Do lixo ao luxo: a palha da cana, um resíduo abundante da produção de açúcar e álcool, nas mãos de um químico e de pesquisadores da Embrapa está se transformando em cristais – para sermos exatos, nanocristais de lignocelulose (LCNCs), também conhecidos como whiskers.
O material biodegradável tem o formato de um grão de arroz, resistência mecânica similar à do aço e grande potencial de aplicação nas indústrias petroquímica, farmacêutica e eletrônica.
Atualmente, a palha de cana é um resíduo de produção, com volume estimado entre 10 e 20 toneladas de matéria seca por hectare. Ela é utilizada na geração de energia térmica ou deixada no campo para agregar matéria orgânica ao solo. A pesquisa supervisionada pela Embrapa abre um novo caminho de possibilidades, com aplicações nobres do resíduo em produtos com alto valor agregado, conhecidos como green materials – retirados de fibras vegetais como as de algodão e eucalipto.
Cana de açúcar.Fonte: Pixabay
De medicamentos a dispositivos eletrônicos
Os nanocristais, embora semelhantes a grãos de arroz, têm espessura cerca de 200 mil vezes menor. Na indústria, eles podem substituir alguns produtos de base petroquímica e têm potencial para uso em produtos que vão de medicamentos a dispositivos eletrônicos, além de produtos de consumo, sensores, aerogéis, adesivos, filtros, embalagem para alimentos, engenharia de tecidos, entre outras utilidades.
“Os nanocristais servem como aditivos, melhorando as propriedades dos materiais usados em embalagens e filmes, por exemplo”, explicou Cristiane Sanchez Farinas, coordenadora da pesquisa – que foi conduzida pelo químico Stanley Bilatto, sob supervisão dos pesquisadores da Embrapa Instrumentação de São Paulo.
Como os nanocristais de cana foram obtidos
Luiz Henrique Capparelli Mattoso, o pesquisador que iniciou o estudo, é engenheiro de materiais com pós-doutorado em Nanotecnologia nos Estados Unidos. Ele iniciou os estudos com materiais verdes em 2007 e descobriu que é possível obtê-los a partir de fibras lignocelulósicas de bagaço da cana, cascas de coco e de arroz, algodão, eucalipto, entre outras – até mesmo de resíduos como a madeira de reflorestamento descartada pela indústria.
A palha convertida em nanocristais de celulose foi pré-tratada com solvente orgânico (organosolv) e hidrólise ácida. Os LCNCs obtidos apresentaram alto rendimento e estabilidade térmica, além de índice de cristalinidade de 80% – propriedade que determina as propriedades físicas, mecânicas e químicas relacionadas à estrutura de estado sólido do produto.
Processo de produção dos nanocristais.Fonte: Embrapa/reprodução
“Os resultados demonstraram a extração efetiva de nanocristais de celulose com lignina residual da palha da cana-de-açúcar, abrindo a possibilidade de obtenção de nanomateriais de alto valor agregado, uma contribuição para a sustentabilidade de futuras biorrefinarias de biomassa lignocelulósica”, relatou Bilatto.
Em 2019 os pesquisadores da Embrapa, em parceria com a startup Bio Nano, começaram a testar a produção de nanocristais de celulose (CNC) em escala-piloto, utilizando eucalipto e algodão. O próximo passo será escalonar a produção e acelerar o processo para torná-lo economicamente viável.
Resistência de aço, porém sustentável
O grande diferencial dos nanocristais de cana é o de que apesar de eles serem altamente resistentes, como o aço, provém de fontes sustentáveis, como fibras vegetais – e com vantagens: “Ainda é possível a sua adição a outros materiais, mudando suas propriedades mecânicas”, afirma Mattoso. Essas características têm atraído indústrias no mundo todo.
Combustível para produção de energia
Os LCNCs podem ser utilizados como combustível em biorrefinarias, que utilizam matérias-primas renováveis e seus resíduos (biomassa) para a produção, por rota química ou biotecnológica, de substâncias e energia, com a mínima geração de resíduos e emissões de gases poluidores, segundo a literatura especializada. Portanto, os nanocristais de cana são potenciais candidatos a futuro combustível para a produção de energia menos poluente.
Em 2020, a produção brasileira de cana-de-açúcar, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 677,9 milhões de toneladas. Só em São Paulo, está 55% do total no País. E a palha da cana é um dos principais resíduos de biomassa lignocelulósica gerados nas usinas brasileiras de açúcar ou etanol – setor sucroalcooleiro.
O resíduo da palha de cana agora pode se tornar uma fonte alternativa renovável e sustentável aos combustíveis fósseis, responsáveis em grande parte pelas emissões dos gases causadores do efeito estufa. As informações são da assessoria de comunicação da Embrapa.
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