No futuro, colônias de bactérias poderão realizar cálculos avançados (Fonte da imagem: ShutterStock)
Conceitos e significados de palavras variam ao longo do tempo, se adaptando à realidade das comunidades onde elas são empregadas. Um bom exemplo é a palavra “salário”, que antes dizia respeito ao pagamento feito em sal e que era oferecido aos soldados do Império Romano. Hoje, o sal faz parte de uma quantia ínfima gasta da nossa renda mensal.
A palavra “computador” não é diferente. Se hoje a vemos como sinônimo de notebooks e desktops, a ciência pode interpretá-la de maneira bem mais ampla, como qualquer mecanismo capaz de receber e processar dados ou realizar cálculos. Agora, alguns pesquisadores têm trabalhado em uma área conhecida como biocomputação, ou seja, maneiras de expandir o mundo computacional para abrigar células, animais e outros tipos de organismos vivos, com o objetivo de fazer com que eles se comportem como se fossem chips.
Por enquanto, existe mais teoria do que avanço prático nessa área, mas, no futuro, com a ajuda da nanobiotecnologia, esses computadores poderiam ser usados, por exemplo, em medicamentos inteligentes, que medicariam seu hospedeiro apenas sob determinadas condições. Seria possível fazer coisas como enviar uma sequência de destruição para uma célula assim que uma doença fosse detectada.
E por mais que estejamos longe desse cenário, ainda há muita experiência interessante acontecendo no campo da biocomputação.
Porta lógica feita de caranguejos
Um dos experimentos mais curiosos a esse respeito foi realizado por pesquisadores da Universidade de Kobe, quando usaram certa espécie de caranguejo para simular os circuitos lógicos mais básicos de um computador: AND e OR.
Caranguejo soldado pode ser usado em sistemas computacionais (Fonte da imagem: Wikipedia)
Na experiência, esses caranguejos, que costumam andar em bando, foram soltos em labirintos geometricamente projetados para funcionar como se fossem os próprios circuitos lógicos, enquanto que os crustáceos faziam, por sua vez, o papel de elétrons ou de bits, simulando o 1 ou 0 que seria passado como entrada para o sistema.
Curiosamente, tudo funcionou como planejado, apesar de algumas inconstâncias que os cientistas acreditam poder resolver. O artigo publicado (PDF em inglês) detalha melhor o experimento. Apesar de ser pouco útil — afinal, quem é que vai querer construir um computador com caranguejos? —, o experimento não deixa de ser curioso.
Troque seu GPS por um pouco de bolor
O cientista da computação Selim Akl, da Queens University, no Canadá, descobriu algo muito importante: um tipo específico de organismo vivo conhecido como bolor limoso é especialista em encontrar o caminho mais curto para chegar até o seu alimento.
Para comprovar essa teoria, Akl usou um mapa do Canadá com um pouco de aveia em cima dos principais centros populosos do país e, sobre a cidade de Toronto, um pouco de bolor limoso. O organismo então cresceu em direção aos alimentos de maneira que simulava a malha rodoviária canadense.
E isso não é tudo: o experimento foi recriado globalmente diversas vezes, com resultados semelhantes para regiões como os Estados Unidos, Reino Unido e Japão.
Para quem duvida da capacidade de locomoção desse organismo que não possui olhos e tampouco cérebro, basta assistir ao vídeo acima e vê-lo solucionando um labirinto. Com o bolor limoso poderíamos aprender, por exemplo, como calcular a melhor rota para um destino, usando o mínimo possível de energia. A capacidade do bolor limoso também está sendo explorada para desenvolver redes e circuitos mais eficientes.
Células boas de conta
Apesar de os experimentos anteriores serem interessantes, não dá pra negar que eles são um bocado rudimentares. Entretanto, em abril deste ano, cientistas suíços liderados pelo professor Martin Fussenegger programaram células humanas para que elas realizassem adições e subtrações binárias. Essa é, basicamente, a forma como os computadores realizam operações matemáticas em seu nível mais básico.
Os dados de entrada usados nessa experiência são bastante especiais: uma substância retirada da maçã, conhecida em inglês como phloretin e capaz de ativar fibras nervosas, e a eritromicina, usada amplamente como antibiótico. No sistema biocomputacional, essas substâncias são os dados de entrada que a célula processará.
Células foram programadas para realizar adições e subtrações binárias (Fonte da imagem: ETH Life)
A operação emulada pela célula é a de um operador lógico AND, ou seja, os dois dados — a substância da maçã e o antibiótico — precisam estar presentes para que o resultado seja 1 (verdadeiro). Nesse caso, a célula emite um brilho fluorescente. Caso uma das substâncias esteja ausente, nada acontece, ou seja, o resultado final é 0 (falso).
No futuro, essa técnica pode ter diversas aplicações. Segundo o professor Fussenegger, essas células poderiam ser usadas para monitorar o metabolismo de um paciente. Em uma pessoa com diabetes, por exemplo, essas pequenas “calculadoras” poderiam ter um circuito capaz de reconhecer determinadas reações causadas pela doença e, a partir disso, liberar substâncias terapêuticas, com a insulina.
Entretanto, esse estágio ainda está longe de ser alcançado. A nós, míseros mortais, só resta aguardar as novidades que os meios científicos publicarão dentro de alguns anos.
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