Por que a indústria da música ainda insiste na venda de CDs?

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Quando o assunto são tipos de mídia física capazes de armazenar vídeos em alta qualidade, é possível falar de cabeça uma série de siglas diferentes como DVD, HD-DVD, HVD e Blu-Ray. Isso só para citar os formatos mais populares disponíveis no mercado: em alguns anos devem surgir alternativas capazes de proporcionar uma qualidade de reprodução ainda maior, caso dos discos ópticos de cinco dimensões capazes de armazenar até 10 Terabytes de arquivos.

Mudando o foco para a indústria musical, a conversa já é outra: em vez de serem discutidos novos formatos de armazenamento físico, há uma tendência cada vez maior de falar somente sobre métodos de distribuição digital, seja através do MP3 ou, mais recentemente, do AAC. Enquanto isso, continua-se falando sobre o declínio de mídias como o LP e o CD, cujas vendas estão em constante declínio. O mais preocupante neste quadro é que não se tratam de mídias novas - enquanto o LP já comemora mais de 60 anos de vida, o CD está completando 27 anos em 2009.

Esta situação é bastante surreal, ainda mais levados em conta os avanços de tecnologia obtidos em outras áreas. Em vez de procurar novos formatos que convençam os consumidores de que vale a pena pagar para obter um álbum original, a indústria musical continua investindo no formato falido de promoção de artistas através de CDs. Inclusive, parece que há retrocessos neste sentido: um dos poucos mercados que obteve crescimento nos últimos anos foi justamente o dos LPs, formato considerado praticamente morto desde o fim da década de 80.

A opção por formatos com maior qualidade

Por mais que CDs e LPs continuem sendo os formatos de mídia mais conhecidos, não significa que não houve tentativas para desenvolver novos formatos capazes de reproduzir som de alta fidelidade. Formatos como o DVD-Audio e o SACD possuem uma qualidade de reprodução muito maior do que CDs convencionais, porém muitas pessoas simplesmente nunca ouviram falar de sua existência.

O Super Audio CD

O caso mais surpreendente é o do SACD (Super Audio CD), cujos discos fazem parte da coleção de muitas pessoas sem que elas sequer saibam disso. Isso porque as mídias que utilizam esta tecnologia possibilitam a gravação híbrida e possibilitam a reprodução de áudio tanto em leitores de CD convencionais quanto em aparelhos específicos para este formato.

Tecnicamente o SACD é muito melhor do que o CD, MP3 ou AAC. Os discos podem armazenar até 8.5 GB, um absurdo se comparados aos 700 MB de um CD convencional. Isso permite capturar muito mais detalhes sonoros, permitindo estender a frequência alcançada muito além dos 22kHz dos CDs – o valor alcançado é de até 100kHz, muito além da capacidade de audição humana.  Isso sem contar com o alcance dinâmico que permite uma captação muito melhor de sons agudos e graves, possibilitando a reprodução de música em alta fidelidade.

Existem três tipos de SACD disponíveis no mercado: de camada simples, dupla e híbrido, o mais popular. Enquanto os discos de camada simples são capazes de suportar até 4.7 GB, é possível aumentar este valor para 8.5 utilizando a alternativa de camada dupla. Já o tipo híbrido também possui duas camadas que funcionam de maneira diferente: enquanto em uma das camadas são gravadas as informações referentes à reprodução de áudio em alta qualidade, a outra é gravada da mesma maneira que um CD convencional.

A forma híbrida se tornou a mais popular devido à sua versatilidade: quando se coloca o SACD em um CD Player comum, o disco será reproduzido como um disco qualquer. Quando um aparelho compatível com a tecnologia é utilizado, entra em cena o sistema Surround 5.1, permitindo uma qualidade de reprodução maior. Muitos discos lançados no mercado a cada ano se tratam de SACD híbridos, porém são poucos aqueles que possuem esta indicação clara na embalagem do produto. O maior exemplo disso é o lançamento da discografia remasterizada da banda Rolling Stones, que não possui nenhuma indicação em sua capa de que se tratam de discos compatíveis com a tecnologia.

Muitos dos discos presentes no mercado vem no formato de SACDs híbridos

Com o SACD, a indústria musical pretendia repetir o ciclo observado durante a transição do LP para os CDs, em que os consumidores compraram novamente discografias inteiras com o objetivo de obter um produto com qualidade de reprodução maior e que ocupasse menos espaço.  Porém, este não se mostrou um modelo de mercado viável, principalmente devido ao preço de lançamento dos players compatíveis com o SACD que chegavam a custar cinco mil dólares. Isso sem contar com a falta de extras significantes que fossem capazes de convencer o consumidor a comprar mais uma vez toda a coleção de discos que já possuía: embora tenha suporte a Surround 5.1, eram poucas as pessoas que dispunham de aparelhos bons o suficiente para sentir a diferença em relação a CDs comuns (lembrando que estamos falando de 1999, ano em que Home Theaters ainda eram produtos de luxo restritos aos mais ricos).

