No passado, a ausência de batimentos cardíacos permitia aos médicos declarar a morte de alguém – hoje, isso se dá através da perda irreversível de todas as funções circulatórias (morte circulatória) ou de todas as funções cerebrais (morte cerebral). Cientistas da Universidade de Yale, porém, derrubaram um tijolo do que parecia um conceito solidamente construído ao restaurar a circulação e a atividade celular do cérebro de um porco, quatro horas após sua morte.
"A principal implicação dessa descoberta é que a morte celular no cérebro ocorre em uma janela de tempo maior do que pensávamos. Em vez de acontecer ao longo de minutos após a morte, mostramos que ela é um processo gradual e, em alguns casos, pode ser adiado ou mesmo, revertido”, disse o neurocientista Nenad Sestan, um dos autores do estudo publicado agora na revista Nature.
O sistema BrainEx, em Yale - dentro da câmara ao centro está um cérebro de porco.Fonte: The New York Times/Thomas Prior/Reprodução
A experiência (iniciada em 2012, conforme reportado pelo jornal The New York Times) usou o sistema BrainEx, uma rede computadorizada de bombas, aquecedores e filtros que controlam o fluxo e a temperatura de um perfusato (líquido que atravessa os tecidos lenta e continuamente) especialmente criado. Os cérebros de 32 porcos foram irrigados com a solução horas depois de os animais terem sido mortos em um abatedouro comercial.
Funções celulares reativadas
Após quatro horas, os pesquisadores descobriram que o BrainEx não apenas tinha restaurado como mantido algumas células vivas no cérebro – muitas das funções celulares básicas foram observadas, contrariando o preceito de que o fim do fluxo de sangue e, consequentemente, de oxigênio levaria à morte do cérebro em minutos.
Neurônios (verde), astrócitos (vermelho) e núcleos celulares (azul) no cérebro de um porco se desintegram dez horas depois da morte (à esquerda) ou conseguem sobrevida após a perfusão via BrainEx (à direita).Fonte: Yale University/Stefano G. Daniele & Zvonimir Vrselja/Divulgação
Em nenhum momento foi detectada atividade neural. “Definido clinicamente, não era um cérebro vivo e sim, um cérebro ativo celular”, explicou o também neurocientista Zvonimir Vrselja, coautor do estudo.
Ética entre a vida e a morte
Ainda não é possível saber se o procedimento poderá ser aplicado em pessoas, já que o perfusato elaborado não tem muitos dos componentes do sangue humano. Há também que se considerar outro elemento que acompanha as pesquisas que envolvem os limites entre vida e morte: a ética.
“A restauração da consciência nunca foi um objetivo dos pesquisadores, que estavam preparados para intervir com o uso de anestésicos e redução de temperatura para interromper a atividade elétrica organizada se ela surgisse", explicou o diretor do Centro Interdisciplinar de Bioética de Yale e também autor do estudo, o especialista em direito e ética médica Stephen Latham.
Segundo ele, "todos concordaram antecipadamente que experimentos envolvendo atividade cerebral revivida não poderiam prosseguir sem padrões éticos claros e mecanismos de supervisão institucional."