Na busca pela compreensão da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), que está localizada sobre o Brasil, pesquisadores do Observatório Nacional (ON) estão digitalizando e catalogando mais de 32 mil magnetogramas feitos em 92 anos de atividade. Esses registros ajudam a analisar, por exemplo, tempestades magnéticas que ocorrem no país.
Digitalização de um magnetograma feito no Observatório Magnético de Vassouras.Fonte: Acervo ON/Reprodução.
Magnetogramas são registros em papel de variações gráficas do campo geomagnético (CG) da Terra. Eles são obtidos por instrumentos geofísicos e cada um corresponde ao período de 24 horas de medição.
Este será o primeiro acervo de dados científicos do campo geomagnético obtido de forma sistemática — com dados reunidos desde 1915. A iniciativa de arquivar todas essas medições digitalmente — criando o maior acervo de variações do CG da América Latina — é uma parceria do ON com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG/USP).
De acordo com o pesquisador e doutor em Geofísica Daniel Franco, que coordena o projeto no ON, a etapa de aquisição das imagens em alta resolução está na metade. Para isso, foi desenvolvido um algoritmo de extração e re-amostragem dos dados geomagnéticos, que já se encontra em fase de testes.
O que são o CG e a AMAS
Foi o físico inglês William Gilbert quem descobriu em 1600 que a Terra possui um campo magnético e se comporta, basicamente, como um grande imã. A origem desse campo e suas consequências são objeto de estudo desde então.
O CG é de extrema importância para a vida na Terra: ele contribui para a manutenção da atmosfera e serve como escudo para partículas de alta energia emitidas pelo Sol e outras regiões da galáxia. Ele protege equipamentos de aviação, satélites, sistemas de comunicação e navegação das chamadas tempestades magnéticas.
Já se sabe que a formação do campo magnético terrestre se dá principalmente a partir do movimento de correntes de ferro e níquel líquidos no núcleo externo do planeta, sob condições de temperatura e pressão muito altas. No núcleo interno do planeta, sólido, temos principalmente ferro. A movimentação deste material gera poderosas correntes elétricas que produzem o campo magnético da Terra.
Mas o CG tem uma grande anormalidade, a AMAS, que abrange uma parte significativa do Oceano Atlântico Sul, América do Sul e África. Ela é uma das principais “falhas” do CG. Nessa região, o campo é anormalmente baixo — o que facilita a entrada de partículas eletricamente carregadas, provenientes do vento solar, resultando em um maior risco de acidentes envolvendo satélites artificiais em órbita, voos espaciais e intercontinentais.
Mapa da AMAS mostrando sua movimentação nos últimos séculosFonte: GELVAM A. HARTMANN and IGOR G. PACCA/Reprodução.
Estudos realizados ao longo dos últimos vinte anos demonstram que a AMAS vem apresentando um movimento em direção a oeste: cruzou o Atlântico Sul ao longo de quatro séculos, e passou a ocupar uma área cada vez maior. Já o campo no interior da anomalia vem diminuindo cada vez mais.
"A partir do século XX, o centro da AMAS começou a passar pelo sul do nosso continente, o que coloca o registro de magnetogramas obtido pelo Observatório Magnético de Vassouras como especialmente relevante para o estudo desta migração da AMAS e sua evolução”, explicou Franco.
Os dados do Brasil são de enorme valor, porque abrangem uma área que tem poucos dados geomagnéticos disponíveis (através de medidas de observatórios magnéticos), e a coleta de informações vem sendo feita há mais de um século. Com os dados, pesquisadores podem desenvolver estudos em geomagnetismo e, futuramente, contribuir para as discussões sobre os possíveis impactos da anomalia para a sociedade.
O acervo físico de magnetogramas ficará disponível na biblioteca do ON. Os dados estarão acessíveis tanto para a comunidade científica quanto para o público em geral.
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