Um instante, ele estava em seu laboratório; no seguinte, Sam Magruder se viu nu, com água lamacenta até a cintura, em um pântano selvagem e fugindo assustado de um dinossauro. Esse é o cerne do livro que o paleontólogo e evolucionista George Gaylord Simpson chamou de A descronização de Sam Magruder — a viagem no tempo de um cientista do ano 2162 ao Cretáceo, 80 milhões de anos no passado. Simpson, uma das mais brilhantes mentes científicas do século XX, descreveu, em seu livro, um dos maiores enigmas enfrentados pelos físicos: as viagens temporais.
Vivemos constantemente entre o presente e o passado. Se a luz viaja a 300 mil quilômetros por segundo, a tela onde você está lendo essas palavras está, na verdade, no passado. É por isso que o físico Albert Einstein (com a ajuda do matemático alemão Hermann Minkowski, pois Einstein era péssimo em matemática) descreveu o tempo não como uma constante, mas sim como uma dimensão: o espaço em que vivemos é feito de três dimensões (largura, comprimento e profundidade), e o tempo seria a quarta.
O viajante que percorre nosso Universo (seja até a lixeira do corredor, Marte ou a galáxia mais próxima) teria quatro coordenadas para se guiar: as três do espaço e uma do tempo — que, convencionalmente, apenas corre para a frente. A primeira questão que se coloca é: a que velocidade?
Limite entre presente e passado
Segundo Einstein previu em sua teoria da relatividade especial, quanto mais rapidamente você avança nas três dimensões do espaço, menos você progride na quarta (o tempo). Segundo o físico alemão, há um limite até onde você pode aumentar a sua aceleração, e ele é a velocidade da luz. Porque, teoricamente, se você alcançá-la e ultrapassá-la, você chegará no momento anterior no qual a luz deixou seu ponto de partida.
Mas, quanto mais perto do ponto-limite, mais o tempo reduz a sua velocidade — do ponto de vista de um observador, não para quem está viajando. Isso se chama “dilatação do tempo”.
Se você está em uma nave espacial pensando em jogar seu lixo na órbita da supergigante azul Ícarus, a 9 bilhões de anos-luz da Terra, e ainda chegar em casa "a tempo para a novela", ao retornar à Terra vai encontrar o Sol morto e o planeta como um pedaço de carvão flutuando por um Sistema Solar irreconhecível.
“A passagem do tempo pareceria absolutamente normal para mim. Meu relógio anda no passo certo, eu envelheço normalmente, os filmes correm no ritmo certo. Não estou mais longe do meu futuro do que o normal. Mas eu viajei para o futuro do meu irmão gêmeo”, explicou a física Janna Levin, do Barnard College, sobre o que ficou conhecido como o “paradoxo dos gêmeos”. A viagem ao futuro seria, nesses moldes, possível; o inconveniente seria, porém, que somente os viajantes poderiam desfrutar de suas descobertas.
Viajando para o futuro
A física pensou em algumas soluções. Confira-as a seguir.
Cilindro de Tipler
Em 1974, o astrônomo Frank Tipler imaginou uma estrutura na forma de um cilindro giratório incrivelmente denso, com cerca de 100 quilômetros de comprimento e dez quilômetros de largura. Em seu interior, haveria algo com uma massa equivalente a 10 vezes a do Sol, girando cerca de bilhões de vezes por minuto. Tipler sugeriu que isso poderia ser feito usando um buraco negro giratório, uma estrela de nêutrons ou mesmo um pulsar; e o cilindro, por isso, seria feito de um material forte o suficiente para não ser esmagado pela própria gravidade ou dilacerado pelas forças centrífugas que experimentaria ao girar.
O resultado seria a criação da chamada closed timelike curve (curva fechada do tipo tempo, em tradução livre) — uma curvatura do espaço-tempo que possibilitaria uma viagem para o futuro e voltasse ao ponto de onde partiu.
Uma nave espacial, saindo da Terra, alcançaria o tal cilindro (conhecido como Cilindro de Tipler) e completaria algumas órbitas ao redor dele, permanecendo na região ao redor da estrutura onde o espaço-tempo é mais deformado, e então voltaria à Terra, onde o tempo teria transcorrido mais depressa do que a bordo (a boa e velha dilatação do tempo). O quanto dependeria de quantas vezes você deu a volta no cilindro, e as limitações quanto a esse projeto falam por si.
