Quando ficou claro que nada deteria o avanço da covid-19, houve um esforço planetário para mitigar os efeitos da pandemia e criar vacinas em tempo recorde. Agora que elas estão a caminho, os países ricos estão enchendo os carrinhos, e não se sabe quando chegará a vez das nações mais pobres.
"Países de alta renda chegaram na frente e esvaziaram as prateleiras", disse ao jornal The New York Times a pesquisadora Andrea Taylor, da Universidade Duke, coordenadora de uma pesquisa com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a empresa de análise científica Airfinity sobre os acordos firmados entre farmacêuticas e governos.
No melhor cenário, países em desenvolvimento conseguirão vacinar 20% de suas populações até o fim de 2021 — alguns especialistas estendem o prazo para 2024. Enquanto isso, o mundo desenvolvido reservou doses suficientes para imunizar seus habitantes mais vezes do que o necessário.
A União Europeia contratou doses suficientes para imunizar todos os habitantes do bloco duas vezes; Grã-Bretanha e Estados Unidos, quatro vezes; e Canadá, seis vezes. Os países ainda têm opção de comprar mais doses, passando à frente dos governos que ainda não fecharam um acordo.
Números
Em abril deste ano foi criada a Colaboração Global para Acelerar Desenvolvimento, Produção e Acesso Equitativo a Novos Diagnósticos, Terapêuticas e Vacinas para Covid-19 (ACT Accelerator), uma iniciativa liderada pelos países mais ricos do planeta e integrantes do G-20. Sua função é facilitar o compartilhamento de recursos e de conhecimento não apenas em diagnóstico e tratamentos mas também na criação de vacinas. Para esse último trabalho foi montada a COVAX Facility, com a incumbência de garantir até 2 bilhões de doses até o fim de 2021 para países de baixa a média renda (incluindo o Brasil).
"É matemática simples. De 12 bilhões de doses que a indústria farmacêutica deve produzir no próximo ano, 9 bilhões irão para países ricos. A COVAX não garantiu doses suficientes e provavelmente só conseguirá vacinas bem mais tarde", disse o chefe de saúde global do Fórum Econômico Mundial, o economista Arnaud Bernaert.
US$ 4,9 bilhões
A realidade é que a organização só garantiu uma pequena parte das doses pretendidas e, mesmo que encontre mais, não tem dinheiro para comprá-las. Até o momento, o único acordo foi firmado com as farmacêuticas AstraZeneca e a Novovax (que receberam investimentos na pesquisa pela vacina) para até 200 milhões de doses.
Segundo o que o CEO do Instituto Serum da Índia, Adar Poonawalla, disse à Associated Press, "há um pedido confirmado de 100 milhões de doses, mas nada além disso por escrito. Se quiserem mais, vão ter de pedir".
Quando a pandemia atingiu Burkina Faso, em abril, o sistema de saúde tinha 11 respiradores para 19 milhões de pessoas.Fonte: IOM/Divulgação
A infectologista Katherine O'Brien, chefe de vacinas da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse no início deste mês que faltam US$ 4,9 bilhões para que se concretize a compra de vacinas suficientes para 2021. "Todo o apelo à solidariedade global se perdeu", afirmou ela em reunião interna a cuja gravação a AP teve acesso.
Esgotar os estoques de vacinas fará que populações não imunizadas em nações pobres se transformem em reservatórios de coronavírus à espera de novos surtos. "A diferença entre países ricos com populações vacinadas e a falta de qualquer vacina para o mundo em desenvolvimento se tornará gritante. E isso apenas prolongará a pandemia", disse a gerente de políticas de saúde da Oxfam, Anna Marriott.
Fontes