"Efeitos fisiológicos foram observados em um humano. Ele recebeu um estímulo na pele feito por campos eletromagnéticos bem fracos e que foram pulsados com frequências entre ½ Hz e 2.4 Hz, como uma estimulação da ressonância sensorial".
O primeiro parágrafo de uma patente que foi preenchida em 2001 pode parecer um emaranhado de palavras difíceis, contudo ele mostra algo que costuma ser taxado de "papo de louco". Sim: a televisão pode te manipular.
Veja bem, não estamos tratando de conteúdo e notícias fabricadas — apesar de elas também entrarem em certas equações —, mas sim de uma patente que mostra como o campo eletromagnético e imagens/sons pulsados por monitores podem manipular o seu sistema nervoso.
Até o teórico da conspiração mais preguiçoso terá os ânimos inflados após saber mais sobre quem assina a patente: Hendricus G. Loos, um homem que trabalhou durante anos na DARPA. A DARPA, sigla de Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, nada mais é do que uma agência norte-americana com orçamento de US$ 2,8 bilhões que pesquisa, estuda e desenvolve as tecnologias mais diversas, que vão desde "surpresas tecnológicas" até "soluções militares".
Hendricus deixa claro na patente: "muitos monitores de computador e telas de TV emitem campos eletromagnéticos com amplitudes suficientes para causar uma estimulação. Por isso, é possível manipular o sistema nervoso de um indivíduo ao pulsar imagens em monitores ou televisores próximos".
A televisão está influenciando o seu sistema nervoso?
- A patente US6506148 B2 explica como desenvolver uma ferramenta para ser colocada em monitores e também cita sucesso em alguns testes — apesar de falhar em apresentar dados mais concisos sobre esses experimentos. E para entender um pouco sobre a real possibilidade de tudo que G. Loos indica, conversamos com três pessoas-chave: o médico neurologista e mestre em neurociência pela Universidade de Oxford, Martin Portner, o neurocientista Aristides Brito e o médico neurologista Luis Felipe Berchielli.
Agora, se você acredita que está pronto para entender como a televisão pode afetar o seu humor e até suas ações cotidianas, talvez seja o momento de desligar a TV aí do lado e rolar a página.
O sistema nervoso pode ser influenciado?
Sistema nervoso
Um pouco antes de você entender se é possível manipular alguém por impulsos, é preciso entender como funciona esse "alguém".
"O sistema nervoso é o grande maestro do corpo humano", disse Luis Felipe, explicando de maneira simples. "Ele controla todas as funções do nosso organismo, sendo composto por cérebro, cerebelo, medula espinhal e suas ramificações, os nervos".
De maneira mais profunda, é possível dizer que o sistema nervoso possui três sistemas especializados: o primeiro foca no recebimento das informações do mundo à nossa volta através dos órgãos dos sentidos; o segundo é o sistema que cuida das nossas ações; enquanto o terceiro é uma imensa zona de processamento para fazer com que as informações neuroelétricas que entram sejam compreendidas e adequadamente transferidas ao sistema que cuida das respostas comportamentais. "Pode parecer complexo, mas, no fundo, é receber, entender e agir", disse Martin Portner.
O sistema nervoso é uma orquestra que realiza operações precisas de ligações temporárias de bilhões de neurônios a todo instante
Isso significa que todas as atividades dos músculos em seu corpo, sejam pensadas ou automáticas, são controladas pelo sistema nervoso. A sua coordenação motora, a movimentação dos órgãos e o início de todas as ações partem desse sistema.
Sobre o funcionamento, Martin Portner comentou o seguinte: "O segredo do funcionamento do sistema nervoso é a maneira como esses neurônios curtos ou longos se articulam. Eles são individuais e nunca emendados, porém são capazes de se conectar de ponta a ponta através de substâncias químicas. Neurônios são preparados para transmitir uma pequena corrente elétrica de uma extremidade a outra. Substâncias químicas chamadas de neurotransmissores permitem que a corrente elétrica de um neurônio “salte” para o seguinte, para o próximo e assim por diante. Dessa forma, o sistema nervoso organiza um tráfego de minicorrentes elétricas em seu interior". Entendeu? Não? Veja o exemplo:
"Tomemos como exemplo o ato de assoviar, o que requer alguns milhares de neurônios temporariamente unidos. Agora, assoviar os primeiros acordes de Eine Kleine Nachtmusik, de Mozart, provavelmente vai parar na casa dos milhões de neurônios curtos e longos. O sistema nervoso é uma inimaginável orquestra que realiza operações precisas de ligações temporárias de bilhões de neurônios a todo instante".
