Estamos em pleno Carnaval mas as disputas não param! E para entrar no clima da folia, vamos trazer o primeiro embate que envolve um brasileiro, um gênio e pioneiro dos balões e da aviação que impressionou a sociedade francesa do começo do século XX com sua invenção. E a briga não vai ser fácil porque do outro lado são dois combatentes – dois irmãos norte-americanos que se inspiraram nas bicicletas para ganharem os ares.
Essa talvez seja uma das disputas mais acirradas em termos de quem de fato inventou alguma coisa. E quando envolve um brasileiro, a paixão fica sempre à flor da pele. É a mesma coisa que perguntar: quem foi melhor na Fórmula 1, Ayrton Senna ou Schumacher? Quem foi melhor no futebol, Pelé ou Maradona? Pois então, a mesma lógica funciona aqui, mas será que dessa vez o brasileiro realmente vai estar certo?
Veja aqui as outras lutas:
- Gênio vs Gênio #1: a rivalidade elétrica entre Thomas Edison e Nikola Tesla
- Gênio vs Gênio #2: o combate atômico entre Oppenheimer e Edward Teller
- Gênio vs Gênio #3: tem boi na linha nessa briga entre Graham Bell e Meucci
Que começem os jogos! (ou "iiiiiit's tiiiiiime!!!")
No corner esquerdo, Alberto Santos Dumont, mineiro de Palmira (cidade que hoje ganhou o nome de seu mais ilustre filho), nascido em 1873 em uma rica família de produtores de café. Com 18 anos, foi para Paris com sua família onde acabou estudando física, química, mecânica, eletricidade e aeronáutica e dedicou-se à sua especialidade e o motivo pelo qual se tornou inicialmente famoso: os balões de ar quente e os dirigíveis.
No corner direito, Orville e Wilbur Wright, também conhecidos como Irmãos Wright, cresceram no interior dos Estados Unidos e criaram gosto pela aeronáutica ainda crianças, quando ganharam uma miniatura de helicóptero feito de madeira de seus pais. O brinquedo tinha um elástico para girar seu rotor e quando se quebrou, os garotos construíram um novo sozinhos. Fica claro que essa experiência influenciou ambos a inventar veículos voadores em tamanho real.
Alberto Santos-Dumont (à esquerda) e Orville e Wilbur Wright (à direita)
Round 1: bicicletas voadoras!
Os irmãos Wright sempre foram pau para toda obra: iniciaram a carreira profissional criando impressoras e produzindo um jornal, depois dedicaram-se apenas à impressão comercial. Os visionários aproveitaram-se da recente febre da bicicleta para abrir uma loja de venda e reparo do veículo e, logo em seguido, passaram a eles mesmos fabricá-los. Foi daí que veio o dinheiro que custeou as criações aeronáuticas da dupla.
Finalmente, no dia 17 de dezembro de 1903, no estado da Carolina do Norte, os irmãos Wright conseguiram colocar no ar um veículo pesado
Orville e Wilbur entraram de cabeça na ideia de criar um veículo mais pesado que o ar, mas que fosse capaz de voar por meio de propulsão própria e que pudesse conduzir um piloto. Os protótipos foram diversos e dos mais numerosos tipos, explorando ao máximo o que a ciência já conhecia sobre voar. Vários aviões planadores foram feitos, mas nenhum deles supriu de fato o verdadeiro objetivo dos irmãos.
Finalmente, no dia 17 de dezembro de 1903, no estado da Carolina do Norte, os irmãos Wright conseguiram colocar no ar um veículo pesado, um avião, que tomou impulso por meio de um pequeno trilho que descia uma colina. O Flyer, pesando 300 quilos, percorreu uma distância de 260 metros usando um motor de 12 cavalos. Não havia testemunhas no local, mas os irmãos informaram o feito imediatamente via telegrama.
Teste do Flyer dos irmãos Wright
Round 2: o brasileiro voador
Santos-Dumont colocou para voar o seu famoso 14-Bis, com seus 290 quilos, no dia 23 de outubro de 1906, três anos depois de seus concorrentes norte-americanos. Com um motor de 50 cavalos, a aeronave percorreu 60 metros no Campo de Bagatelle, em Paris, a uma altura de cerca de cinco metros. O voo foi observado oficialmente pelo Aéro-Club francês e o inventor foi premiado por seu feito, além de passar a ser considerado o primeiro a realizar tal proeza.
