A imunologista Özlem Türeci e o oncologista Ugur Sahin são os cientistas por trás da vacina gênica contra a covid-19 desenvolvida em uma parceria entre o laboratório americano e a BioNTech, empresa de biotecnologia que o casal fundou em 2008. Naquele ano, Sahin conseguiu estabilizar a molécula do RNA mensageiro (RNAm) para que ela pudesse ser usada no desenvolvimento de tratamentos e vacinas contra a recidiva do câncer.
“Temos várias linhas de pesquisa para vacinas contra o câncer com base em mRNA. Não sabemos, porém, quando elas estarão disponíveis para todos, mas esperamos que, dentro de apenas alguns anos, tenhamos vacinas contra o câncer para oferecer”, disse Türeci.
Uma das imunoterapias pesquisadas pela BioNTech é para o combate e prevenção da recidiva do câncer de mama triplo negativo, um dos tipos mais letais.Fonte: Voisin / Phanie / Science Source/Reprodução
Segundo a imunologista, esse era o objetivo inicial quando ela e o marido fundaram a BioNTech e, graças ao sucesso da vacina contra a covid-19, agora há financiamento suficiente para que isso possa acontecer (a BioNTech também tem linhas de pesquisa de vacinas e tratamentos baseados em RNAm para doenças raras e infecciosas).
Dentro e fora do tumor
À parte sua pesquisa com o uso de RNAm para vacinas contra vírus, a oncologia ainda é o forte da empresa, que hoje tem dez linhas de pesquisas de vacinas e tratamentos contra o câncer, todas usando RNA mensageiro. Três delas são as mais promissoras e já estão na fase 1 dos testes clínicos:
FixVac
A FixVac trabalha com antígenos comuns a diversos tipos de cânceres. Para essa plataforma, eles usam “combinações selecionadas de RNAm não modificado e farmacologicamente otimizado, codificando antígenos específicos compartilhados por tipos de câncer conhecidos", ou seja, a pesquisa procura denominadores comuns a certos tipos de tumores para criar uma vacina que possa ser aplicada em massa.
Uma técnica manipula amostras de RNA no laboratório da BioNTech em Mainz, Alemanha.Fonte: BioNTech/Divulgação
iNeST
A segunda linha de pesquisa da BioNTech, em parceria com a Genentech, é a chamada imunoterapia específica para neoantígenos individualizados (iNeST) na qual, depois de tecidos do tumor e do sangue, o RNAm tumoral de cada paciente é sequenciado para identificar as mutações que as células sofreram – são os chamados neoepítopos (um epítopo é a menor porção do antígeno que é reconhecido por um receptor de um linfócito T).
Essas mutações são aquelas que ajudarão o sistema imunológico a distinguir as células cancerosas das células normais. O RNAm é então replicado e o resultado é uma imunoterapia especificamente produzida para cada paciente. Hoje, estão sendo testadas vacinas contra o câncer de pele (melanoma metastático) e outros tumores sólidos, como câncer de pulmão e de bexiga.
Imunoterapia intratumoral
Na terceira linha de pesquisas, a BioNTech está trabalhando juntamente com a empresa farmacêutica Sanofi em uma abordagem mais agressiva: uma imunoterapias intratumoral, ou seja, ela é administrada diretamente no tumor. A terapia, segundo a empresa, “envolve injetar o mRNA codificador de citocinas diretamente em um tumor, a fim de promover maior atividade das células T”.
Citocinas são proteínas secretadas por células do sistema imune que representam comandos celulares; elas podem ordenar que as células se dividam, cessem a multiplicação ou mesmo que se destruam. O objetivo é que o tumor seja destruído de dentro para fora, sem que o tratamento afete outras partes do corpo.
Um linfócito T.Fonte: NIAID/Divulgação
Além da BioNTech, a Moderna (que também tem uma vacina gênica contra a covid-19) está desenvolvendo sua própria vacina contra o câncer – nesse caso, em parceria com o laboratório Merck – usando a mesma técnica de sequenciar e identificar as mutações que as células sofreram.
A vacina da Moderna é chamada de mRNA-4157 e também está na fase 1 dos testes clínicos para o tratamento e prevenção da recidiva dos chamados tumores sólidos irressecáveis, ou seja, aqueles que não podem ser removidos cirurgicamente.
Mensageiro do DNA
Sigla em inglês para ácido ribonucleico, o RNA é a molécula que “cumpre” o que o DNA (onde estão nossos genes) determina. Existem três tipos de RNA: o mensageiro, o transportador e o ribossômico. Apenas o primeiro (o mensageiro) interessa aqui: é ele o usado nas vacinas gênicas.
O chamado RNAm é responsável por codificar as proteínas determinadas pelo DNA e que a célula precisa. As vacinas genéticas usam uma fita de RNAm do antígeno a ser combatido (que pode ser tanto um vírus como um tumor), que codifica uma proteína específica.
Quando a pessoa é vacinada, suas células absorvem esse RNAm e começam a produzir a proteína, que migrará para a membrana da célula, onde ela desencadeara uma resposta do corpo.