Buracos de minhoca
Viajar do ponto A para o ponto B mais rapidamente do que a luz no vácuo faria, segundo Einstein, qualquer um teria massa infinita e comprimento 0. Mas, admitindo-se que o espaço-tempo pode ser dobrado, Einstein pensou na possibilidade de cortar caminho, usando-se o que se popularizou chamar de “buracos de minhoca”. As equações tornam essas passagens possíveis, fisicamente; o problema é que, além de deixarem passar apenas partículas, elas desmoronariam quase instantaneamente.
Na chamada curva fechada do tipo tempo, o viajante sempre voltará ao ponto onde começou a sua jornada, não importa quantas voltas dê no espaço-tempo.Fonte: New Scientist/John Papasian/Reprodução
O astrônomo Carl Sagan foi o primeiro a pensar nisso, ao pedir ao amigo e físico Kip Thorne para que pensasse se seria possível usar buracos no tecido espacial para visitar o futuro (ele usou essa ideia em seu livro Contato). Thorne, vencedor do Nobel de Física em 2017 por seu trabalho na detecção de ondas gravitacionais, é um dos fundadores do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (acrônimo em inglês LIGO), mas é mais conhecido por ter sido o consultor científico do filme Interstellar.
Buracos negros
Falando no blockbuster do diretor Christopher Nolan, o filme usa a ideia de uma nave se aproveitando do movimento giratório de um buraco negro para girar rapidamente (o mesmo princípio do Cilindro de Tipler).
O físico Stephen Hawking, em um artigo para o jornal Daily Mail em 2010, escreveu que os astronautas “dariam voltas e mais voltas ao do horizonte de eventos, vivenciando apenas metade do tempo de todos na Terra. A nave e sua tripulação estariam viajando no tempo. Imagine que eles circulassem o buraco negro por 5 anos: 10 anos se passariam em outro lugar. Mas seria preciso viajar em torno da velocidade da luz para que isso funcionasse”.
Cordas cósmicas
O astrofísico Richard Gott construiu a sua carreira sobre dois dos aspectos que mais fascinam o leigo: viagens no tempo e o fim da civilização humana. Sobre o primeiro item, ele argumenta que seria possível ao ser humano usar a deformação do espaço-tempo provocado pelas cordas cósmicas (tubos estreitos de energia, remanescentes do início do cosmos, e que se estendem por todo o Universo, ou seja, são infinitas e se enredam qual teias de aranha).
A massa dessas estruturas chegaria a 10 quatrilhões de toneladas por centímetro; segundo Gott, duas cordas paralelas entre si e movendo-se uma após a outra distorceriam o espaço-tempo o suficiente (o chamado “poço gravitacional”) para permitir a viagem no tempo.
Máquinas do tempo
Desde 1895, quando o escritor britânico H. G. Wells lançou o clássico A máquina do tempo, é consenso na Ciência de que o ser humano vai precisar de um dispositivo que não apenas crie uma curva fechada do tipo tempo como não cause danos ao seu ocupante.
Primeiramente, para que a máquina alcançasse velocidade o suficiente para o viajante chegar ao futuro seria preciso que o tempo funcionasse. Então, os físicos acreditavam ser necessário uma forma exótica de matéria, com "densidade de energia negativa", cuja existência ainda é uma hipótese na Física.
Em 1984, o físico Miguel Alcubierre lançou a ideia de que seria possível fazer contrair o espaço-tempo à frente de uma nave para para logo depois, fazê-lo se expandir atrás dela, sem entrar em conflito com a teoria da relatividade.
A nave, na verdade, não sairia do lugar e sim, confortavelmente instalada em uma bolha, escorregaria pelo tecido do Universo. O problema: o motor teria que ser construído com matéria exótica, gerando energia negativa — ambas existentes apenas no campo teórico. Já existem, porém, pesquisadores na Física que garantem ser possível alcançar velocidades próximas à da luz sem essa matéria de propriedades.