Na Europa, Santos-Dumont era considerado o inventor do avião após ter cumprido os critérios estipulados pela FAI
No dia 12 de novembro do mesmo ano, Santos-Dumont fez o 14-Bis sair do chão novamente, dessa vez percorrendo 220 metros. Os controles precários da nave a faziam rolar para as laterais e acabava encerrando o voo precocemente, mas ainda assim os voos foram considerados válidos e reconhecidos pela recém-fundada Federação Aeronáutica Internacional (FAI).
Esse foi realmente o primeiro voo feito em público e com registros oficiais da história. Na Europa, Santos-Dumont era considerado o inventor do avião após ter cumprido os critérios estipulados pela FAI, que eram os seguintes:
- O voo deve ser feito diante de uma organização oficial qualificada para ratificá-lo
- O voo deve ser feito em clima calmo e sobre solo plano, e devidamente documentado
- A máquina deve poder decolar de uma área designada por seus próprios meios com um homem a bordo
- A máquina deve levar a bordo a fonte de energia necessária
- A máquina deve voar em linha reta
- A máquina deve fazer uma mudança de direção (virar e circular)
- A máquina deve retornar ao ponto de partida
Mas, afinal, se os Irmãos Wright voaram com o Flyer três anos antes do 14-Bis de Santos-Dumont, qual o motivo de tanta dúvida sobre quem inventou o avião?
O primeiro voo do 14-Bis
Round 3: discordância secular
O grande problema são detalhes apontados por defensores dos dois lados da disputa. No caso dos Irmãos Wright, uma série de acusações tenta descreditar a invenção deles, ou pelo menos, o método usado para colocar a aeronave nos ares. Muitos dizem que o voo deles foi inválido por não ter saído da posição plana, e sim usado um trilho descendo uma colina para pegar embalo. Outros ainda acusam os inventores de usarem catapultas para arremessar o avião.
Os Wright só conseguiram a admiração e o reconhecimento da comunidade aeronáutica internacional ao realizar um voo em 1908, na França, quando voaram nada menos que 124 quilômetros
Essa história da catapulta é apenas metade verdade: os irmãos Wright realmente usaram uma catapulta em algumas de suas decolagens, mas apenas após 1903 e depois dessa histórica decolagem. Outro problema dos irmãos foi a ausência de testemunhas ou de algum órgão oficial que pudesse registrar o feito.
Os Wright só conseguiram a admiração e o reconhecimento da comunidade aeronáutica internacional ao realizar um voo em 1908, na França, quando voaram nada menos que 124 quilômetros. O físico Henrique Lins de Barros, especialista na história de Santos-Dumont, conta: “Até Santos-Dumont reconheceu que não seria possível em 1908 que os Wright não tivessem uma experiência grande de voo anteriormente, porque, quando os europeus estão voando 10 quilômetros e ficando 15 minutos no ar, o avião dos Wright fica mais de duas horas no ar. Então eles já faziam isso antes, como estavam falando”.
Wilbur Wright leva sua irmã Katherine em um voo sobre Le Mans, na Franca
Resultado final
Se por um lado, Santos-Dumont não apenas realizou o primeiro voo oficialmente registrado com uma aeronave mais pesada que o ar, mas também ajudou a dar início à indústria da aeronáutica, fabricando e vendendo em massa os primeiros aviões – incluindo outra de suas invenções, o Demoiselle, os irmãos Wright provavelmente foram os pioneiros, os verdadeiramente primeiros a fazer um avião pesado e cheio de geringonças voar.
No fim das contas, é muito difícil responder quem é o inventor de algo importante como o avião. "É muito complicado, num desenvolvimento tecnológico, dizer quem foi o pai da criança. Quem inventou o navio? Qualquer um. Um produto tecnológico são várias descobertas que vão culminar num determinado momento", diz o físico Henrique Lins de Barros. Isso serve também para o avião.
Agora é a sua vez: quem você acha que ganha esse combate: Alberto Santos-Dumont, o brasileiro que deixou Paris de boca aberta ao voar com o 14-Bis, ou os irmãos Orville Wilbut Wright, engenheiros de bicicleta, que três anos antes fizeram seu Flyer de 300 quilos voar ainda mais longe que seu concorrente? Deixe sua opinião aí nos comentários!