Desta forma, o SACD se tornou um formato restrito somente aos entusiastas do áudio que exigem o máximo de qualidade possível durante a reprodução de discos. Desde o lançamento comercial do formato, cerca de seis mil títulos foram lançados – valor irrisório se comparado aos mais de 26 mil CDs lançados anualmente somente no Reino Unido.

O DVD-Audio

O DVD-Audio foi um formato criado para competir com o SACD e não deve ser confundindo com discos de DVD específicos para o armazenamento de filmes. Os discos e aparelhos compatíveis com o formato são ainda mais raros e caros do que aqueles disponíveis para SACD, o que torna esta uma alternativa ainda mais restrita do que a concorrente.

Assim como o SACD, a qualidade disponível é muito maior do que a de um CD convencional, podendo armazenar 8.5 GB, assim como seu concorrente direto. Os discos em DVD-Audio podem ser gravados de duas formas diferentes: utilizando a qualidade máxima de 192kHz/24 bits pode-se obter até 74 minutos de música em alta qualidade. Abaixando a taxa de qualidade para ficar semelhante a dos CDs convencionais, o formato permite a gravação de um número muito maior de faixas.

Apesar de os aparelhos convencionais de DVD serem capazes de reproduzir normalmente DVD-Audio, é preciso comprar um conversor digital para analógico de 192kHz/24 bits para aproveitar de toda a qualidade de áudio disponível. Isso porque a maioria dos aparelhos do mercado vem equipados com um conversor digital para analógico de 95kHz/24, incapazes de reproduzir com qualidade todo o conteúdo gravado nos discos.

É preciso comprar adaptadores para um aparelho de DVD reproduzir um DVD-Audio com qualidade

O grande obstáculo para a difusão do formato é a grande dificuldade de encontrar no mercado aparelhos compatíveis com a tecnologia, sem contar o preço elevado que o consumidor é obrigado a pagar. Porém, o que determinou o fracasso deste formato na competição com o SACD é a incapacidade de utilizar discos em DVD-Audio em CD Players comum, fator que pesa bastante na escolha do consumidor comum.

Como explicar a crise de vendas que a indústria fonográfica enfrenta?

O Napster reinava absoluto como programa para compartilhar músicasPara entender o porquê destes formatos de alta qualidade não terem conseguido conquistar espaço no mercado, é preciso voltar para 2000, ano em que o Napster reinava absoluto como programa para compartilhar MP3. Ao processar os donos do serviço, exigindo que encerrasse definitivamente suas atividades, a indústria musical perdeu uma oportunidade de ouro para combater a pirataria de seus produtos.

Em 15 de julho de 2000, os principais executivos das quatro maiores gravadoras do mundo se reuniram em um hotel com o CEO do Napster, Hank Barry, para tentar chegar a um acordo de licenciamento de suas músicas.  A ideia era permitir que os cerca de 38 milhões de usuários do Napster continuassem a baixar arquivos pelo sistema mediante o pagamento de uma taxa mensal de cerca de 10 dólares. O lucro seria dividido de forma igual entre o serviço e as gravadoras, garantindo o que o sustento da indústria.

O acordo nunca chegou a ser concretizado devido à pressão de revendedores e artistas que não conseguiam ver que o futuro da música passava pelo meio digital. Enquanto lojistas viam suas vendas ameaçadas, pois seria muito mais barato pagar a mensalidade do Napster do que comprar um CD, grandes artistas temiam o fim do lucro obtido pelo lançamento de novos discos contendo seu nome - a inovação necessária para a sobrevivência da indústria musical significava ter de canibalizar seu próprio negócio.

O resultado da história todos já sabem: as grandes gravadoras processaram o Napster, que se viu forçado a encerrar as atividades de seus servidores. Ao contrário das expectativas da indústria musical, que esperava uma diminuição dos downloads ilegais, aconteceu justamente o contrário – os milhões de usuários do Napster se espalharam pelos mais diversos programas de compartilhamento, que se tornaram uma praga impossível de controlar. A cada serviço de downloads processado e fechado pelas gravadoras surgiam dúzias de alternativas ilegais diferentes.

Demoraram dois anos – um período de tempo absurdo na era digital – para que as gravadoras surgissem com um sistema de venda de músicas digital eficiente e que se tornasse uma alternativa viável o bastante para competir com o mercado de downloads ilegais, a Apple Store. Neste meio tempo, houve algumas tentativas de gravadoras como a EMI, Warner e Sony para vender música online, como o PressPlay e o MusicNet. Todos esses serviços falharam pela combinação de três motivos: eram caros, não permitiam que o usuário gravasse os arquivos baixados em CDs e as músicas baixadas não eram compatíveis com a maioria dos MP3 Players do mercado.

Nesse meio tempo a pirataria ganhava cada vez mais espaço e ganhou força a ideia de que a internet se trata de um território livre em que pagar por conteúdo é algo desnecessário. Assim, a maioria dos consumidores prefere baixar arquivos de baixa qualidade de maneira totalmente gratuita a gastar verdadeiras fortunas para comprar equipamentos capazes de reproduzir áudio em alta fidelidade. Isso sem contar no fato de terem que comprar novamente todos os discos que já possuem para poder aproveitar os novos formatos disponíveis.

