No início, tudo era Midi. Midi e movimentos em 2D para jogos de ação, e longos quadros com textos intermináveis interpretados por lábios pixelizados que executavam sempre o mesmo movimento caso fosse um RPG. Sim, o video game, há alguns bons anos atrás, realmente não ia muito além do status de “brinquedo que caiu nas boas graças da tecnologia”.
Mas isso mudaria, é claro. Ao final da ascendente década de 1990, conforme o hard rock saia de moda juntamente com os famigerados “Tazos”, a indústria dos games começava a arquitetar o seu “pulo do gato”, ganhando mais e mais status, alcançando outras faixas etárias (ou seriam os nerds que apenas ficaram mais velhos?) e, finalmente, consolidando-se como uma forma de entretenimento que facilmente rivaliza hoje com cinema e TV.
Para quem não se lembra (ou andava às voltas com chocalhos à época), foi justamente nesse período que as vozes nos jogos de video game começaram a ganhar mais e mais destaque. Dubladores passavam a ser contratados com cada vez mais freqüência conforme os textos longos e cansativos começavam a perder a graça. Era o primeiro flerte direto do video game com uma forma de entretenimento típica do cinema.
Dessa forma, o Baixaki se aventura hoje pelo envolvimento progressivo dos games através das dublagens. Ou seria melhor utilizar o termo em inglês, “voice acting”? Já que essa nobre atividade provavelmente seria melhor definida como “atuação por voz” — tendo em vista que uma boa dublagem demanda, necessariamente, alguém com dotes consideráveis de atuação.
Mas, a propósito, como foi mesmo que as tramas cantadas por atores (e pseudo-atores) passaram a ganhar destaque durante o final da década de 90? Pode-se considerar alguns fatores...
Os games deixam de ser (apenas) brinquedos
Uma indústria com cada vez mais status e cartas na manga
Em primeiro lugar, justiça seja feita: as atuações com vozes reais não surgiram apenas durante a prolífera quinta geração de video games. Afinal, quem não se lembra das palavras ou mesmo frases soltas que marcaram a época da ferrenha batalha Mega Drive vs. Super Nes? Tudo bem, o Hadowken do Ryu (que tinha exatamente a mesma voz do Ken) soava mais como um arroto em Street Fighter II: Champion Edition para o Mega Drive, mas era um começo.
Apesar disso, as vozes durante essa época nada mais eram que um atestado de potência e desenvolvimento tecnológico. Ninguém pensava ainda em um dublador com dotes de ator para interpretar uma trama complexa. A coisa ficava mais no “o Super Nes tem melhor processamento de som que o Mega Drive, mas ambos perdem para o novíssimo 3DO” e por aí vai.
Mas alguns pioneiros mudariam isso, gerando um precedente que se estende com mais e mais força até os dias de hoje: atores e dubladores profissionais são a melhor pedida na hora de sonorizar um jogo. É claro, vários jogos já haviam apresentado tramas faladas nesse momento, tendo seu início ainda tímido durante os anos dourados do PlayStation original.
Mas a coisa toda daria um belo salto qualitativo nos anos seguintes. Talvez não tanto no sentido de qualidade das vozes, mas de buscar aproximação com o nicho até então isolado do cinema. Mas, para isso, uma marca deveria ser buscada.
O estrelato e os games
Profissionais e celebridades entram em cena
Conforme citado anteriormente, durante os últimos anos da década de 90, vários jogos já apresentavam belas linhas vocais, como o inesquecível Metal Gear Solid, do PlayStation. Mas, também nessa época, vários produtores de jogos começaram a considerar: “o que aconteceria se o meu jogo trouxesse a presença de um ator famoso ou mesmo uma celebridade decadente?”.
Os atores então começavam a entrar em cena (com o perdão do trocadilho infame). Já em 1999, a série Command and Conquer resolve alistar para o seu Tiberiun Sun o inconfundível James Earl Jones, ou o Darth Vader. É claro, isso não impediria os produtores da franquia de contratar alguns talentos menos expressivos para as sequências.
Entretanto, nesse aspecto, há que se reconhecer, a Rockstar é virtualmente imbatível. Com o seu Grand Theft Auto III, estaria totalmente consolidada a fase de buscar qualidade em celebridades ou, pelo menos, em atores genuínos, que realmente soubessem interpretar e dar cores mais vivas aos personagens do game.
Para a produção de GTA III, a Rockstar ostentava em sua folha de pagamento de dubladores os seguintes nomes: Joe Pantoliano, Michael Madsen, Michael Rapaport, Debi Mazar, and Kyle MacLachlan.
Mas, com o sucesso inconteste da incursão 3D da franquia (que até então se limitava a um homenzinho minúsculo visto de cima), surge Grand Theft Auto: Vice City, com um elenco de dubladores também nada modesto: Dennis Hopper, Danny Trejo, Gary Busey, Lee Majors, Debbie Harry, Ray Liotta, Tom Sizemore, e Jenna Jameson — tudo bem, essa não muito conhecida por seus dotes interpretativos... —, isso para citar apenas alguns.
