A ciência sabe, com alguma certeza, quando o homem se pôs de pé; quando começou a plantar, a caçar, a cozinhar e a enterrar seus mortos. Mas ainda não faz ideia de quando ele começou a falar – essa característica única que nos separa do restante do mundo vivo. A pista que surgiu agora, graças ao trabalho de uma equipe internacional de cientistas, é que a linguagem já estava abrindo caminho no cérebro do nosso ancestral há pelo menos 25 milhões de anos.
Tecidos cerebrais não fossilizam; por isso, a conclusão do estudo está sendo comparada, nas palavras do cientista neurocognitivo e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Newcastle (UK) Chris Petkov, a como “encontrar um novo fóssil de um ancestral perdido há muito tempo; é empolgante que exista uma origem [da linguagem] mais antiga ainda por descobrir”.
Os ancestrais humanos Proconsul (centro) e Dendropithecus (acima) devem ter sido os primeiros a adquirir linguagem como a conhecemos.Fonte: SciNews/Jason Brougham
A versão mais aceita do surgimento da linguagem humana datava o acontecimento há 5 milhões de anos, em um ancestral comum de macacos e humanos. Embora a linguagem seja exclusividade humana, há semelhanças em como a fala é processada no cérebro de outros primatas, sugerindo uma base evolutiva na cognição auditiva e na comunicação vocal.
O resultado da pesquisa, publicado pela revista Nature Neuroscience, se baseou na comparação de exames cerebrais de primatas e de humanos, bem como na análise dos mecanismos da audição e do som via ondas cerebrais. Isso levou à descoberta de um caminho no cérebro humano por onde a linguagem passa e que interconecta o córtex auditivo com as regiões do lobo frontal (onde são processadas a fala e a linguagem).
Para Timothy Griffiths, neurologista da Universidade de Newcastle e um dos autores do estudo, “essa descoberta pode esclarecer aspectos ainda obscuros sobre a cognição auditiva e a linguagem humanas”.
Linguagem única na natureza
Saber quando o homem adquiriu a linguagem é fonte de estudo de muitas vertentes. Uma das mais conhecidas e revolucionárias afirma que os animais ensinaram o ancestral do homem a falar.
Segundo Shigeru Miyagawa, linguista do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em Cambridge, uma das razões de a linguagem humana ser tão única é que ela tem, na verdade, duas camadas de compreensão.
Em uma, estão as palavras que usamos (chamada por Miyagawa de estrutura lexical). "Manga”, “Amanda” e “comer” são componentes dessa estrutura. As regras que nos dizem como essas palavras devem ser reunidas para serem compreendidas compõem a segunda camada – a chamada estrutura de expressão, que surge quando as palavras são combinadas, dando às sentenças significados diferentes: "Amanda come a manga", "Coma a manga, Amanda" ou "Amanda comeu a manga?".
Léxico e expressão, únicos do homem
Miyagawa descobriu que as duas estruturas existem separadamente na natureza, macacos-vervet emitem diferentes gritos de alarme, cada um para um determinado predador, mas sempre no mesmo contexto; ou seja, usam estrutura lexical mas não expressiva.
Um macaco-vervet dá o alerta de predador do alto de uma árvore na Reserva Natural de Samburu, no Quênia.Fonte: Wikipedia Commons/Whit Welles
Rouxinóis se comunicam usando apenas uma estrutura expressiva, manipulando os padrões de 200 melodias diferentes. A estrutura de uma música pode variar, mas significa sempre a mesma coisa. Segundo o linguista, a linguagem humana deve ter evoluído pela combinação dos dois sistemas, formando uma estrutura única.
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