Influência
As influencias externas são diversas sobre o sistema nervoso. Normalmente, já somos influenciados e manipulados por vários meios. Por exemplo, o clima e a temperatura.
"Um exemplo disso acontece quando estamos realizando uma atividade física, mesmo que leve. Devido ao exercício, nosso corpo aumenta a temperatura, que, no caso dos mamíferos, deve se manter constante, apresentando pouca variação. No caso do ser humano, essa variação fica entre 35,5 e 36,5 graus. Para isso, o sistema nervoso autônomo estimula as glândulas sudoríparas, levando à sudorese, que dispersa o calor produzido pelo exercício físico. Outra situação que acontece também durante a atividade física é o aumento da frequência cardíaca em decorrência do aumento da demanda metabólica dos músculos", explicou Luis Felipe Berchielli.
"A percepção do clima (visão ao redor, sensação térmica na pele) e da temperatura (pele) são alguns exemplos, mas a todo instante recebemos complexas informações de luz, cor e sombra pela visão, sonoridades dos mais variados tipos pela audição, além de sabores e cheiros de tudo com o que nos alimentamos", também explicou Portner.
A maior parte das operações é realizada em modo automático
TecMundo: Você citou assoviar Mozart, que provavelmente utiliza parte desse sistema. Contudo, isso é de maneira consciente. E sobre o que acontece ao redor de nós?
Martin Portner: "Se assoviar Nachtmusik já é um desafio, imagine o gigantesco aparato necessário para processar tudo o que acontece à nossa volta. E aqui reside um aspecto importante. Diante do volume extraordinário de minicorrentes elétricas recebida pelo sistema nervoso, este cuida para que a imensa maioria não chegue à consciência humana. Não nos damos conta de 99% do que acontece nos corredores do sistema nervoso porque, do contrário, seríamos levados a um estado de insanidade. Já informações complexas que necessitam de decisões igualmente complexas são levadas à consciência para ações maduras."
TecMundo: E o sistema nervoso automático?
Martin Portner: "Muitos de nossos comportamentos são realizados de forma automática. Informações do exterior são processadas no cérebro e o sistema nervoso dispara ações aprendidas e consideradas apropriadas para cada caso. Dessa forma, dirigimos um automóvel com movimentos automáticos enquanto a consciência se ocupa de decodificar os sinais do trânsito.
A manutenção da temperatura corporal, como exemplo, possui um sistema dedicado de controle, com imensas ramificações de neurônios no sistema nervoso central e periférico. Variações na temperatura externa são registradas, processadas e acionam um sensor térmico que cuida de restringir ou aumentar a perda de calor no organismo. A mesma coisa acontece com sede, fome, apetite sexual, entre outras coisas – a maior parte dessas operações é realizada em modo automático."
O sistema nervoso sofre diversas influências ao longo do dia
Tudo é subliminar
Você pode checar a patente US6506148 B2 que já mencionamos clicando aqui. Ao final do estudo, Hendricus G. Loos declara o seguinte: "É evidente que o sistema nervoso humano pode ser manipulado por pulsos de imagens subliminares na TV". Faltam provas cabais, neste estudo específico, porém existem diversos outros sobre imagens subliminares, por exemplo.
TecMundo: Quando falamos em imagens, elas realmente podem manipular o nosso sistema? Elas podem induzir o nosso sistema a tomar algumas ações "automáticas"?
Martin Portner: "Sabe-se que certas imagens podem ser 'pulsadas' (o termo se refere a impulsos visuais misturados com um fluxo de imagens da televisão ou do computador, por exemplo) e subliminarmente percebidas pelo sistema nervoso enquanto a consciência está 'ocupada' com um tema central. Pode, portanto, haver certa manipulação externa do sistema nervoso. Se a informação for encaminhada para setores automáticos, que vão suscitar respostas aprendidas e testadas. Se adquirirem vulto microelétrico dentro do cérebro, chamarão a atenção da consciência.