Qual era exatamente o motivo para isso? O presidente e co-fundador da Rockstar, Sam Houser, responde em entrevista ao site Game Informer: “Nós não vamos colocar vozes famosas nos jogos unicamente porque são vozes famosas”. E ele acrescenta: “Nós vamos pegar alguém que soe ‘perverso’ para o personagem, e se ele não é famoso, isso não nos incomoda”. Pois é, quem acredita, por favor levante a mão.
Mas outros jogos viriam na sequência. E, conforme a trama ganhava mais e mais destaque, também mais e mais os produtores passavam a apelar para profissionais na hora de dar voz às suas criações.
Um exemplo: você sabia que Fallout 3 conta com ninguém menos do que Liam Nesson? Bem, ele até se pronunciou sobre a experiência durante entrevista ao site Cinematical.com: “eu realmente nunca havia feito isso antes, e eu senti que este era um bom game e que possui uma mensagem realmente positiva”. Que mensagem? “Ele diz algo sobre o planeta, sobre desarmamento, e ainda é divertido”. Sim, sem dúvida ele é.
Fato é que é que a elevação do status dos videogames ter permitido essas novas incursões e abordagens, conforme atesta a atriz Eliza Dushku (que dublou o jogo Wet): “video games se tornaram aceitáveis e legais para adultos — não apenas para adolescentes. E ela completa: “eu conheço várias pessoas — amigos, atores, diretores — que são mais velhos e costumam jogar em sua intimidade, e que agora podem dizer isso em alto e bom som”.
Confira alguns nomes que já emprestaram sua voz à indústria de games:
Michael Madsen: dublou jogos como Grand Theft Auto III e Driver 3; conhecido por bancar o “cara mau” em filmes como “Kill Bill” e “Cães de Aluguel".
Patrick Stewart: dublou X-Men Legends, X-Men: The Official Game, além de marcar presença em The Elder Scrolls IV: Oblivion; trata-se do eterno capitão Jean-Luc Picard de Star Trek: The Next Generation, também conhecido por interpretar o professor Charles Xavier de X-Men.
Bruce Campbell: nada mais, nada menos que o Ash de Evil Dead (Uma Noite Alucinante na sofrível tradução brasileira), que também dublou vários jogos baseados nos filmes. Isso além do complicado soldado Burton no clássico Broken Helix, para PlayStation.
Keith David: além de estrelar filmes de Ice Cube, David é também o árbitro em Halo 3, e também o rancoroso Capitão David Anderson em Mass Effect.
Vin Diesel: você até pode questionar as capacidades artísticas de Vin Diesel, mas não a sua versatilidade. Além de ator e diretor e, recentemente, produtor de jogos, Diesel dubla o seu próprio personagem em The Chronicles of Riddick, no Xbox. Você também pode ouvi-lo em The Wheelman.
Seth Green: Além de marcar presença em diversos filmes, Green também dublou a série Uma Família da Pesada, e também é o diretor das hilárias animações do selo Frango Robô (Robot Chicken). Isso, é claro, além de atuar como o descarado piloto Jeff “Joker” Moreau, em Mass Effect.
É realmente necessário ser um ator famoso?
Para a dubladora profissional Wendee Lee, figura conhecida dos animes e também de vários games (como Bleach, Soul Calibur II e Grandia III), não. Segundo ela, em entrevista ao site Gamasutra.com, “eu sinto que isso é mais um modus operandi de Hollywood, essa coisa de atar nomes [famosos] aos títulos”.
A bem da verdade, isso pode até mesmo complicar as coisas, já que fama e notoriedade não são sinônimos de capacidade técnica, como atesta a moça: “existem vários gritos, e lutas, e impactos, e reações que são nuances que nós praticamos por anos e anos, e que são novidades para quem não é dublador”. Wendee ainda cita vários atributos específicos da dublagem em games, como a sincronia típica que é exigida.
Bem, e qual seria a fórmula para uma boa dublagem de games? Algo a ser seguido por algum aspirante a “dublador de games”? Wendee dá a receita: é necessário preparação. “Então você imagina os seus mundos [de jogo], você imagina as suas armas, você imagina a forma como o combate vai se desenrolar”.
E ela completa: “...quanto mais informações nós tivermos durante a pré-produção para prover os atores [ou dubladores], e para mantê-los engajados na forma exata do cenário em que eles estão inseridos, eu penso que melhor será a performance. Isso é realmente importante”.
Enfim, interessado em seguir carreira dublando games? Comente. Ou, talvez você apenas esteja interessado em comentar sobre as melhores (ou piores) dublagens que encontrou durante suas horas de jogatina. De qualquer forma, comente; o Baixaki quer conhecer a sua opinião.
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