O imunologista norte-americano Aaron Ring, especializado em câncer, tirou a filha de nove meses da escola e não sabe quando irá enviá-la de volta. O motivo? Suas últimas descobertas a respeito de como o sistema imunológico humano pode reagir ao novo coronavírus, que é semelhante a casos graves de doenças autoimunes.
A pesquisa realizada por ele na Universidade de Yale, em Connecticut, nos Estados Unidos, aponta que a covid-19 pode desencadear reações semelhantes a doenças como o lúpus eritematoso sistêmico. A covid-19 estaria criando, mesmo entre pacientes com sintomas moderados, exércitos de autoanticorpos.
Autoanticorpos: o que são, onde vivem
Os autoanticorpos são feitos, assim como os anticorpos, de proteínas. Mas, enquanto os anticorpos são um mecanismo de defesa contra antígenos invasores (como micróbios, por exemplo), os autoanticorpos reagem contra componentes do próprio organismo e geralmente aparecem após infecções severas.
Ilustração de anticorpos circulando na corrente sanguínea.Fonte: Pixabay
Pesquisadores da Universidade de Rockefeller, em Nova York, encontraram em alguns doentes graves de covid-19 um tipo de autoanticorpo que ataca outras células do sistema imunológico. Para os cientistas, isso seria um indício de que esses pacientes tinham autoanticorpos preexistentes à doença e que esse seria o motivo pelo qual desenvolveram a forma grave da covid-19.
Munido dessa informação, Ring criou um novo método para procurar autoanticorpos no sangue dos pacientes do hospital de Yale-New Haven.
O que os testes de Yale mostraram
As análises sanguíneas foram feitas entre março e abril de 2021 e os resultados foram chocantes: ao invés de encontrar o mesmo autoanticorpo da pesquisa de Nova York, o pesquisador se deparou com uma variedade de 15 tipos de autoanticorpos prontos para atacar outras proteínas humanas, incluindo as presentes em órgãos vitais e corrente sanguínea.
Segundo Ring, essas células imunológicas enlouquecidas apareceram no estudo em níveis altíssimos, variadas e onipresentes. “Em alguns pacientes, as células imunológicas defeituosas estavam marcando células sanguíneas para atacar. Outras estavam caçando proteínas associadas ao coração, fígado, sistema nervoso central e cérebro”, afirmou.
Estudos aponta que covid-19 pode deixar infectados com sintomas de autoimunidade persistentes.Fonte: Pixabay
O resultado sinistro indica a possibilidade de um problema sistêmico: pacientes estariam desencadeando a produção de uma enorme variedade de novos autoanticorpos em resposta à covid-19, levando os corpos dessas pessoas a entrar em guerra consigo mesmos. A reação é parecida com o que se vê em pessoas com doenças autoimunes – que levam uma vida repleta de dores e danos a órgãos vitais devido à autorreatividade.
“Esses autoanticorpos são claramente recém-adquiridos, não há dúvidas. Eles apareceram durante a infecção. A infecção provocou a autoimunidade”, disse Ring. A possibilidade real de que esses autoanticorpos sejam criados pela infecção de covid-19 e que possam durar a vida toda traz questões perturbadoras: quais seriam as consequências para os pacientes que adquirem autoanticorpos e quanta destruição essas células poderiam causar?
Covid persistente
Muitos pacientes de covid-19 experienciam a chamada “tempestade de citocinas”, que são várias proteínas diferentes, enviadas pelas células imunológicas e por outras células, que atuam como mensageiras do sistema imunológico – elas ajudam a regular uma resposta contra um inimigo indesejado. O problema é que nesse ataque, as citocinas acabam atingindo células do próprio corpo, além do inimigo. E isso pode deixar sequelas.
Sintomas persistentes incluem fadiga, ansiedade e depressão.Fonte: Pixabay
O estudo de Yale afirma que cerca de 10% dos acometidos por covid-19 ficam com sequelas – a síndrome pós-covid. No Brasil, dados preliminares de um estudo ainda não publicado pela Coalizão Covid-19 Brasil apontam que, no país, 17% das pessoas que enfrentaram a doença tiveram que ser hospitalizadas novamente e 7% morreram.
São cerca de 50 os efeitos pós-covid relatados pelos pacientes. Entre eles estão fadiga extrema, respiração curta, confusão mental, desordens do sono, febre, sintomas gastrointestinais, ansiedade e depressão. Embora as causas exatas desses efeitos colaterais da doença ainda sejam um mistério, a autoimunidade figura no topo da lista de suspeitos.
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