Não é fácil falar de amor. Esse sentimento serve de assunto para muitos filósofos, artistas e poetas, que tentam expressar de alguma maneira suas ideias sobre ele. Luís Vaz de Camões, por exemplo, definiu as sensações contraditórias das pessoas enamoradas como “ferida que dói e não se sente” e “contentamento descontente”.
Mas não são apenas artistas que encontram dificuldade ao falar de amor. Para a ciência, esse sentimento também parece longe de ser totalmente compreendido. Ao se apaixonar, o cérebro de uma pessoa passa a responder como se estivesse sob o efeito de uma droga, ficando feliz, mas também ansioso.
Além disso, o indíviduo pode ter até mesmo dificuldade para discernir seus julgamentos sobre alguém, já que acaba tendo parte de seu senso crítico bloqueado pelo sentimento. Não é à toa que vemos, por aí, adesivos e para-choques de caminhão com a frase “o amor é cego”.
Mas cientistas do mundo todo têm dado mais atenção aos estudos do amor, principalmente quando o assunto é a oxitocina, um dos hormônios responsáveis pela paixão. A parte curiosa dessas pesquisas, de acordo com a revista New Scientist, é que a substância não tem sido mais vista de maneira tão positiva.
Oxitocina, hormônio “do bem”
Para quem ainda não sabe, a oxitocina é um hormônio presente em mamíferos e que atua, principalmente, controlando as funções de neurotransmissores. Mas, no geral, esse hormônio também está relacionado a muitas outras funções e comportamentos do ser humano, como orgasmos, reconhecimento social, ansiedade, instintos maternais e até mesmo na união de pares românticos.
Não é por acaso que a oxitocina possui o apelido de “hormônio do amor” ou “aconchego químico”. A popularidade da substância é tão grande que ela pode ser encontrada à venda na internet, para ser usada como se fosse um perfume. Com a presença do hormônio “no ar”, as pessoas ficam mais alegres e sociáveis.
Por volta de 2005, o doutor em psicologia Markus Heinrich, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, analisou o efeito da oxitocina e de placebos na interação social de voluntários. O resultado mostrou que, após cheirar o hormônio, as pessoas doavam mais dinheiro para caridade, podiam ler emoções com mais facilidade ao analisar as feições de alguém, se comunicavam de maneira mais construtiva durante discussões e passaram a considerar outras pessoas como mais confiáveis, atraentes e acessíveis.
O lado negro do amor
Mas nem tudo é um mar de rosas. Alguns anos depois das pesquisas pioneiras do Dr. Heinrich, a oxitocina passou a ganhar um lado negativo, que está sendo descoberto recentemente. Um estudo na Universidade de Haifa, em Israel, mostrou que esse hormônio pode intensificar sentimentos negativos, como a inveja e o gosto pelo sofrimento ou infelicidade alheia.
Ao participar de jogos de apostas, por exemplo, os participantes que inalaram a oxitocina ficavam mais alegres quando derrotavam seus oponentes. Além disso, também se demonstravam mais invejosos ao perceberem uma virada no jogo.
Transformando pessoas
Outra descoberta acerca da oxitocina é o fato de que ela atua de acordo com a disposição ou personalidade de alguém. Um estudo realizado na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York, atestou que o hormônio pode fazer com que uma pessoa passe a interpretar melhor as emoções de outrem, mas apenas no caso de ambas não serem muito “sociáveis”. A mesma pesquisa também demonstrou que a oxitocina pode reduzir os níveis de confiança e cooperação em pessoas ansiosas ou sensíveis demais à rejeição.
Até mesmo a memória pode ser alterada pelo “hormônio do amor”. Pessoas com mais segurança nas relações pessoais acabam tendo uma lembrança mais carinhosa da própria mãe, enquanto as que sofrem de ansiedade social tem a imagem da progenitora transformada pela oxitocina: para elas, a mãe acaba parecendo mais relapsa e distante.
Bondade seletiva: o efeito “mamãe-ursa”
Outra descoberta relevante sobre a influência da oxitocina no comportamento social humano é o fato de que ela muda de acordo com o círculo social com o qual a pessoa está se relacionando. Estudos indicam que a pessoa “oxitocinizada” se torna mais cooperativa apenas com quem ela já conhece. Além disso, uma pesquisa da Universidade de Amsterdam, na Holanda, também comprovou que as pessoas que cheiraram oxitocina se tornaram mais benevolentes em relação aos seus compatriotas, mas não com pessoas de outras nacionalidades.
Em entrevista para a revista New Scientist, o Dr. Carsten de Dreu disse que chama esse comportamento de “efeito mamãe-urso”, ou seja, sob a influência desse hormônio, o as pessoas tendem a se importar com quem pertence aos seus círculos sociais e a proteger seus semelhantes de ameaças externas. Grosso modo, podemos dizer que em vez de promover a benevolência, a oxitocina fortalece alguns vieses, o que popularmente chamamos de “puxar a brasa à sua sardinha”.
“A oxitocina pode fazer com que as pessoas se tornem mais simpáticas ou protetoras, mas também pode transformá-las em pessoas mais competitivas ou vigilantes. Tudo depende de quem são essas pessoas e com quem elas estão se relacionando”, complementa o Dr. de Dreu.
Diante de todas essas descobertas, parece que Camões estava mesmo certo quanto às contradições levantadas pelo amor. O poeta só não sabia que isso acontecia, também, em nível biológico.
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