Eu simplesmente não consigo parar de jogar. Essa frase que inicia o texto com certeza não é uma exclusividade minha, ainda mais se você, jogador, já soube o quão ameaçador um jogo pode ser. Tudo bem, com esse texto, até parece que estamos aqui para condenar a prática dos video games, como muitos outros veículos de mídia já fazem por aí.
Mas, sejamos sinceros: será que um jogo realmente pode ser tão viciante a ponto de prejudicar a sua vida? Conforme Johan Huizinga declara em sua obra Homo Ludens, escrita em 1938, os jogos, no geral, podem ser classificados como uma simples necessidade de distensão. Ou seja, algo para realmente desprender o jogador da realidade e transportá-lo diretamente para atividades sumariamente lúdicas.
E, sem dúvidas, quando falamos em video games, estamos tratando de um dos meios de abstração mais poderosos da atualidade. A interação proposta pelos jogos eletrônicos gera uma experiência sem igual e que não pode ser reproduzida por nenhum outro tipo de mídia. Agora, será que isso é um perigo ou uma gloriosa dádiva para nós, jogadores?
Sugando sua alma
Como exemplo para essa discussão, utilizarei um dos títulos que mais me prendeu nesta geração: Dark Souls. Para quem não sabe, trata-se de uma obra da From Software dedicada quase que exclusivamente ao público hardcore, já que se trata de um título bem mais exigente, em termos de habilidade e estratégia, do que os demais jogos da era atual.
A partir do momento em que Dark Souls chegou às lojas, eu, como ávido jogador de Demon’s Souls, seu predecessor espiritual, sabia o que me esperava. O título simplesmente tem muito a oferecer para quem mergulhar de cabeça em sua complexa proposta, que gera, tranquilamente, mais de 60 horas de jogo — eu já estou com 90.
Logo no exato momento em que coloquei as mãos no game, parti para meu PlayStation 3, inseri o disco e comecei a jogar. Joguei. E joguei bastante. A minha primeira sessão ao lado de Dark Souls durou interruptas doze horas (18h às 06h do dia seguinte). Eu simplesmente não conseguia parar de jogar.
Isso me prejudicou? Por um lado, podemos até dizer que sim. Como eu dormi pouco, meu rendimento no outro dia foi um abaixo do comum e o sono consumiu minha concentração. Mesmo assim, eu não posso dizer que não valeu a pena. Aquele jogo, assim como diversos outros, mexeu comigo e eu tinha certeza que mais algumas boas horas de diversão ainda estavam alojadas em meu PS3.
(Fonte da imagem: Divulgação/Namco)
Temos, aqui, dois lados de uma mesma moeda e, com certeza, uma situação semelhante já deve ter acontecido com você. Você já deve ter se questionado se realmente valeria a pena largar seu controle e partir para qualquer outra atividade que, provavelmente, não o cativaria tanto quanto a experiência ao lado dos games. Além disso, você também já deve ter se arrependido por ter depositado aquelas horas extras no jogo em vez de cultiva-las em seu sono.
Um multiplayer eternamente solitário
Conforme já mencionamos, o video game é um meio de entretenimento extremamente poderoso e que cumpre muito bem sua proposta, embora ainda continue sendo subestimado, seja pelos próprios jogadores ou pelo público que só enxerga os jogos como um simples brinquedo.
E, definitivamente, sua potência pode ser ampliada caso o jogador decida absorver suas relações sociais para dentro dos próprios consoles. E, não, não estamos falando de namoro virtual ou coisas do tipo — embora esse fato também contribua para a afirmação. A grande força surge quando você entra no modo multiplayer e, lá, faz novos amigos, ganha reputação e passa dar mais valor ao seu status virtual do que o real.
A imersão completa que os jogos eletrônicos oferecem vai além de uma simples interação com uma trama, que, sozinha, pode render dezenas de horas de contato estrito entre o jogador e o jogo. O fator multiplayer estabelece patamares que começaram a ser explorados, com eficiência, somente nesta geração.
O mundo virtual passa a servir de meio de conectividade para jogadores reais, que se relacionam, assim, da maneira que mais julgarem agradável, visto o poder dado aos próprios gamers, que têm a chance de escolher se desejam ou não criar uma relação mais palpável com outro participante.
É muito comum encontrarmos jogadores que se relacionam muito bem dentro dos jogos, com um trabalho em equipe fenomenal e uma comunicação impecável, mas que, quando se conhecem na vida real, acabam trepidando nos gestos simples, porém necessários, para se estabelecer uma comunicação saudável.
Game over
Em meus tempos de jogador profissional de Counter-Strike, era fácil perceber que muitos jogadores tinham um perfil completamente diferente do real durante as partidas online. Nas jogatinas online, alguns gamers agiam de forma extremamente agressiva e com uma alta sensação de superioridade em relação aos demais participantes que, muitas vezes, até tinham menos habilidade e experiência no título em questão.
Mas será que o fato de ser um bom jogador de Counter-Strike faz de você uma pessoa mais legal? Por experiência própria, normalmente o que realmente acontecia era o contrário. As pessoas nem tão habilidosas se mostraram os melhores companheiros na vida real — boa parte deles carrego como grandes amigos até hoje.
É claro que não podemos discriminar jogadores habilidosos ou dedicados como pessoas antissociais — isso seria uma martelada em um senso comum que, justamente, é o que quero evitar aqui.
O fato é que os video games são ferramentas que podem, e devem, ser aproveitadas como grandes aliados da diversão, por serem capazes de oferecer uma infinidade de atividades exclusivas. Mas, é preciso conhecer seus limites, conhecer (literalmente) outros jogadores e reconhecer que, para se conectar ao mundo, muitas vezes é preciso se desconectar de outros mundos.
Via Baixaki Jogos
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