A ideia poderá ficar armazenada em seu cérebro como informação
Porém, é considerado improvável que mensagens subliminares desse tipo suscitem respostas novas, não aprendidas previamente, de tipo complexo; estas dependem essencialmente da participação da consciência. Portanto, estímulos visuais pulsados para o sistema nervoso poderão gerar interesse – pela consciência – ou permanecer como informações subconscientes, aguardando processamento e decisão futura".
Isso significa, de acordo com o neurologista Portner, que imagens e sons pulsados por monitores não vão fazer você tomar ações nunca antes tomadas — pelo menos em curto prazo. Por exemplo, caso seja projetado incessantemente para você pular de uma janela no 20° andar, você não fará isso. Porém, a ideia poderá ficar armazenada em seu cérebro como informação — e, bem, o futuro é outra história.
Mensagens subliminares são proibidas em propagandas no Brasil
Depois de imagens, também é preciso entender as frequências sonoras. O neurocientista Aristides Brito entrou na conversa e ajudou a esclarecer o assunto quando falamos sobre sons emitidos dos monitores.
TecMundo: E o som? Uma frequência sonora também poderia induzir o nosso sistema? Caso sim, o som seria de certa maneira mais potente que a imagem para influenciar?
Aristides Brito: "Quando estudamos neurociências, percebemos que a matéria nada mais é do que uma combinação de energia (eletricidade) em determinada frequência e que quando os neurônios realizam as sinapses eles estão em processos químicos que geram eletricidade. Isso determina frequências, percebidas e avaliadas em exames que leem esses sinais e impulsos. Então, entender que as vibrações de determinadas ondas podem alterar a matéria é bem simples, já que isso acontece o tempo inteiro quando formamos os nossos pensamentos".
- Para você entender de maneira simples, Portner apresenta um exemplo:
Martin Portner: "Um especialista de marketing norte-americano chamado Roy Williams sublinha que as informações sonoras são mais importantes do que as visuais. Consideremos o fenômeno do branding, em que registramos interesse por determinada marca de produto. Mesmo fazendo algo diferente, se o rádio estiver ligado estaremos, em algum nível, prestando atenção ao que está sendo dito. Não temos como desligar a audição; visualmente, é possível fechar os olhos e ignorar o comercial da TV, mas não temos como deixar de escutar.
O celular é ainda mais viável para isso
Especialistas no assunto indicam não ser acidental que o startup do Windows seja acompanhado de sonoridade; a intenção é preparar o usuário para uma experiência positiva. Quando o designer Brian Eno integrou a equipe de programadores da Microsoft, ele teria instruído que a música de startup do Windows 95 deveria ser universal, inspiradora, emocional e durar 3,25 segundos. Trata-se efetivamente de uma manipulação externa, sonora, agindo no nível das zonas de processamento do sistema nervoso".
TecMundo: Com os aparelhos existentes no mercado, o quão difícil seria projetar um dispositivo que emita pulsações eletromagnéticas específicas — ou as citadas pela patente?
Aristides Brito: "Honestamente, eu sou um curioso da matéria e acompanho muitas coisas que estão sendo desenvolvidas pela Universidade da Singularidade nos EUA, em particular pelo neurocientista Miguel Nicolelis, então vejo isso como algo próximo da realidade. Hoje já recomendo em minhas palestras que você não durma com o celular do lado na cabeceira, pois sabemos de alguns casos, ainda não comprovados por estudos próprios, e que esses aparelhos podem gerar problemas no repouso devido às ondas que emitem. Então, pensar em algo que trabalhe com esse binômio de frequência entre pulsos e matéria, partindo do princípio de que as sinapses emitem ondas, é muito fácil de compreender e aceitar. Se formos pensar na física quântica então, fica mais fácil ainda."
TecMundo: Além dos monitores, como a patente mostra, seria possível disparar essas frequências de hertz por meio de outros dispositivos (celular, rádio etc.)?
Aristides Brito: "Eu penso que o celular é ainda mais viável para isso; embora tenha que desenvolver e entender as frequências em que as sinapses ocorrem, há um fundamento existente de que os neurônios se comunicam através dessas frequências — e desenvolver isso é uma questão de tempo."
Frequências podem influenciar?
Somos influenciados: sim ou não?
