Um estudo realizado por físicos do Laboratório Nacional Brookhaven (Estados Unidos) no acelerador de partículas Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC) — uma instalação do Departamento de Energia do país para pesquisa de física nuclear — demonstrou que mais uma vez os físicos do início do século XX estavam certos: é possível gerar matéria (e antimatéria) diretamente da luz.
O fenômeno foi previsto há mais de 80 anos por Albert Einstein, Gregory Breit e John A. Wheeler. Einstein previu que era possível gerar matéria da colisão de dois fótons na Teoria da Relatividade Especial e Breit e Wheeler descreveram que o processo geraria um par elétron-pósitron. A pesquisa atual analisou mais de 6.000 pares de elétrons e pósitrons produzidos em colisões no RHIC e afirma ter comprovado a teoria. O resultado foi publicado no periódico científico Physical Review Letters, em 27 de julho.
Física de partículas
O campo da ciência que estuda as partículas que compõem nosso universo e as interações entre elas é a física de partículas. Você pode aprender mais sobre o tema aqui.
Mas o que é necessário para entender as descobertas presentes nesta reportagem é saber que existe matéria e antimatéria: tudo o que conhecemos é constituído por matéria — formada por átomos compostos de elétrons (com carga negativa), prótons (carga positiva) e nêutrons (carga neutra). A antimatéria é o oposto disso.
Gerando matéria a partir da luz
A principal descoberta do novo estudo é que pares de elétrons e pósitrons — partículas de matéria e antimatéria — podem ser criados diretamente pela colisão de fótons muito energéticos: “pacotes” quânticos de luz. Essa conversão de luz em matéria é uma consequência direta da famosa equação de Einstein "E = mc2", que afirma que energia e matéria (ou massa) são intercambiáveis.
Já Breit e Wheeler descreveram pela primeira vez em 1934 a possibilidade hipotética de colidir partículas de luz para criar pares de elétrons e suas contrapartes de antimatéria — conhecidas como pósitrons. Mas eles perceberam que isso era quase impossível de fazer. Então propuseram uma alternativa: acelerar íons pesados. E é isso que a equipe de Brookhaven está fazendo.
Nuvens de fótons em colisão
Um íon é um átomo nu, sem seus elétrons. Um íon de ouro, com 79 prótons, carrega uma poderosa carga positiva. Acelerar esse íon pesado em velocidades muito altas gera um poderoso campo magnético que gira em torno da partícula em alta velocidade enquanto ela viaja, como uma corrente fluindo por um fio.
“Se a velocidade for alta o suficiente, a força do campo magnético circular pode ser igual à força do campo elétrico perpendicular”, explicou Zhangbu Xu, físico membro da equipe. Esse arranjo de campos elétricos e magnéticos perpendiculares de força igual é exatamente o que um fóton é — uma “partícula” quantizada de luz. “Então, quando os íons estão se movendo perto da velocidade da luz, há um monte de fótons ao redor do núcleo de ouro, viajando com ele como uma nuvem”, disse o físico.
Ilustração de dois íons de ouro (em vermelho) se movendo em direção oposta a 99.995% da velocidade da luz. Conforme eles se cruzam, sem colidir, dois fótons (?) da nuvem eletromagnética ao seu redor interagem entre si para criar um par elétron-pósitronFonte: BNL/Reprodução
“Temos duas nuvens de fótons se movendo em direções opostas com energia e intensidade suficientes para que, quando os dois íons passem um pelo outro sem colidir, esses campos de fótons possam interagir”, afirmou Xu. Depois, os físicos rastrearam as interações e procuraram os pares elétron-pósitron previstos em 1934. E encontraram.
O instrumento Solenoid Tracker (STAR) do RHIC mediu a distribuição angular de partículas produzidas nas colisões de íons de ouro movendo-se quase à velocidade da luz (99,995%) e garantiu que as partículas geradas são reais, e não virtuais.
“Nossos resultados fornecem evidências claras da criação direta, em uma etapa, de pares matéria-antimatéria a partir de colisões de luz, conforme originalmente previsto por Breit e Wheeler”, finalizou Daniel Brandenburg, do laboratório Brookhaven Lab, que analisou os dados da STAR nesta descoberta.
ARTIGO Physical Review Letters: doi.org/10.1103/PhysRevLett.127.052302
Fontes