A relação entre o uso de aparelhos celulares e a incidência de câncer acaba de ganhar mais um capítulo em uma história que divide opiniões. Uma pesquisa feita pelo Instituto Dinamarquês de Epidemiologia do Câncer e divulgada na edição do último dia 6 de dezembro da publicação Journal of the National Cancer Institute, uma publicação da Universidade de Oxford, não estabeleceu uma relação direta entre o uso de celulares com casos de tumores em moradores da Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram casos de gliomas e meningiomas – ou seja, tumores no sistema nervoso e na região da meninge cerebral, respectivamente – entre os anos de 1974 e 2003 em pessoas com idade entre 20 e 79 anos. Nos 30 anos estudados, foram registrados 60 mil casos desses tipos de tumor nos países abrangidos. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que não houve aumento substancial no número de ocorrências, especialmente no período entre 1998-2003, quando o uso de aparelhos celulares aumentou muito.
De acordo com a pesquisa, o número de casos de tumores entre grupos de homens e mulheres de diferentes idades ou se manteve estável, ou caiu ou aumentou de maneira gradual em uma curva que começou em um período anterior do uso de celulares. Também não foi determinada a incidência de tumores no período entre 1998 e 2003, ou seja, a partir do momento em que o uso de aparelhos celulares cresceu significantemente nos países estudados.
Os resultados podem apontar para diferentes conclusões: (1) que é necessário mais de 10 anos de uso de um aparelho celular para que haja consequências para a saúde; (2) que o risco para a população é muito pequeno para ser observado; (3) que o risco é restrito a determinados grupos; ou (4) que não há nenhum risco.
Pesquisas que não chegam a um consenso
A pesquisa recentemente divulgada é mais uma entre várias que já foram publicadas. Em 2005, por exemplo, um estudo publicado no Jornal da Unicamp chegou à conclusão de que o índice de radiação dos aparelhos precisaria ser 10 vezes superior aos limites impostos às fabricantes para ocasionar danos às células humanas.
Já em 2007, um estudo do Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, chegou à conclusão de que bastam 10 minutos usando um celular para aumentar as chances de tumores nos usuários. Esta pesquisa foi feita com células humanas e de ratos expostas a radiação eletromagnética.
O Interphone Study é outro estudo, em andamento em diversos países: Alemanha, Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Israel, Itália, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e Suécia. É uma pesquisa que durou 10 anos e foi coordenada pela International Agency for Research on Cancer (IARC), parte da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com os pesquisadores, até a divulgação dos resultados oficiais tudo deve ser considerado especulação. É possível encontrar informações preliminares que afirmam que a pesquisa vai confirmar a relação entre o uso de celulares com o câncer, mas a OMS afirma que ainda não há informações corretas circulando no momento sobre os resultados definitivos estudo.
O Baixaki conversou com Ricardo Caponero, oncologista clínico e membro do conselho científico da ABCâncer – Associação Brasileira do Câncer. Ele comentou sobre uma revisão de vários estudos, publicada também no início de dezembro, que “mostrou que o telefone celular pode estar sim associado a um maior risco de câncer em geral. Não foi possível associá-lo com nenhum tumor específico como os cânceres de cérebro ou cabeça e pescoço, mas existe uma associação geral entre o uso de telefones celulares por mais de 10 anos e um risco de 4% a 34% maior no desenvolvimento de uma neoplasia [crescimento exagerado de celular anormais no organismo]”.
Para Caponero, estudos deste tipo, chamados epidemiológicos, não são fáceis de serem feitos, e é isso que gera resultados que apontam para as duas direções: “A causa pode estar muito longe do efeito em termos de tempo de exposição e aparecimento da doença. A dificuldade está em isolar as causas. Provavelmente as pessoas que usaram o telefone celular também fumaram (ativa ou passivamente) e se expuseram a outros fatores também possivelmente carcinogênicos. Foi só uma compilação de mais de 23 trabalhos e 37.916 pessoas que conseguiu mostrar essa correlação. Do ponto de vista científico, a metodologia para se estabelecer essas afirmações é bastante difícil".
O “raio-X” da questão
O uso popular de aparelhos celulares é algo recente, em torno de 10-15 anos, e é por isso que ainda não se chegou à conclusão sobre a relação entre eles e a incidência de câncer. Não é difícil imaginar que as pessoas usarão cada vez mais este e outros tipos de aparelhos portáteis, e que novas pesquisas surgirão, com mais base de estudo.
