Desde os tempos primordiais da civilização, a relação dos seres humanos com o céu ocorreu de forma encantada, reverente e curiosa. A contemplação dos astros gerou cosmogonias engendradas por diferentes culturas antigas, que viam os corpos celestes como divindades, o que levou à identificação das primeiras constelações a partir da disposição e da localização das estrelas no céu.
Quando, há cerca de 8 mil anos, o homem começou a praticar uma espécie de agricultura rudimentar, não demorou para que fenômenos sazonais, como a migração de animais e a eclosão de frutos, fossem relacionados com o aspecto do céu. Além disso, esses nossos ancestrais descobriram nas estrelas uma importante forma de orientação no tempo e no espaço, habilidade importante quando a maioria dos povos se tornou sedentária.
O estudo das constelações e da utilização do aspecto do céu por diferentes culturas recebeu o nome de etnoastronomia ou astronomia cultural. Embora o termo tenha sido cunhado na década de 1990, no final do século XIX, um arqueólogo britânico chamado Sir Flinders Petrie desenvolveu um trabalho de investigação de alinhamentos astronômicos em sítios arqueológicos, analisando a famosa estrutura do Stonehenge, na Inglaterra.
Stonehenge, no Reino Unido; cientistas sugerem que local foi usado para observações astronômicas (crédito: Syed Habib Faiz/Shutterstock)
O que estuda a etnoastronomia?
Por ser um conjunto de diferentes olhares e saberes de muitos grupos em relação aos elementos que compõem o céu, a etnoastronomia analisa a forma pela qual esses conhecimentos foram construídos, e a influência dos corpos celestes nos acontecimentos do dia a dia das pessoas.
Isso não significa que esses povos praticam uma forma "diferente" de astronomia, como a que conhecemos atualmente. A etnoastronomia é uma classificação acadêmica dos conhecimentos, saberes e práticas elaborados por povos antigos ou povos aborígenes atuais, abrangendo não apenas aspectos cosmológicos e astronômicos, mas também simbólicos, ecológicos e cosmogônicos.
El Caracol, observatório astronômico Maia, em Chichen Itza, no México
Dessa forma, não se trata aqui de estudar uma forma de "astronomia alternativa", mas sim de "respeitar e proteger os sistemas de conhecimento tradicionais, especialmente os das populações indígenas; reconhecer a contribuição dos conhecimentos tradicionais para a proteção ambiental e a gestão dos recursos naturais", segundo a Conferência Geral da Unesco em 2001.
Choque entre diversidade e etnocentrismo
Esse estudo da significação que cada cultura atribui ao cosmos para explicar os seus atos, costumes, valores e crenças é fundamental para se compreender a importância do respeito às diversas visões de mundo como ponto de partida para a construção do conhecimento científico.
Afinal, divergências de opiniões para explicar fenômenos corriqueiros, como a origem do Universo ou a esfericidade da Terra, têm se transformado em acalorados debates que refletem nossa heterogeneidade cultural. Nesse sentido, o estudo da etnoastronomia torna-se um exercício contra uma visão de mundo etnocêntrica, na qual o "nosso" grupo transforma o grupo dos "outros" em um grupo diferente de nós e, portanto, inferior.
Através do estudo da astronomia cultural, é possível perceber que, ao olhar para o céu e criar símbolos para resolver as suas questões diárias, as pessoas expressam um universo cultural e imaginário. Dessa forma, para os seus criadores humanos, todas aquelas constelações são mais do que um "bando de estrelas", mas uma representação simbólica do seu próprio conjunto de valores, crenças e costumes.
Ensinando a etnoastronomia
A introdução de "etnoconhecimentos" no ambiente escolar enfrenta algumas dificuldades. Como se trata de um conhecimento produzido por fontes outras que não a científica ocidental tradicional, há uma tendência a se questionar se as informações transmitidas são "reais" ou não. Dessa forma, o ensino da etnoastronomia é muitas vezes tido como "anticientífico", quando, na verdade, não há visão certa ou errada, mas somente visões distintas.
Ao levar os conhecimentos da astronomia cultural para dentro da escola, o professor apresenta céus diferentes aos seus alunos e, ao fazê-lo, incentiva o multiculturalismo, promovendo o respeito à diversidade e a valorização do conhecimento de grupos menos valorizados.
Uma experiência real de ensino de etnoastronomia, feita regularmente no Parque da Ciência Newton Freire Maia, na cidade de Colombo, na Grande Curitiba (PR), apresenta aos estudantes a projeção de estrelas na cúpula do planetário. Porém, são mostradas aos jovens tanto a interpretação clássica dos fenômenos celestes quanto a cosmogonia indígena, principalmente a do povo tupi-guarani.
Nesse tipo de abordagem, explica o diretor do parque, Anisio Lasievicz, em artigo publicado no X Congresso Nacional de Educação, "o planetário transcende a categoria de um recurso pedagógico inerente à astronomia", pois nesse caso o céu apresentado vai estar intimamente associado à cultura da etnia, aí incluídas a fauna, flora, leis sociais e religião.
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