A conversa com os neurologistas Martin Portner e Luis Felipe Berchielli e com o neurocientista Aristides Brito serviu como base para você entender as opiniões sobre a patente US6506148 B2. Com isso, chegamos ao ponto final:
TecMundo: Você acredita que seria possível desenvolver uma pulsação/frequência que realmente influenciasse o sistema nervoso de uma pessoa, como a patente indica?
Aristides Brito: "Sim. Se pensarmos que hoje estudamos psicomotricidade e que a fisioterapia já desenvolve técnicas que nada mais são do que impulsos elétricos para criar movimento em áreas lesionadas, é muito plausível que isso ocorra muito em breve."
Luis Felipe Berchielli: "Sim. Uma experiência foi realizada em 1957 em um cinema nos Estados Unidos, na qual as frases 'COMA PIPOCA' e 'BEBA REFRIGERANTE' eram inseridas de maneira muito rápida durante a projeção do filme. Isso resultou em um aumento nas vendas do refrigerante e da pipoca. Ainda hoje, as campanhas publicitárias se utilizam de jingles e filmes promocionais, que tentam cativar os seus clientes através de emoções novas ou de resgate de memórias antigas."
A decisão final de uma ação é por conta do influenciado
Martin Portner: "Considere o seguinte experimento: pesquisadores das Universidades de Manheim e Los Angeles, trabalhando em conjunto, examinaram voluntários que se submetiam à ressonância magnética do cérebro enquanto escolhiam cartas de um baralho. Eles deveriam escolher cartas que lhes trouxessem mais vantagem e, para isso, precisavam pensar e decidir. Nesse ínterim, imagens subliminares de faces de pessoas hostis eram apresentadas em flashes e posteriormente as decisões de escolhas de cartas foram analisadas. Observou-se que as faces hostis traziam prejuízo à concentração e as cartas mais vantajosas do baralho não eram escolhidas. Com isso, perdia-se em termos cognitivos."
Portner comentou que as decisões racionais "estão submetidas ao processamento de informações emocionais agindo na camada subconsciente do sistema nervoso". Exatamente por isso, na esfera do trabalho, por exemplo, não se pode dizer que existem “decisões inteligentes ou racionais” se o grau de inteligência emocional do colaborador e sua inserção na esfera organizacional não forem levados em conta.
Ou seja: "processamentos emocionais ocultos induzidos por imagens ou sons subliminares" podem influenciar, mas a decisão final de uma ação é por conta do influenciado, após uma racionalização.
No final das contas, quem manda em suas ações é você
A decisão é sua, a tentativa é deles
Hendricus G. Loos, o dono da patente US6506148 B2, também desenvolveu outros estudos e patentes sobre o cérebro humano e como influenciar o sistema nervoso. Todos envolvem campos eletromagnéticos, imagens e sons emitidos por monitores ou dispositivos de áudio.
Loos também é praticamente um fantasma: quase não existem informações sobre ele. Sabe-se pouco: trabalhou na Plasmadyne Corporation nos anos 50 e publicou artigos no jornal American Physical Society. Nos anos 80, trabalhando na Laguna Research Laboratory, se envolveu em projetos do Departamento de Defesa norte-americano e também da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, a DARPA.
A DARPA criou uma tecnologia em que soldados controlam máquinas com o pensamento
O que ele realmente fez, além de ter assinado as patentes de controle do sistema nervoso, ninguém sabe. Ao que parece, as ações de Loos continuarão um mistério por algum tempo.
No começo deste ano, especificamente em janeiro de 2016, a DARPA anunciou uma nova tecnologia que permite que soldados norte-americanos consigam controlar máquinas com o pensamento. A ideia, de acordo com a Agência, é que os soldados utilizem um dispositivo neural implantável (com apenas 1 centímetro cúbico).
Na época, Phillip Alvelda, gerente do Design de Sistema de Engenharia Neural (NESD), comentou o seguinte: “Os melhores sistemas de interface entre computador e cérebro de hoje são como dois supercomputadores tentando conversar usando um modem antigo de 300 bauds. Imagine o que vai se tornar possível quando melhorarmos nossas ferramentas para realmente abrir o canal entre a mente humana e os eletrônicos modernos”.
Pode ser que Hendricus G. Loos estivesse pavimentando ações como essa, que buscam uma integração entre homem e máquina. Mas também pode ser que não.