Como a internet mudou o jeito de escutar música

Ao contrário do que muitos pensam, esta não é a primeira grande crise de vendas que a indústria da música sofre em sua história – apesar de estar correto quem afirma que em nenhum outro momento houve tão pouca gente comprando discos. Em 1979 a indústria fonográfica viu uma queda de 11% em seu lucro, algo totalmente inesperado para um mercado que via cada ano superar o anterior em números de vendas.

Uma série de fatores contribuiu para este cenário, o principal deles a própria forma como a indústria fonográfica se organiza. Como o próprio nome já diz, se trata de uma verdadeira indústria, em que o objetivo não é a integridade artística, inovação ou complexidade sonora, mas o puro e  simples lucro. Com isso, tende-se a oferecer ao consumidor não aquilo que ele pode achar interessante, mas sim algo que ele vai comprar. Por isso é tão comum ver uma verdadeira enxurrada de artistas semelhantes quando determinado estilo musical começa a fazer sucesso.

A falta de inovação fez com que o consumidor inevitavelmente se cansasse da mesmice oferecida a ele e parasse de comprar discos de novos artistas. Afinal, para que investir em um produto novo se você já possui diversas alternativas semelhantes em casa? Outro fator que contribuiu para a queda de vendas foi que o dinheiro empregado para a compra de músicas começou a migrar para outras áreas como a indústria do vídeo.

Situação semelhante pode ser observada atualmente: o mercado fonográfico continua utilizando a mesma fórmula já batida de oferecer diversos artistas semelhantes até esgotar o potencial de vendas de determinado estilo. Desta forma, em vez de investir em planos de carreira que permitam que artistas apostem na criatividade e inovação, continua-se à procura de nomes que vendam grandes quantidades de discos no menor tempo possível. A partir do momento em que as vendas caem, basta procurar outra banda ou cantor e repetir o ciclo.

Bandas independentes ganharam espaço com a internetCom a popularização da internet este ciclo observado durante mais de duas décadas teve seu fim decretado: em vez de ter que se contentar com o que as grandes gravadoras e rádios dizem que o consumidor deve comprar, agora é possível ter acesso fácil a uma grande variedade de músicas dos mais diferentes estilos sem precisar pagar nada por isso.

Bandas independentes provaram que o meio digital é uma ótima oportunidade para criar uma base fiel de fãs. Desta forma, em vez de depender da venda de álbuns para obter sustento, estes grupos viram que é muito mais inteligente lucrar com a venda de ingressos para shows e camisetas, tudo isso sem precisar dar nenhuma parte para uma grande gravadora. Exemplo disso é a banda Arctic Monkeys, que já cultivava grande sucesso no Reino Unido antes mesmo das grandes gravadoras sequer saberem de sua existência.

Alternativas para sobreviver na era digital

Com o meio digital, as grandes gravadoras que insistirem no modelo de vendas de CDs inevitavelmente terão seu fim decretado mais cedo ou mais tarde. É preciso entender que o consumidor comum não faz questão de obter música com alta qualidade sonora, mas sim poder ouvi-la em qualquer lugar, de preferência pagando pouco ou nenhum dinheiro por isso. Isto explica o porquê do declínio da venda de CDs, enquanto serviços de música digital como a Apple Store obtém cada vez mais lucro.

Para sobreviver no mercado atual as grandes gravadoras têm que procurar alternativas que tornam viável a compra da música. Uma maneira é investir em fontes secundárias, como o licenciamento de uso de gravações para comerciais, trilhas sonoras e video games. As séries Guitar Hero e Rock Band provaram que esta é uma alternativa lucrativa, capaz de gerar interesse por outros produtos que a indústria musical tem a oferecer.

Investir em redes sociais tem se mostrado uma aposta essencial para a sobrevivência da indústria fonográfica. Com mais de 500 milhões de usuários espalhados em serviços como Orkut, Facebook e MySpace, a ideia é aproveitar os relacionamentos já estabelecidos como forma de marketing: uma pessoa pode apresentar determinada música ou artista para sua lista de contatos, que poderão comprar arquivos digitais diretamente do site de relacionamentos. O mesmo poderá ser feito pelas bandas, que terão contato direto com os fãs, sem intermediários como gravadoras ou assessorias de imprensa.

Para sobreviver, gravadoras terão de diversificar sua área de atuação

As gravadoras tendem a se transformar cada vez mais em promotoras de eventos do que simples distribuidoras de conteúdo. Como os artistas tiram seu lucro principalmente da venda de merchandising e apresentações ao vivo, investir nestas áreas tem se mostrado uma alternativa para recuperar os lucros perdidos com a venda de CDs. Além de procurar novos caminhos que incluam a participação nos direitos de exploração da imagem de artistas e shows, a indústria musical deverá encontrar outro meio de promover seus cantores e bandas, de modo a aumentar a procura por ingressos de show e produtos licenciados.

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