Shakespeare diria “muito barulho por nada”: essa parece ter sido a impressão geral da comunidade científica sobre a demonstração do implante cerebral da Neuralink, que, em um futuro incerto e segundo seu CEO, Elon Musk, fará a ligação entre cérebro e computadores. Pelos comentários deixados no YouTube depois do streaming, quem assistiu se maravilhou e quem trabalha com neurociência, nem tanto.
Musk havia prometido uma “disparada de neurônios” em tempo real,mas o que se viu foi três porquinhos fofos em um cercadinho, e apenas um deles tinha o implante. Os neurônios não foram vistos, mas ouvidos. Segundo Musk, os ringtones que soaram no palco eram as células cerebrais de Gertrudes percorrendo seu cérebro em tempo real (laboratórios mundo afora são capazes de fazer isso há décadas).
A única exceção da noite foi a apresentação do que Musk chamou de "o link": um disco do tamanho de uma moeda com chips de computador, que transmite via Bluetooth os sinais gravados dos eletrodos.
Essa foi a única coisa que despertou interesse nos neurocientistas.Fonte: Neuralink/Divulgação
Futuro ainda incerto
O maior incômodo é quanto à postura de Musk ao simplificar o processo (implantes neurais matam as células cerebrais à sua volta) e prometer um futuro que está décadas à frente. Segundo ele, com o desenvolvimento das interfaces cérebro-computador, chips poderão ser instalados em um consultório médico, através de cirurgias de menos de uma hora.
Quatro anos depois de fundada, a Neuralink não apresentou evidências de que seu chip poderá tratar problemas como depressão, insônia, autismo e tetra ou paraplegia. Em termos práticos, ainda não há um fio que sobreviva por longo tempo dentro do tecido cerebral sem sofrer corrosão.
A declaração mais citada depois da apresentação foi a do neurocientista Andrew Jackson, da Universidade de Newcastle: “Isso é engenharia sólida, mas neurociência medíocre. Por fim, acho lamentável que eles estejam apresentando seu trabalho dessa forma, em vez de publicar artigos revisados por pares, mas acredito que tenhamos que nos acostumar com interfaces neurais migrando da academia para o comércio”.