Karen Sandler tinha conhecimentos universitários a respeito de softwares livres e abertos e atuava como advogada corporativa nesse setor, mas não sentia uma conexão pessoal com o assunto. Tudo mudou quando ela foi diagnosticada com uma condição cardíaca e seu médico disse que ela teria que instalar um marca-passos desfibrilador junto ao seu coração. Quando o cardiologista não soube informar qual era o software usado no aparelho, ela se deu conta da seriedade da situação.
Quando a empresa que fabricou o aparelho se recusou a permitir que ela analisasse os códigos do produto mesmo que ela assinasse um acordo de não divulgação, Sandler teve que confiar cegamente no software proprietário da companhia. Isso não a impediu, no entanto, de realizar uma pesquisa científica a respeito da segurança de softwares de dispositivos médicos que a deu notoriedade internacional. Hoje, ela é conhecida como a “advogada ciborgue” e atua como defensora dos benefícios da utilização de softwares de código livre e aberto.
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Karen Sandler, a "advogada ciborgue", falou com o TecMundo durante a Campus Party 2017
De olho nos pontos fracos
Falando com o TecMundo durante a Campus Party 2017, ela ressaltou que mesmo que a maioria das pessoas não tenha a mesma relação íntima que ela tem com a tecnologia, já que somente uma minoria tem algum tipo de dispositivo eletrônico vital implantando no corpo, nossa sociedade como um todo depende de softwares para executar diversas operações críticas. E, com a Internet das Coisas, isso se torna algo ainda mais presente e importante.
Somos tão fortes quanto nosso ponto mais fraco
Exemplificando, Sandler comenta que, quando pesquisadores de segurança querem mostrar vulnerabilidades em carros, por exemplo, eles não atacam diretamente os sistemas mais virais, como freios ou aceleração. Em vez disso, entram pelo programa que cuida da manutenção das rodas, por exemplo, e assim conseguem tomar controle do veículo como um todo. “Somos tão fortes quanto nosso ponto mais fraco”, comenta.
Voltando a usar a própria condição para exemplificar problemas maiores, Sandler conta que engravidou há cerca de um ano e que, como toda gestante, seu coração ocasionalmente batia de forma um pouco mais acelerada que o normal. No entanto, o software do seu desfibrilador não estava preparado para lidar com essa exceção e, por conta disso, acabou administrando dois choques desnecessários.
Por mais bem pensadas que sejam, máquinas dificilmente saem de fábrica conseguindo lidar com as situações de cada indivíduo
Todos podem colaborar
Sandler acredita que, por mais bem preparada e atenta que uma companhia seja, é improvável que ela consiga pensar em absolutamente todas as possibilidades envolvendo seus produtos. Além disso, empresas podem falir ou simplesmente deixar de dar suporte a uma de suas criações, deixando-a vulnerável. Caso os softwares utilizados fossem livres e abertos, no entanto, usuários com situações excepcionais ou que dependessem de aparelhos antigos poderiam agir e contar com a ajuda de outros para resolver os próprios problemas.
Hoje, a “advogada ciborgue” representa uma organização chamada Software Freedom Conservancy, que atua oferecendo diversos tipos de suporte a projetos de softwares abertos e livres. Segundo ela, a forma mais simples para que todos nós possamos ajudar a levantar a questão da importância desse assunto é falar sobre ele com o máximo de pessoas que pudermos, fazendo-as parar para pensar que todos os aparelhos que utilizamos hoje têm algum tipo de software por trás, encorajando-as a fazer perguntas quando comprarem algo.
A Software Freedom Conservancy atua oferecendo diversos tipos de suporte a projetos de softwares abertos e livres
Segundo ela, governantes também podem ter um papel crucial na expansão do uso de softwares livres e abertos na defesa da segurança da população, criando leis que estimulem empresas a dar preferência à utilização desse tipo de programa ou que divulguem seus códigos-fonte.
A batalha continua
Sandler acredita que há muitas oportunidades para software livre e aberto no Brasil e diz que os brasileiros são pioneiros na adoção desse tipo de ideologia. No entanto, ela ressalta que é importante não cair no “falso conforto” de achar que o fato dos softwares abertos estarem sendo mais usados significa que a “batalha” já foi vencida.
Por mais que o software aberto esteja em tudo, nunca tivemos tão pouco controle
“Embora tenhamos códigos abertos em quase tudo, temos menos liberdade do que antes. Nos pontos que importam para termos controle sobre nossas tecnologias, não podemos exercer o controle que nossa sociedade precisa. Então encorajo as pessoas a se envolverem e realmente pensar a respeito”, diz Sandler.
A ativista acredita que muito da discussão atual a respeito de softwares livres e abertos acaba se polarizando ao redor de indivíduos, sejam eles celebridades ou organizações. “Se uma questão é importante o suficiente, a ideia deve ter vida própria e várias pessoas deveriam falar sobre ela. Em vez de depender de ‘celebridades’, gostaria que pudéssemos racionar, discutir e pensar nos problemas, buscando múltiplas perspectivas para tudo”, conclui.
A Campus Party Brasil continua até domingo (5) no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo.
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