Body hacking: transformando pessoas em ciborgues

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(Fonte da imagem: Reprodução/Chris Beaumont)

Em “O Mágico de Oz”, o Homem de Lata, cansado de viver como um ser artificial, sai em busca de um coração de verdade. O desenvolvedor de softwares (e humano) Tim Cannon sonha com o contrário: ele quer virar um ciborgue. Desde criança, essa era a resposta dele para as clássicas “o que você quer ser quando crescer?” – nada de bombeiro, astronauta ou jogador de futebol.

Cannon faz parte da Grindhouse Wetware, uma iniciativa amadora composta de engenheiros, programadores e outros amantes da eletrônica que partilham do mesmo desejo de se transformar em máquinas – e fazer com que a evolução não seja uma iniciativa da natureza, mas da tecnologia criada pelo homem.

A técnica se chama body hacking (ou biohacking) e, atualmente, está com mais força do que nunca. Mas ela está longe de ser apenas o implante de próteses e chips para satisfazer uma paixão pela tecnologia: ela ajuda a potencializar o corpo humano e, em vários dos casos citados abaixo, realmente aproxima o paciente de um androide.

Tudo começa com um ímã

Apesar de ter um conceito sólido, o body hacking é uma prática ampla e pode ser feita tanto por cirurgiões profissionais quanto amigos na garagem de casa.

Cannon, seu colega de “profissão” Shawn Sarver e o professor Dann Berg mostram bem o lado amador e menos glamouroso da técnica: ambos fizeram pequenos implantes de ímãs em um dos dedos das mãos para não só serem capazes de se conectar com clipes de papel, mas para adquirir um “sexto sentido”.

(Fonte da imagem: Reprodução/I Am Dann)

É isso aí: quem realiza esse tipo de modificação acredita que, ao sentir campos magnéticos através da pele, a pessoa ganha uma percepção diferente da realidade, como a habilidade de sentir vibrações e ondas que não são detectadas por pessoas normais.

E a Grindhouse Wetware tem um produto que vai mais além: o sensor Bottlenose, criado com alguns circuitos, uma placa Arduino e uma bateria, interage com o tal implante para ajudar a pessoa a localizar objetos e outras pessoas (e a distância entre elas e você) por ondas magnéticas – tudo open source, com o paciente liberado para modificar o software como quiser.

O Bottlenose (a caixa na mão do rapaz) detecta a presença de objetos próximos. (Fonte da imagem: Reprodução/YouTube)

O procedimento cirúrgico é simples, dura 15 minutos e envolve pequenos cortes no dedo escolhido (normalmente o anelar ou mindinho da mão oposta à que você mais usa). O problema vem depois: caso a cápsula de silicone que envolve o ímã se rompa, ele pode causar grandes danos à pele – mas ninguém parece se preocupar com isso quando se é um ciborgue.

Doutor Frankenstein

Professor de cibernética na Universidade de Reading, na Inglaterra, Kevin Warwick (que ilustra a foto do início do artigo) é o limite atual dessa fusão entre homem e máquina. Basta ver o braço do cientista, cicatrizado e conectado a fios.

(Fonte da imagem: Jim Naughten/TIME)

Uma de suas primeiras experiências, feita pouco antes de 2000, foi implantar no braço esquerdo um sensor, menor que uma moeda, capaz de fazer algo que pode ser considerado inútil, mas que não deixa de ser estiloso: quando ele passa por um corredor conectado a alguns fios, o sensor transmite sinais para uma fonte ligada a um computador – e ele acende luzes ou abre portas automaticamente.

O primeiro implante a gente nunca esquece. (Fonte da imagem: Reprodução/YouTube)

Além disso, Warwick pesquisa equipamentos que permitem a ele controlar com a mente uma cadeira de rodas (sim, no maior estilo Professor X, dos X-Men) e mover uma mão robótica, no caso de próteses. O segredo? O robô teria um cérebro com tecidos neurais, o que possibilitaria a conexão com o ser humano.

Vivendo perigosamente

No oposto dos estudos acadêmicos de Warwick está a jovem Lepht Anonym. À primeira vista, ela se parece com Lisbeth, a protagonista de “Millenium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres” – e é tão peculiar quanto a personagem. Seu primeiro implante foi no banheiro de casa: um corte rápido e a inserção de um chip de reconhecimento via RFID. Um leitor, ao identificá-lo, imprimia um “Olá” a partir de um computador com Linux.

(Fonte da imagem: Reprodução/The Verge)

Agora, ela já conta com ímãs em vários dedos e um medidor de temperatura e aindaplaneja instalar um dispositivo que age como uma bússola, vibrando quando ela estiver virada para o Norte. A moça é um ídolo na comunidade biohacker, já que foi uma das primeiras pessoas a provar que é possível fazer implantes de forma totalmente amadora, por mais perigoso que seja.

Por não poder usar antibióticos, já que não conta com a autorização de médicos (e trocá-los por vodka para esterilizar instrumentos e tirar a dor), ela até já desmaiou no meio de procedimentos – e sabe dos riscos que corre, mais especificamente a intoxicação por metais. Ainda assim, ao site Wired, ela resumiu as cirurgias de forma direta: “Você só precisa ir fundo o bastante para abrir um buraco e colocar algo lá dentro. É simples assim”.

Visão otimista

Mas nem todos os biohackers pensam apenas em desafiar os limites do corpo: a medicina é uma área que tem muito a ganhar com isso, desde próteses mais precisas e realistas a medidores que diagnosticam você antes da consulta com um médico.

O professor Warwick acredita bastante nesses avanços. Para ele, implantes futuros no cérebro ou em terminações nervosas trazem possibilidades de melhora em áreas como memória, comunicação e raciocínio – mas nada disso está tão próximo de ser realidade.

(Fonte da imagem: Reprodução/Wikipédia)

Outro que também modificou o corpo por necessidades pessoais é Neil Harbisson, um artista com acromatopsia (síndrome que o faz enxergar em apenas preto e branco). Em 2004, ele oficialmente virou um ciborgue (o aparelho está até em sua foto de passaporte!) ao desenvolver um “terceiro olho eletrônico” que transforma cores captadas pelo sensor em sons, já que cada uma das 360 tonalidades que ele percebe é formada por frequências diferentes.

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Apesar de já ser capaz de algumas ações bem impressionantes, o body hacking ainda engatinha e tem muito a evoluir – por enquanto, não teremos nenhum Robocop, Tony Stark ou personagem de Deus Ex: Human Revolution andando pelas ruas. Mas uma coisa não dá para negar: essas pessoas, por mais malucas que possam parecer, são todas pioneiras de uma ciência.

Fontes: I Am Dann, Grindhouse Wetware, TEDx, The Verge, Wired

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