Entre as ideias surgidas, uma precisaria de uma estrutura em forma de rosquinha (onde o vácuo existiria) no interior de uma. No interior desse conjunto, campos gravitacionais gigantescos seriam capazes de dobrar o tecido espacial em uma forma fechada e, para voltar no tempo, um viajante correria dentro da rosquinha, voltando ainda mais para o passado a cada volta. Ainda não existe tecnologia para manipular, de maneira precisa, os campos gravitacionais necessários para fazer uma curva semelhante ao tempo.
Outra ideia, de pesquisadores da Applied Physics (um grupo independente de cientistas, engenheiros e inventores que assessora empresas e governos em ciência e tecnologia para aplicações humanitárias e comerciais), sugere uma nave em forma de disco (feito de matéria comum, na falta da exótica), que deslizaria empurrada pela inércia, depois de atingir uma determinada velocidade.
Os projetistas da Enterprise NCC-1701-D quase acertaram.Fonte: Memory Alpha/Reprodução
Tudo parece excitante, mas o problema (sempre existe um) é que esse protótipo teria que ser feito de materiais com densidades inalcançáveis pela tecnologia atual.
Viajando para o passado
Todos já devem ter ouvido falar do “paradoxo do avô”: um viajante volta no tempo e mata seu avô ou seus pais, impossibilitando seu próprio nascimento e, por consequência, o futuro assassinato de seus ancestrais.
Alguns físicos argumentam que você, na verdade, nasceria em um universo paralelo — haveria um para cada decisão que você toma na vida (virar à esquerda ou à direita, esperar o próximo elevador ou se espremer no que se abre à sua frente etc.). Outros, que o passado não pode ser mudado, por mais que você tente.
Segundo os cálculos dos pesquisadores Germain Tobar e Fabio Costa, da Universidade de Queensland (eles provaram matematicamente que a viagem ao passado é possível), o que quer que o viajante faça (e eles incluem no trabalho algumas possibilidades causadoras do chamado “efeito borboleta” — pequenas mudanças nas condições iniciais de grandes sistemas, podendo levar a mudanças drásticas nos resultados), os eventos se ajustarão para evitar o paradoxo temporal.
"Se você voltasse ao passado para impedir que a primeira pessoa fosse infectada por covid-19, você se contaminaria e se tornaria o paciente zero. Não importa o que você fizesse, os eventos seriam recalibrados ao seu redor e a pandemia ocorreria, dando ao seu 'eu' mais velho a motivação para voltar no tempo e detê-la”, disse Costa.
Voltar a lugar nenhum
Sam Magruder (o cronólogo do século 22 mencionado no início deste artigo) conseguiu voltar no tempo, retrocedendo até meados do período Cretáceo, há 60 milhões de anos. Para que isso fosse possível, George Gaylord Simpson criou um processo que ele chamou de “descronização”. Magruder diz que o presente é, na verdade, “um ponto móvel do universo temporal em movimento”. Ele imagina o tempo como uma linha descontinuada, na qual o presente “pularia” intervalos infinitesimais.
Seu experimento consiste em usar um desacelerador para alargar esses intervalos, começando por “estender um milionésimo de segundo até percebê-lo como 5 horas”. Quando ele aumenta a desaceleração do tempo ao máximo, é jogado no passado, 800 milhões de anos de o primeiro ser humano surgir na face da Terra.
Sam Magruder descobriu que não poderia voltar ao seu tempo porque ele ainda não existia.Fonte: Pixabay/Stefan Keller
Acostumado a tecnologias que garantiam sua sobrevivência, Magruder percebe então que a viagem ao passado é uma viagem só de ida: o futuro ainda não aconteceu e, por isso, não há para onde voltar. Voltamos à ideia dos infinitos universos paralelos.
Embora a dilatação do tempo possa ser (pelo menos hipoteticamente) a forma de o ser humano visitar o futuro, parece que não seremos capazes de voltar ao passado; segundo Stephen Hawking deixou registrado em seu livro Buracos negros, universos bebês e outros ensaios: “a melhor evidência que temos de que a viagem no tempo [ao passado] não é possível, e nunca será, é que não fomos invadidos por hordas de turistas vindos do futuro".
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