Existe vida em Marte? Bem, para buscar essa resposta, cientistas estão planejando missões espaciais ainda mais ousadas – e o Perseverance, por exemplo, já está de malas prontas para investigar o planeta e trazer algumas "lembrancinhas" de lá. Em um futuro próximo, lá por 2030, é esperado que a agência, finalmente, consiga trazer pedaços marcianos. Entretanto, uma dúvida fica no ar: essas amostras poderiam representar um perigo para a Terra?
A princípio, os riscos são muito baixos. Ainda assim, não foram totalmente descartados. Para acalmar os ânimos, um guia chamado Proteção Planetária determina regras para proteger tanto outros corpos celestes de contaminação terrena quanto nosso planeta de contaminação de outras formas de vida desconhecidas. No caso, amostras de Marte seriam trazidas em uma viagem considerada restrita, segundo Cassie Conley, ex-oficial do programa.
(Fonte: NASA)Fonte: NASA
Essas medidas foram estipuladas justamente para prevenir consequências desastrosas ao nosso ambiente. Afinal, o novo coronavírus está aí para nos mostrar que não estamos preparados nem mesmo para os organismos que surgiram recentemente aqui.
“Não entendemos muito bem a biologia da Terra e certamente não sabemos muito mais sobre Marte. Então, é prematuro considerar que não existam biomas marcianos”, de acordo com Conley. “A pandemia pela qual estamos passando demonstra, tragicamente, como o excesso de confiança em um curto período de tempo pode causar verdadeiras catástrofes”, ele complementa.
Os perigos da adaptação e as vantagens numéricas
Andy Spry, cientista sênior do Instituto SETI e consultor da NASA, ressalta que o interesse público quanto a essas questões de segurança tende a aumentar depois da covid-19, a exemplo das medidas tomadas após casos passados que possibilitaram uma resposta à atual pandemia. Logo, presume-se que essas ações se tornem ainda mais eficazes, permitindo uma coexistência de formas de vida e adaptações que não causem desastres completos.
Por exemplo, mesmo que tais amostras contenham “hospedeiros”, caso ocorra uma contaminação, o objetivo principal é que eles não se sobreponham à vida terrena. Entretanto, isso só é possível de saber por meio de tentativa e erro – e, quanto mais controle, melhor.
NASAFonte: NASA
“Podemos pensar na patogenicidade [capacidade de um organismo de causar doenças] como fechaduras e chaves que não se desenvolvem sem contato repetido. Portanto, é extremamente improvável que uma entidade biológica em evolução e adaptação em Marte possa tirar proveito das formas de vida da Terra”, considera o cientista, se referindo ao fato de que, a partir de uma amostra pequena, a tentativa de o marciano sobreviver vai resultar em um erro quase certo. Afinal, se o patógeno morre sem encontrar um hospedeiro no qual se desenvolva e se reproduza, sua história já acaba ali.
Por outro lado, isso não quer dizer que a agência facilitará as coisas.
O preço da segurança
As principais nações que empreendem missões espaciais compartilham uma perspectiva comum de contenção desses materiais, mas Andy reforça que, de acordo com a política internacional do Comitê de Pesquisa Espacial, nenhum hardware sem amostras de que tenha contatado solo marciano será devolvido à Terra. Sim, a Curiosity fez uma viagem só de ida para mandar fotos para os seres humanos. Ainda assim, muita coisa precisa ser definida. “Os detalhes da missão do Perseverance estão sendo alinhados. Estamos a mais ou menos 15 anos de o retorno realmente acontecer, o que é tempo suficiente para deixar tudo acertado”.
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“Temos tecnologia para cuidar disso, mas devemos ter uma ideia mais clara do que podemos encontrar”, pondera Dirk Schulze-Makuch, astrobiólogo da Universidade do Estado de Washington. Afinal, além de vida propriamente dita, a sonda vai pesquisar evidências de organismos passados.
“Então, presumo que as diretrizes justificariam uma recuperação de alto nível de biossegurança, o que significa um investimento muito alto. Como as amostras só podem ser trazidas após a instalação completa dessa estrutura, o cronograma pode ser atrasado. Precisamos de amostras "frescas", que não fiquem armazenadas por tempo indefinido esperando pelo retorno”.
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Não serão as primeiras nem as últimas
Ainda de acordo com Dirk, a Terra já tem muita coisa marciana vinda de meteoritos. Esses corpos podem até já ter trazido micróbios de lá, caso existam.“Estudos mostraram que o interior da amostra ALH84001 [uma rocha de Marte encontrada] nunca foi aquecida acima de 40 graus Celsius. Caso houvesse algum microrganismo, ele provavelmente sobreviveria à jornada”, afirma o astrobiólogo.
“De qualquer maneira, a questão é que já há um mecanismo natural em ação que possibilita a chegada de vida marciana à Terra. Se isso não teve papel negativo no desenvolvimento da vida terrestre no passado, é improvável que tenha no futuro”, presume o pesquisador. “Ainda assim, temos que admitir: o risco não é zero”, ele finaliza.
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