Jamais um corpo espacial despertou tanta curiosidade e teorias sobre sua origem como o Oumuamua (Batedor de um Passado Distante, em havaiano), nosso primeiro visitante interestelar. Desde que foi descoberto, esse estranho objeto nascido fora de nosso sistema solar (a única certeza que os astrônomos têm) já recebeu inúmeras explicações para sua composição. De sonda alienígena a charuto de poeira, de restos de um planeta a hidrogênio molecular, a novela agora ganha um novo capítulo: ele seria feito de gelo de nitrogênio.
Alan Jackson & I show in #lpsc2021 abstract 1718 that #oumuamua is perfectly consistent in every way (shape, acceleration, lack of H2O, CO, dust) w/ a 40m chunk of N2 ice, albedo 0.6. It’s a fragment of an exoPluto & a cool exoplanet sample. Aliens? Please. Use some imagination!
— Steve Desch (@Deschscoveries) February 5, 2021
Desde o início, o Oumuamua intrigou a comunidade astronômica: não é um cometa nem um asteroide — a forma incomum (10 vezes mais comprido que largo) e a velocidade impressionante (315 mil km/h) fizeram dele um enigma.
As hipóteses sobre o que ele é foram, uma a uma, deixadas de lado. A próxima a ser apresentada pelos astrofísicos Alan Jackson e Steve Desch durante a edição 2021 da Conferência de Ciência Lunar e Planetária, em março, diz que o Batedor do Passado não seria rico em tecnologia extraterrestre, pedaços de planeta ou poeira, e sim em nitrogênio molecular (N2).
Sublimação lenta
No ano passado, os astrofísicos Darryl Seligman e Gregory Laughlin sugeriram que "as propriedades do Oumuamua podem ser explicadas se ele contiver uma fração significativa de gelo de hidrogênio molecular (H2)". O problema é que, se isso fosse verdade, o misterioso corpo espacial teria evaporado completamente em sua jornada antes mesmo de entrar em nosso sistema solar.
A ideia dos pesquisadores da Universidade Yale fez cócegas na mente de dois astrônomos da Universidade Estadual do Arizona: a sublimação do hidrogênio (que provocaria a aceleração não gravitacional do Oumuamua pelo sistema solar) não seria lenta o suficiente para explicar a existência do estranho charuto extraterrestre, mas a do gelo de nitrogênio sim, pois ele é abundante nos grandes corpos no sistema solar externo, como Plutão e a lua de Netuno Tritão, ambos originados no Cinturão de Kuiper.
Sendo uma área que se estende da órbita de Netuno até 50 unidades astronômicas (UA, que equivale à distância entre a Terra e o Sol), o Cinturão de Kuiper reúne milhares de corpos celestes, de pequenas rochas a gigantes como Plutão, Caronte e Éris. Em comum, eles têm a grossa capa de gelo de nitrogênio que os recobre.
Quando Netuno, o planeta mais externo do sistema solar, aproxima-se desse cinturão de objetos, sua força gravitacional os espalha, fazendo que alguns sejam lançados na direção do Sol ou para fora do sistema solar; muitos acabam se chocando entre si, fazendo surgirem objetos menores.
Esse movimento gravitacional acaba produzindo 1 quatrilhão de fragmentos de gelo. A maior parte desses objetos (em média com até 10 metros) é basicamente formada de gelo de nitrogênio, diferentemente de asteroides e cometas, cuja massa tem mais gelo de água.
Incomum, não excepcional
Segundo Jackson e Desch, um fragmento resultante das colisões sobreviveria tempo suficiente vagando pelo meio interestelar — pelo menos 500 milhões de anos, mesmo sofrendo a inevitável erosão. Os dois cientistas calculam que 0,1% de todos os objetos da Nuvem de Oort (uma região a 1 ano-luz do Sol, além do alcance de qualquer telescópio) seria composto de gelo de nitrogênio.
"Se outros sistemas estelares ejetam material como no nosso, esperamos que cerca de 4% dos corpos no espaço interestelar sejam fragmentos de gelo de nitrogênio, tornando Oumuamua um corpo ligeiramente incomum, mas não excepcional", diz o estudo.
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