Cientistas da Embrapa e de outras instituições de pesquisa de São Carlos (SP) criaram um curativo nanotecnológico à base de curcumina, substância extraída do açafrão-da-terra, que libera gradualmente compostos para o tratamento de ferimentos e impede entrada de bactérias por até dez dias. Do esforço conjunto surgiu um novo tipo de material que extrapola a área da saúde e pode ser utilizado até mesmo pela indústria alimentícia.
A curcumina é conhecida por suas propriedades bactericidas, antioxidantes e anti-inflamatórias, mas sua aplicação é limitada por ser pouco solúvel e facilmente degradada na presença de luz. A pesquisa da Embrapa conseguiu vencer essas barreiras com a criação de um nanomaterial baseado em membranas poliméricas bicamadas, compostas por fibras eletrofiadas de poliácido láctico e borracha natural.
Curativo visto a olho nu.Fonte: Embrapa/reprodução
Complicou? Calma, a gente explica. O resultado é uma manta fina e amarela como o açafrão, que consegue proteger lesões de ações externas, como exposição à luz solar e contaminação por microrganismos. Isso acontece devido à bicamada de fibras que protege o composto de cúrcuma. Em ensaios de laboratório, o curativo evitou a penetração de bactérias como a Staphylococcus aureus, comum em infecções de pele, por dez dias.
Com essas propriedades, o curativo multifuncional pode se tornar um grande aliado no tratamento de queimaduras e úlceras em um futuro próximo. O pedido de patente já foi depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e agora a entidade está em busca de parceiros para desenvolver testes in vivo e o produto em larga escala.
Como a pesquisa foi feita
O estudo reuniu duas áreas do conhecimento, a de materiais e da biotecnologia. Além de experimentos em escala laboratorial para a confecção das membranas assimétricas que compõem os curativos, os pesquisadores também realizaram testes "in vitro", para a comprovação da liberação da curcumina.
A equipe usou a difusão em disco em Ágar, um método simples, para determinar a atividade antibacteriana contra a Staphylococcus aureus, e testes utilizando peles de suínos para simular um modelo de ferida infectada.
Os ensaios asseguraram a fotoproteção (proteção contra a ação da luz) da curcumina, empregada como modelo de composto bioativo fotossensível encapsulado nas nanofibras. Ela foi protegida contra a entrada de bactérias externas através das membranas assimétricas formadas pelas nanofibras.
A pesquisa foi realizada no âmbito da Rede Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (Rede AgroNano) e orientada pelo pesquisador da Embrapa Instrumentação (SP) Daniel Souza Corrêa. O time reuniu pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA) de São Carlos (SP) e pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).
Ilustração do curativo em contato com a pele.Fonte: Embrapa/reprodução
Para Corrêa, os curativos que utilizam produtos naturais devem funcionar não apenas como uma barreira física contra microrganismos presentes no ambiente. “Eles também têm a função de prevenir a infecção da ferida, manter um ambiente úmido adequado, permitir a troca gasosa e o transporte de nutrientes, minimizar a dor sofrida pelo paciente, bem como estimular o processo de cicatrização”, detalhou em comunicado da entidade.
Mas o pesquisador lembrou que, mesmo com os grandes avanços nos últimos anos, o desenvolvimento de curativos para feridas com propriedades multifuncionais, incluindo ação anti-inflamatória, antibacteriana e angiogênica (geração de novos vasos sanguíneos), como o proposto na pesquisa, ainda apresenta desafios a serem superados.
O pesquisador Paulo Augusto Marques Chagas foi quem desenvolveu o estudo sobre o curativo cutâneo para obtenção do título de doutor. Ele esclareceu que a escolha dos polímeros utilizados no curativo foi feita de acordo com sua aplicação, propriedades mecânicas, térmicas e biológicas. A equipe utilizou o látex extraído da seringueira devido às suas propriedades físicas, biocompatibilidade, ausência de toxicidade, indução da angiogênese e reparação tecidual.
O outro composto utilizado foi o PLA, um biopolímero semicristalino, biocompatível e biodegradável que possui diferentes aplicações, como uso em embalagens de alimentos, em filtros de ar e liberação controlada de fármacos. O PLA é derivado da fermentação de fontes renováveis, como amido de milho, cana-de-açúcar e batata, o que permite sua produção em larga escala. Ele é considerado um substituto para polímeros que vêm de fontes não renováveis.
Chagas afirma que, a partir do estudo realizado, novos processos podem ser realizados para obtenção de fibras de menores diâmetros. Segundo ele, novos materiais podem ser encapsulados na matriz polimérica, visando diferentes propriedades.
“O potencial antioxidante das membranas assimétricas desenvolvidas [no projeto] também pode ser investigado visando aplicação como embalagem alimentícia, principalmente por apresentar fotoproteção tanto à curcumina quanto ao alimento embalado”, conclui.
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