Uma equipe de cientistas renomados dobrou a aposta na hipótese controversa de que pedaços de genes do novo coronavírus possam se integrar aos cromossomos humanos – e permanecer neles por muito tempo após o fim da infecção. A proposição inicial, presente em um estudo americano sobre o vírus, causou alvoroço na comunidade científica e foi alvo de muitas críticas.
Estudo sugere que RNA do SARS-CoV-2 (em azul) pode se converter em DNA nos infectados.Fonte: CLAUS LUNAU/SCIENCE SOURCE/Reprodução
Além do ceticismo em torno da hipótese – que muitos afirmaram ser uma criação de laboratório –, a principal crítica levantada no meio acadêmico foi a de que a afirmação poderia causar desconfiança a respeito das vacinas que utilizam a nova tecnologia de RNA mensageiro (RNAm) – como é o caso do imunizante da Pfizer –, alimentando temores infundados de que elas poderiam de alguma forma alterar o DNA humano.
Coronavírus no DNA humano?
Se o estudo inicial estiver certo, o mecanismo pode explicar como algumas pessoas podem se recuperar da covid-19 e depois testar positivo novamente, meses depois. Os responsáveis pela peça original são o biólogo de células-tronco Rudolf Jaenisch e o especialista em regulação de genes Richard Young, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. O artigo foi liberado em dezembro de 2020, em um pré-print no site bioRxiv, especializado em textos da área de ciências biológicas pendentes de revisão.
Os pesquisadores enfatizaram que a integração viral não significa que os recuperados de covid-19 continuem infectados. Eles também deixaram claro que seus resultados, originais ou novos, não implicam de nenhuma forma na suspeita de que vacinas de RNAm integrem suas sequências no DNA humano.
Rebatendo as críticas ao estudo
Algumas das principais críticas recebidas foram abordadas pelo time do estudo em um novo artigo publicado online, no dia 6 de maio, pelo Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). “Agora temos evidências inequívocas de que as sequências do coronavírus podem se integrar ao genoma”, afirmou Jaenisch em entrevista à revista Science.
O SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19, tem genes compostos de RNA. Jaenisch, Young e os co-autores do estudo afirmam que, em raras ocasiões, uma enzima – a transcriptase reversa – pode copiar sequências virais para o DNA e colocá-las em nossos cromossomos. Essa enzima é codificada por elementos LINE-1 – sequências que ocupam 17% do genoma humano e são como artefatos de infecções anteriores causadas por retrovírus.
SARS-CoV-2 pode ser capaz de se aninhar aos cromossomos humanos após transcriptação.Fonte: Pixabay
No artigo original, os pesquisadores apresentaram evidências em tubo de ensaio de que, quando células humanas que continham elementos LINE-1 foram infectadas com o novo coronavírus, versões em DNA de sequências de SARS-CoV-2 se aninharam nos cromossomos delas.
Muitos pesquisadores especializados em elementos LINE-1 e outras sequências afirmaram que os dados apresentados eram muito fracos. “Se eu tivesse esses dados, não teria enviado a nenhuma publicação naquele momento”, afirmou Cedric Feschotte, pesquisador de retrovírus endógenos no genoma humano da Cornell University, em Nova York. Ele e colegas disseram esperar um trabalho de maior qualidade vindo de cientistas do calibre de Jaenisch e Young.
Novas evidências
No novo estudo, Jaenisch e Young reconhecem que a técnica utilizada anteriormente criou quimeras humano-virais acidentalmente. Jaenisch acrescentou que quando enviaram o artigo para o periódico, sabiam que precisavam de dados mais sólidos e esperavam adicioná-los durante o processo de revisão. Mas o jornal exigia que os autores postassem imediatamente todos os resultados no servidor de pré-impressão.
No novo artigo publicado no PNAS, a equipe afirma que artefatos sozinhos não explicam os níveis detectados de DNA quimérico vírus-humano. Eles também demonstram que porções de elementos LINE-1 flanqueiam a sequência genética viral integrada, apoiando ainda mais sua hipótese inicial.
A verdadeira questão é: os dados da cultura de células têm alguma relevância para a saúde ou diagnóstico humanos? “Na ausência de evidências de integração em pacientes, o máximo que podemos extrair desses dados é que é possível detectar eventos de retroposição de RNA de SARS-CoV-2 em linhas de células infectadas onde L1 é superexpressado”, disse Feschotte.
O pesquisador de retrovírus, um dos críticos do estudo inicial, foi convidado para participar da nova pesquisa e agora acredita que a hipótese é plausível. “O significado clínico ou biológico dessas observações, se houver, é uma questão de pura especulação agora”, finalizou.
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