Dispositivos controlados pela mente, como braços robóticos e aqueles que auxiliam pessoas com dificuldades motoras a moverem cursores em computadores, se baseiam na inserção de fios e outros componentes no cérebro humano, mas pesquisadores de diversas instituições de ensino podem ter encontrado uma nova técnica menos invasiva com potencial de revolucionar o cenário. No estudo, publicado na revista Science, utilizaram ultrassom para preverem movimentos executados por macacos.
Há muito a abordagem ajuda na criação de imagens do interior de organismos de pacientes em diversos exames. Por meio do chamado transdutor, pings de ondas sonoras são enviados para o corpo, retornam e indicam os limites entre diferentes tecidos e fluidos.
Entretanto, somente há uma década é que cientistas foram capazes adaptá-la a imagens cerebrais. Nesse método – o ultrassom funcional –, um plano de som amplo e plano toma o lugar de um feixe estreito e mede as mudanças no fluxo sanguíneo, indicando neurônios ativos e trazendo resultados mais precisos que os apresentados pela ressonância magnética funcional (fMRI), o que dispensa o uso de grandes scanners. Portanto, a aplicação inédita divulgada nessa semana é realmente surpreendente.
Apesar de a novidade ainda exigir a remoção de um pequeno pedaço do crânio, não demanda a abertura da membrana protetora do cérebro, observa o neurocientista Richard Andersen, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos, coautor da pesquisa. Ou seja, lê regiões profundas sem penetrar no tecido.
Ultrassom funcional pode prever intenções de movimentos.Fonte: Reprodução
Preparando terreno
Por fornecer um sinal menos direto que os equivalentes invasivos, os desenvolvedores da funcionalidade gerada por ultrassom funcional tiveram de contornar obstáculos relacionados à velocidade e à precisão de leitura das atividades cerebrais, explica Andersen, e era preciso investigar quantas imagens as ondas poderiam oferecer.
Afinal, mesmo que revelassem certos aspectos, seriam utilizadas por máquinas, responsáveis pela codificação e tradução do movimento pretendido. Quanto mais dados melhor.
Sendo assim, em cérebros de macacos treinados para manterem seus olhos em um pequeno ponto no centro de uma tela enquanto um segundo piscava brevemente à esquerda ou à direita, os cientistas inseriram pequenos transdutores de ultrassom, aproximadamente do tamanho e da forma de uma peça de dominó, que, conectados por um fio a um computador, direcionaram ondas sonoras para uma região do cérebro chamada córtex parietal posterior, envolvida nos processos avaliados.
Por sua vez, a equipe se valeu de um algoritmo capaz de traduzir as intenções dos animais, determinando quando estavam se preparando para se mover e se planejavam um movimento dos olhos ou do braço, pois as cobaias redirecionavam a atenção para um segundo ponto quando o primeiro desaparecia.
O resultado? 78% de precisão para movimentos oculares e 89% de precisão para movimentos do braço – e houve coletas de dados suficientes para cada intenção em cada sessão, sem repetições constantes.
Computador decodifica informações geradas por ondas sonoras.Fonte: Reprodução
Uma nova opção
Devido à eficiência da técnica, comemora Maureen Hagan, neurocientista da Universidade Monash, Austrália, indivíduos que aproveitassem seus benefícios não precisariam de muitas tentativas para efetivarem uma ação desejada.
Ainda assim, pondera Krishna Shenoy, neurocientista da Universidade Stanford (EUA), há um longo caminho a percorrer, já que aparelho algum foi, de fato, testado neste primeiro momento, apenas a capacidade do algoritmo. Dentre as dificuldades da evolução da tecnologia, destaca a limitação de intenções mais complexas, que vão além de duas direções horizontais.
De todo modo, Emilie Macé, neurocientista do Max Planck Institute of Neurobiology, Alemanha, espera muitas melhorias futuras e detalha que a baixa velocidade de resposta (cerca de dois segundos entre a coleta de dados e a decodificação) é inerente ao ultrassom funcional, dado que os sinais de fluxos sanguíneos são mais lentos do que os elétricos.
Por fim, Emilie explica que guiar um braço robótico ainda é uma possibilidade, desde que um computador direcione rapidamente os movimentos a partir da sugestão do usuário.
Krishna Shenoy reconhece que, mesmo com os poréns, muitos prefeririam ultrassom funcional em vez de outras cirurgias. "Pacientes querem opções", defende. "A tecnologia ainda não atingiu todo o seu potencial", finaliza Macé.
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