Quem estuda biologia e anatomia dos morcegos sabe que este animal possui uma capacidade de ecolocalização incrível. Usando sons inaudíveis para o ser humano, esses mamíferos são capazes de se orientar como se estivessem usando um sonar natural implantado em seus ouvidos.
Diante dessa capacidade, alguém poderia fazer uma pergunta aparentemente ingênua: como esses animais não ficam surdos ouvindo esses barulhos com tanta frequência? Se levarmos em conta que esses sons podem atingir níveis de até 135 decibéis e uma exposição prolongada a ruídos acima de 80 decibéis pode causar danos na maioria dos mamíferos, essa pergunta faz ainda mais sentido.
Esse questionamento foi a base de um estudo da cientista Peng Shi, da Academia Chinesa de Ciências, publicado em julho na revista científica Journal of Genetics and Genomics.
A pesquisadora estuda o sistema de ecolocalização dos morcegos para entender como essa capacidade de cancelamento de ruído poderia contribuir para retardar a perda auditiva em seres humanos.
Cancelamento de ruído nos genes
Morcegos são geneticamente capazes de suportar barulhos intensos (Fonte: Pixabay)Fonte: Pixabay
Para compreender como funciona a capacidade de ouvir ruídos intensos sem perdas auditivas, os pesquisadores realizaram um teste com algumas espécies de morcegos. Dois grupos de mamíferos foram selecionados, um deles com a capacidade natural de ecolocalização e outro que não possui esse recurso para sobreviver na natureza.
Todos os animais foram submetidos a um teste que emitiu um som de 120 decibéis por duas horas. Ao final de uma semana de experimentos, percebeu-se que os morcegos que não possuem a capacidade natural de ecolocalização experimentaram perdas auditivas significativas, além de redução no número das células ciliadas da cóclea. Já o outro grupo teve a sua audição totalmente preservada.
Comparando os dois grupos de morcegos, os pesquisadores descobriram que os mamíferos que utilizam a ecolocalização possuem composição genética diferente. O DNA desses animais contém uma grande quantidade de genes que favorece a produção de uma proteína que reveste e protege as células ciliadas da cóclea, resultando na preservação da audição.
Como esses genes atuam na proteção das células do ouvido ainda não está totalmente claro, mas os pesquisadores identificaram o gene ISL1 como um ótimo candidato para pesquisas clínicas.
Em entrevista à revista New Scientist, a cientista Peng Shi afirma que o estudo “abre uma janela de possibilidades para a prevenção de danos e perda auditiva das células ciliadas devido à ruídos intensos”.
A tecnologia imitando a natureza
O cancelamento de ruído também é uma tecnologia presente nos fones de ouvido (Fonte: Pixabay)Fonte: Pixabay
Além da aplicação para a saúde, a capacidade de “filtrar” barulhos intensos também pode ter inspirado a tecnologia na criação do sistema de cancelamento de ruído. Presente em diversos fones de ouvido da atualidade, esse mecanismo elimina os ruídos recebidos pelo acessório emitindo um sinal que anula aquela onda sonora indesejada.
Embora o funcionamento desse sistema seja bem diferente do existente naturalmente nos morcegos que possuem a ecolocalização, a tecnologia poderia se inspirar novamente na biologia para trazer uma evolução no segmento de fones de ouvido. Muitos consumidores recorrem ao cancelamento de ruído ativo simplesmente para conseguirem se concentrar em ambientes barulhentos.
Não seria interessante possuir um acessório capaz de fazer isso passivamente, assim como acontece com os morcegos? Dessa forma, os fones de ouvido com o recurso poderiam se tornar mais acessíveis e mais pessoas poderiam usufruir de um ambiente calmo e silencioso para fazer suas atividades.
ARTIGO Journal of Genetics and Genomics: doi.org/10.1016/j.jgg.2021.06.007