No final da manhã de um dia comum em 1950, enquanto conversava casualmente com seus colegas do Laboratório Nacional de Los Alamos a caminho do almoço, o físico ítalo-estadunidense Enrico Fermi teria perguntado: “onde está todo mundo?”. Motivada pela animada conversa sobre os recentes avistamentos de OVNIs divulgados na edição da revista The New Yorker daquele dia, a pergunta deu início àquele que ficou conhecido posteriormente como o Paradoxo de Fermi.
Fermi, entretanto, famoso por construir o primeiro reator nuclear da história e por suas contribuições fundamentais à física quântica, jamais o afirmou da maneira como é conhecido hoje. O Paradoxo de Fermi aborda o aparente conflito entre as altas probabilidades de existirem civilizações extraterrestres inteligentes e a falta de evidência que possuímos sobre elas. Em suma, se o Universo é tão grande como parece ser e se está cheio de vida inteligente por aí, por que ainda não fizemos contato com ninguém além da Terra?
Enrico Fermi, físico ítalo-americano, recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1938 por identificar novos elementos e descobrir reações nucleares por meio de seu método de irradiação e bombardeio nuclearFonte: Domínio público
Mesmo se considerarmos apenas a nossa galáxia para não cobrar muito da nossa imaginação, podemos fazer o seguinte raciocínio: a Via Láctea contém centenas de bilhões de estrelas e bilhões delas são estrelas similares ao nosso Sol. Se ao menos algumas dessas estrelas possuírem planetas parecidos com a Terra, com condições ideais para manter água no estado líquido e temperaturas amenas, também é possível que a vida inteligente tenha surgido em alguma fração desses planetas. Se por sua vez, em algum momento, um pequeno número dessas civilizações for capaz de desenvolver tecnologia avançada o suficiente para realizar exploração espacial ou até mesmo viagens interestelares, considerando que a nossa galáxia tem bilhões de anos e muitas estrelas são mais velhas que o Sol, houve tempo suficiente para que o espaço contivesse algum vestígio de atividade inteligente extraterrestre.
Antenas do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), nos andes chilenos, sob a Via LácteaFonte: ESO/B. Tafreshi
De fato, os cientistas exploraram essa questão por décadas. Um dos esforços mais famosos de entender os detalhes por trás dela foi feito em 1961, pelo físico estadunidense Frank Drake. Além de ter fundado o SETI (sigla em inglês para Search for Extraterrestrial Intelligence), programa de buscas científicas de vida extraterrestre, Drake desenvolveu uma equação matemática para estimar o número de civilizações extraterrestres ativas e capazes de estabelecer comunicação na nossa galáxia. Chamada de equação de Drake, trata-se de uma equação probabilística que leva em consideração a quantidade de estrelas que se formam em um determinado intervalo de tempo, quantas dessas estrelas teriam planetas, quantos desses planetas estariam em uma zona habitável, entre outros.
A expressão matemática da equação de Drake.Fonte: Cantor's Paradise
Mais especificamente, a equação de Drake faz uma estimativa do número (N) de civilizações inteligentes existentes na Via Láctea considerando a multiplicação simples das seguintes variáveis: R*, definida como a taxa de formação de estrelas que poderia permitir o desenvolvimento de vida inteligente em seus planetas; Fp, a fração destas estrelas que realmente possuem sistemas planetários; Ne, o número de planetas em um sistema estelar localizado em uma zona habitável, isto é, capaz de sustentar a vida; Fl, a fração destes planetas que possuem vida; Fi, a fração dos planetas que possuem vida nos quais há vida inteligente; Fc, a fração de civilizações inteligentes que desenvolveram tecnologia de comunicação para enviar sinais de sua existência para o espaço; e, finalmente, L, que é o período de tempo que essas civilizações emitem esses sinais antes de deixarem de existir. Os números comumente utilizados em cada uma dessas variáveis retornam valores que indicam a existência desde poucas dezenas até algumas centenas de civilizações inteligentes capazes de se comunicar na nossa galáxia.
Dado tempo suficiente, mesmo essa quantidade aparentemente baixa de civilizações inteligentes deveria ter sido capaz de deixar resquícios de sua presença na galáxia, principalmente na forma de radiação eletromagnética. Mesmo assim, o Universo se mostrou, até então, um lugar silencioso para esse tipo de sinal. Não que não tenhamos procurado e nem estejamos buscando, entretanto!
Sede do Instituto SETI, designada para pesquisar a existência de vida inteligente fora da Terra.Fonte: SETI
Diversas são as hipóteses que buscam explicar porque ainda não estabelecemos nenhuma forma de contato ou até mesmo a falta de evidência de que tais civilizações existam. Uma delas é de que a vida inteligente fora da Terra não é tão comum quanto pensamos: pelo contrário, ela é rara ou até mesmo não existe. Se isso for verdade, a quantidade de civilizações extraterrestres capazes de se comunicar é tão baixa que a probabilidade de que um dia tenhamos evidências de sua existência cai praticamente a zero. Outra possibilidade é de que vida inteligente extraterrestre não é rara, mas tende a se autodestruir. Sendo assim, a maioria das civilizações inteligentes seriam extintas antes mesmo de conseguir explorar o espaço o suficiente para descobrir a existência de outras civilizações. Ainda uma outra hipótese sugere que só não descobrimos vida fora da Terra devido a restrições e limitações da nossa tecnologia, ou seja, ainda somos atrasados demais para detectar e reconhecer sinais de vida inteligente, supondo que eles existam, e ainda mais para estabelecer uma comunicação efetiva com qualquer outra civilização.
Seja como for, continuamos olhando para cima.
Nícolas Oliveira, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É doutorando no Observatório Nacional, onde pesquisa estrelas órfãs em aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia, com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência.
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