Uma cardiologista norte-americana preocupada com seus pacientes que, utilizando seus smartwatches, chegavam à clínica “com pilhas de papéis” sobre arritmias, palpitações ou batimentos cardíacos irregulares, resolveu fazer uma análise sobre um novo tipo de transtorno psicológico: ansiedade de saúde provocada por vestíveis (wearables).
Depois que uma de suas pacientes, de 70 anos de idade, fez 916 diagnósticos de eletrocardiograma através de seu wearable em um ano, mesmo sem apresentar sintomas preocupantes, Lindsey Rosman, que também é professora na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, percebeu que aquele não era um caso isolado.
A pesquisa de Rosman foi publicada no início de julho no periódico científico Cardiovascular Digital Health Journal.
Embora essas ferramentas [vestíveis] sem dúvida transformem os cuidados de saúde e energizem a pesquisa científica, afirma Rosman em seu artigo, algumas questões importantes, tanto éticas como legais e sociais, têm surgido no dia a dia das clínicas cardiológicas. E a mais importante é: até que ponto os dispositivos vestíveis têm impactado negativamente a saúde psicológica, a qualidade de vida e a utilização dos serviços de saúde?
Homem usa smartwatch para monitorar atividade física (créditos: Maridav/Shutterstock)Fonte: Giphy
Atendimento médico desnecessário
Embora considere os vestíveis “incríveis”, Rosman afirma que “eles podem ter um efeito indesejado para alguns pacientes”. Durante a pesquisa, ela e seus colegas perceberam que muitos usuários ficavam perturbados com algumas leituras inócuas, como aumento da frequência cardíaca provocado por exercício físico, ou quando o aparelho indicava que uma leitura havia sido inconclusiva ou inconsistente.
Esses diagnósticos acabam sendo mal interpretados pelos usuários como um potencial perigo para sua saúde. O que se segue é um aumento no uso dos dispositivos, como no caso da paciente de 70 anos. A produção gigantesca de material diagnóstico pode levar então a um desgaste no relacionamento entre médicos e pacientes. Os primeiros não dão conta de processar tanta informação e os pacientes se sentem negligenciados.
A pesquisa não revelou a proporção de pacientes propensos a esse tipo de ansiedade diagnóstica, nem quais fatores de risco poderiam desencadear a reação. No entanto, essa é uma questão a ser levada em conta por médicos, empresas de tecnologia e outras partes interessadas. O que a pesquisa concluiu é que as informações fornecidas pelos dispositivos precisam ser menos complicadas.
Nesse sentido, é preciso que todos os atores envolvidos no processo consigam produzir informações educativas sobre como interpretar os dados fornecidos pelos vestíveis. “Algo mais parecido com o nível de leitura da quinta série”, conclui Rosman. Para a cardiologista, não basta apenas criar a tecnologia, mas ensinar o paciente como entender e utilizar as informações recebidas.
Em um outro estudo, publicado também em julho, na revista científica JAMA Network Open, mostrou que os relógios inteligentes podem trazer benefícios para a saúde de pessoas com doenças cardiometabólicas, como diabetes e hipertensão arterial.
O estudo concluiu que o uso dos dispositivos fez aumentar a prática de atividade física nos usuários, ajudando assim a fazer um melhor controle das doenças.
ARTIGO Cardiovascular Digital Health: doi.org/10.1016/j.cvdhj.2020.06.004