Logo, como não há uma resposta definitiva, muitos consideram a relação entre celular e câncer como um mito. Para Caponero, os mitos fazem parte das características humanas. “Quando não sabemos a verdade sobre um determinado fato, surge o mito. Quando os primitivos não sabiam a causa dos trovões, atribuíam esse evento à fúria dos deuses. O mesmo acontece agora. Como não sabemos a causa do câncer, surgem muitos mitos. Ouvimos coisas como alguns tipos de cânceres serem causados por fungos (tratáveis com bicarbonato!), câncer de estômago e micro-ondas, câncer de mama com antiperspirantes e sutiãs com armação metálica, morar em baixo de fios de alta tensão e leucemia, etc.”
Todo celular utiliza níveis baixos de radiofrequência considerados seguros para as pessoas. O índice de radiação de um aparelho é medido em SAR (Specific Absortion Rate, traduzido Taxa de Absorção Específica), ou seja, é a medida de energia que o corpo absorve. No Brasil, um aparelho pode emitir até 2 W/Kg, ou seja, 2 Watts por quilograma de tecido, conforme as Diretrizes para Exposição Humana a Campos Eletromagnéticos de Radiofrequencia, estabelecidas pela Comissão Internacional para Proteção Contra Radiações Não Ionizantes (ICNIRP), um organização independente formada por cientistas especializados.
O fator tempo de exposição e a posição em que o celular é utilizado motivam as pesquisas sobre o tema. Mesmo com a determinação de índices seguros, ainda fica a dúvida se a exposição prolongada à radiofrequência, mesmo que a índices baixos, é responsável por eventuais problemas. Além disso, os aparelhos celulares são usados juntos à cabeça, região onde o tecido facilita a absorção da radiofrequência.
Para quem se preocupa
Quem se incomoda com a indefinição do tema pode se sentir mais seguro com algumas medidas simples, como certificar o índice SAR do seu aparelho. Nos Estados Unidos, o limite é ainda menor que no Brasil – 1.6 W/Kg, então aparelhos fabricados lá podem proporcionar mais segurança a quem está receoso.
Outra dica é utilizar o sistema de viva-voz ou o headset, que afastam o aparelho da cabeça e do tecido mais sensível. Claro, como o tempo de exposição é uma grande preocupação, encurtar as conversar em aparelhos móveis também é uma dica. Utilizar telefones fixos, ainda mais os com fio, também diminuem os riscos potenciais.
Vale lembrar que as dicas servem para diminuir os perigos potenciais do uso de celulares, ou seja, que ainda não estão comprovados definitivamente pela ciência apesar do debate. Elas servem para que pessoas receosas se sintam mais seguras. Caponero ressalta que “desde que os aparelhos celulares estejam com as peças originais e em perfeito funcionamento, eles são seguros. Peças com defeitos podem causar queimaduras, como já se relatou em vários casos, com baterias não originais”.
Uma dica infalível: não utilize o celular enquanto dirige. Estatisticamente, o risco de causar um acidente é muito maior do que qualquer pesquisa que relacione o aparelho móvel à incidência de câncer.
Além disso, casos de tumores de cabeça e pescoço estão relacionados diretamente a outros fatores de risco, como Caponero ressalta: “Os fatores de risco bem conhecidos são o tabagismo, o etilismo e a má higiene oral. Desde o ano passado se sabe que alguns tumores também podem ser causados por certos tipos de papiloma vírus humano (HPV)”.
Logo, pessoas que fumam e/ou bebem, com ou sem celular, têm mais riscos de desenvolver tumores. “Uma pessoa que fuma, bebe e tem má higiene oral tem muitos motivos para desenvolver um câncer de cabeça e pescoço. E esses motivos são muito mais fortes do que ter utilizado o telefone celular. Embora seja possível, eu nunca tratei nenhum paciente com tumores de cabeça e pescoço e que não fumassem ou bebessem”, conclui Caponero.
E você, caro leitor? Neste tema que ainda não chegou a uma conclusão definitiva, qual é a sua opinião? Não deixe de participar, comente e participe da discussão. Esperamos que você tenha gostado da leitura. Até a próxima.
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