor é uma massa celular heterogênea, como podemos garantir que uma biopsia reflita a complexidade do tumor? Essa é uma fragilidade desse método e, para contornar esse problema, desenvolvemos uma evolução do procedimento, ao que chamamos de biópsia líquida.
Desse modo, descobrimos que, em nosso sangue, circulam células tumorais ou fragmentos de DNA liberados por células tumorais à medida que estas vão morrendo. Assim, com uma amostra de sangue, conseguimos extrair plasma, que é a parte líquida do sangue quando este é separado das células vivas. Do plasma, conseguimos sequenciar e estudar o DNA das células tumorais, sem se limitar apenas à pequena amostra colhida durante a biopsia tradicional, o que nos permite revelar a dinâmica da população tumoral.
Na biópsia líquida, utilizamos uma amostra de sangue da qual se isola e sequencia o conteúdo de DNA circulante. Como o DNA tumoral tem várias alterações, é possível distingui-lo do DNA das células normais, identificando as alterações genômicas no momento em que a coleta foi realizada. Por ser um método simples, não invasivo e sem risco de complicações, é possível realizar coletas repetidas ao longo do tratamento do paciente.
A informação oriunda dessa análise molecular do tumor pode indicar a evolução do tratamento. Explico: com a diminuição da quantidade de DNA tumoral na circulação, podemos concluir que há uma boa resposta ao tratamento, bem como se há o aparecimento de novas mutações e/ou aumento das quantidades de DNA tumoral circulante que representam o surgimento de resistência ou novo crescimento do tumor. Em casos específicos, a identificação de determinadas alterações pode auxiliar o oncologista inclusive na seleção de quais novas drogas prescrever.
Diversos estudos têm demonstrado que as biópsias líquidas são capazes de detectar a progressão da doença (quando o paciente já não está mais respondendo ao tratamento e o tumor volta a crescer) meses antes da detecção clínica ser realizada por meio de exames de sangue e de imagem. Essa informação pode ser muito importante, possibilitando a troca de forma mais rápida para um tratamento mais eficaz.
Mesmo com tantos benefícios, é importante ressaltar que a biópsia líquida nunca substituirá a tecidual, mas será uma importante forma de complementar o acompanhamento de pacientes oncológicos! Cada teste deve ser empregado em momentos diferentes do acompanhamento do paciente, desde o diagnóstico até a definição da melhor conduta terapêutica. Assim, o paciente estará melhor assistido, com o tratamento certo na hora exata.
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Este texto foi produzido em parceria com a Dra. Fabiana Betoni, pesquisadora do Hospital Sírio-Libanês.