Um terço das pessoas infectadas pelo novo coronavírus desenvolveram problemas psicológicos ou neurológicos, como ansiedade, depressão, demência e psicose, entre outros, em um período de até seis meses após se curarem. É o que indica um amplo estudo publicado na revista The Lancet Psychiatry, na terça-feira (6).
Realizada por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a investigação foi feita com base na análise das fichas médicas de 236.379 pacientes que sobreviveram à covid-19 nos Estados Unidos. Todos eles têm mais de 10 anos de idade e ficaram doentes entre os dias 20 de janeiro de 2020 e 13 de dezembro do mesmo ano.
O objetivo do estudo, o maior deste tipo envolvendo a doença causada pelo Sars-CoV-2 até o momento, era verificar se havia alguma relação entre o novo coronavírus e a presença de alguns dos distúrbios neurológicos ou psiquiátricos mais comuns em quem se infectou.
Dados de mais de 200 mil americanos que contraíram covid-19 foram analisados na investigação.Fonte: Unsplash
Para tanto, os pesquisadores compararam os dados de americanos obtidos em prontuários eletrônicos da TriNetX, uma rede que reúne informações de saúde de milhões de pacientes de todo o mundo, com os registros de pessoas que apresentaram outras infecções do trato respiratório no mesmo período.
Problemas mais identificados nos pacientes
De acordo com o cientistas britânicos, aproximadamente 34% das pessoas da amostra estudada desenvolveu algum tipo de distúrbio relacionado ao cérebro em até seis meses depois de se livrarem dos sintomas da covid-19, uma situação inédita para 13% deles, que não apresentavam nenhum histórico deste tipo de doença.
Os transtornos de ansiedade e de humor foram os problemas que mais afetaram os pacientes, aparecendo em 17% e 14% dos casos, respectivamente. Em seguida, vieram os transtornos causados por uso de substâncias (7%), insônia (5%) e alguns mais raros, como acidente vascular cerebral isquêmico (2,1%), demência (0,7%) e hemorragia cerebral (0,6%).
Ansiedade e depressão estão entre as sequelas que podem ser deixadas pela covid-19.Fonte: Pixabay
A pesquisa também descobriu que havia um risco maior para o surgimento de condições neurológicas mais graves nas pessoas internadas e exigindo maiores cuidados médicos, embora aquelas tratadas apenas em ambulatórios também estivessem propensas a apresentar tais problemas, em menor quantidade.
“Essa taxa aumentou progressivamente à medida que a gravidade da doença de covid-19 aumentava. Se olharmos para os pacientes que foram hospitalizados, essa taxa aumentou para 39%”, explicou o pesquisador clínico especializado em psiquiatra da Universidade de Oxford Maxime Taquet, um dos autores do artigo.
Possíveis causas
Mesmo se tratando de um estudo observacional, os autores concluíram que a covid-19 estava associada a mais doenças do cérebro do que outras doenças respiratórias. Na comparação dos prontuários dos 236 mil pacientes com os dados de 105 mil indivíduos diagnosticados com gripe, os infectados pelo Sars-CoV-2 tinham risco 44% maior de apresentar complicações neurológicas e psiquiátricas.
O resultado corrobora algo que outros estudos já haviam sugerido, apesar de terem sido realizados com uma base muito menor de pacientes em comparação a este mais recente. Uma pesquisa feita em fevereiro, com 381 voluntários de um hospital de Roma (Itália), por exemplo, indicou 30% deles com estresse pós-traumático em seguida à recuperação da doença.
Os efeitos do novo coronavírus no cérebro ainda precisam ser melhor estudados.Fonte: Unsplash
Houve ainda uma investigação divulgada em dezembro do ano passado na revista Neurology: Clinical Practice, que indicou a possibilidade de a covid-19 causar convulsões e distúrbios do movimento, após os pesquisadores acompanharem 74 pacientes do Boston Medical Center (EUA).
Quanto à causa da relação entre covid-19 e doenças neurológicas, o estudo britânico não se aprofundou neste quesito. Mas segundo o professor de neurologia da Universidade de Oxford Masud Husain, há evidências de que o coronavírus entre no cérebro e cause danos diretos. Além disso, o patógeno pode ter efeitos indiretos, afetando a coagulação do sangue e levando a acidentes vasculares cerebrais.
Novos dados
Mesmo que a pesquisa tenha apresentado informações importantes sobre as sequelas da covid-19 a longo prazo, ela ainda deixou algumas questões em aberto, exigindo a realização de novas investigações para se aprofundar neste tema.
“Agora, precisamos ver o que acontece para além dos seis meses. O estudo não consegue revelar os mecanismos envolvidos, mas evidencia a necessidade de investigar urgentemente para identificar, prevenir ou tratar esses casos”, comentou Taquet.
Os pesquisadores querem acompanhar os pacientes por um prazo mais longo.Fonte: Unsplash
Os especialistas também pretendem verificar o grau de gravidade dos problemas deixados pelo coronavírus e descobrir maneiras de identificar com antecedência as condições relacionadas aos quadros mais graves de covid-19, principalmente.
“Embora os riscos individuais para a maioria dos distúrbios sejam pequenos, o efeito em toda a população pode ser substancial para os sistemas de saúde e assistência social devido à escala da pandemia e ao fato de muitas dessas condições serem crônicas”, concluiu o professor de psiquiatria da Universidade de Oxford Paul Harrison, que chefiou a equipe de pesquisa.
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