Eduardo Braga é um jovem comum. Tem 25 anos, é universitário, mora no Rio Grande do Sul e trabalha em uma locadora de games mantida por seus pais. Na internet, porém, ele é conhecido por defender a Apple com unhas e dentes em discussões que muitas vezes ultrapassam cinco dezenas de mensagens recheadas de ódio.
Nos termos mais populares da web, ele poderia ser considerado um fanboy – ou seja, alguém que é tão obcecado por alguma coisa que não aguenta ouvir opiniões contrárias ou qualquer tipo de crítica sobre esse algo. A expressão se popularizou como uma ofensa em fóruns e redes sociais e, no mercado de tecnologia, costuma estar atrelada a quem é apaixonado por determinada marca ou sistema operacional.
“Eu comecei a ser fã da Apple em 2011, quando o Steve Jobs apresentou o iPhone 4”, afirma Eduardo, em uma conversa por email com a nossa equipe. Também foi o seu amor pela Maçã e seus aparelhos que incentivou o gaúcho a estudar design. “O que eu tenho? Um MacBook, um iPad, um iPhone, um Airport e uma Apple TV. Tudo está sincronizado na minha conta, e eu nunca teria essa experiência caso eu tivesse um aparelho Android”, comenta.
A Apple é uma das marcas mais idolatradas no mundo da tecnologia
É um pouco difícil explicar minha paixão pela empresa
A companhia dirigida por Tim Cook é, sem dúvidas, uma das principais “religiões” dentro do fanatismo tecnológico – tanto que não é nada difícil encontrar constantes bate-bocas no campo de comentários do TecMundo. Basta que uma nova notícia (positiva ou negativa, pouco importa) sobre a marca seja publicada para que em poucos minutos tenhamos confrontos ferrenhos entre internautas que parecem dever sua vida aos gadgets de Jobs.
“É um pouco difícil explicar minha paixão pela empresa, mas a Apple é a única marca que oferece qualidade para os usuários. Conheço muitas pessoas que, após poucos meses de uso, tiveram problemas em seu aparelho com Android e os apps não funcionam tão bem”, defende Eduardo, antes de investir em um enorme texto comentando sobre como as invenções da Maçã são incríveis.
Veja a alegria dessa moça ao comprar um novo iPhone no dia de seu lançamento
Uma relação de amor e ódio
Quem trabalha com jornalismo de tecnologia já está acostumado a lidar com ameaças
Embora estejamos acostumados a associar fanboys ao mercado de tecnologia, trata-se de um fenômeno que acontece em diversas outras áreas – existem milhões de aficionados por clubes esportivos, bandas musicais, grifes de luxo e assim por diante. Em outros setores, os fanáticos às vezes são chamados de brand lovers, termo em inglês que significa algo como “amante das marcas”. O grande problema é quando esse amor exacerbado acaba se transformando em intolerância e é demonstrado em público com discursos de ódio.
Se você acompanha o TecMundo ou até mesmo o TecMundo Games, com certeza já presenciou uma série de discussões nos campos de comentários nas quais internautas defendem com unhas e dentes as suas corporações prediletas. Afinal, o iOS é melhor do que o Android? Devo comprar um LG G5 ou um Samsung Galaxy S7? O Windows 10 Mobile tem alguma chance de triunfar sobre os outros sistemas operacionais?
A guerra é tão intensa que quem trabalha com jornalismo de tecnologia já está acostumado a lidar com ameaças e a receber mensagens ofensivas o tempo todo. Basta a mais leve das críticas para despertar a ira desse tipo de fanático. A adoração de um logotipo deixa de ser uma prática normal para adentrar o campo da psicopatia quando a violência entra em campo – e é aí que o fanboy se transforma em outras figurinhas carimbadas do mundo virtual, como o troll e o hater.
Também há guerras de fanboys no mercado de jogos
Os limites do fanatismo
Para entender melhor o que leva alguém a se tornar um fanboy, o TecMundo entrevistou Aristides Brito, neurocientista especializado em psicologia do consumidor. As marcas andam trabalhando com personalidades e valores muitos fortes — e esse posicionamento acaba gerando fortes laços emocionais com o cliente. “Por outro lado, os indivíduos estão sem referência, pois os pais estão cada vez mais distantes, correndo suas carreiras e vida profissional. Surgem lacunas que acabam sendo preenchidas pelas marcas”, explica.
Esses consumidores, quando não são atendidos, podem causar danos para as companhias
“É muito comum as pessoas se identificarem com as empresas, por conta de suas posturas apresentadas no mercado, e isso cria afinidade. A partir daí alguns acabam se encontrando nessas histórias e se aproximando demais das marcas e empresas. Quando jovem é comum querermos consumir produtos de determinadas companhias para adquirir status, por exemplo. Isso acaba percorrendo a vida adulta também e ficando cada vez mais sério”, complementa Aristides.
Ainda assim, o neurocientista alerta: “Quando esse fanatismo se transforma em uma obsessão, algo exagerado, pode se tornar perigoso, pois o indivíduo começa a cobrar uma relação mais exclusiva da marca, o que vai piorando com o passar do tempo, a ponto de ele achar que a empresa tem obrigações com aquela pessoa. Esses consumidores, quando não são atendidos, podem causar danos para as companhias, pois vão falar mal dela na internet, e em alguns casos até ser agressivas com os seus profissionais”.
Uma típica cena na seção de comentários do TecMundo
Guerra ou estratégia de marketing?
Nem todas as gigantes do mercado de tecnologia agem de forma indiferente sobre esse assunto. A chinesa Xiaomi, por exemplo, é conhecida por incentivar essa cultura em seus usuários, que são chamados carinhosamente de “Mi Fãs”. A verdade é que a companhia parece ter encontrado a melhor forma possível de usar o amor exacerbado de alguns de seus clientes para promover seus próprios produtos – afinal, há males que vêm para o bem.
Seus próprios clientes se responsabilizam por usar as redes sociais para fazer o marketing boca a boca
Durante o evento de lançamento do Redmi 2 no Brasil, o brasileiro Hugo Barra (que ocupa o cargo de vice-presidente executivo da marca) fez questão de frisar que a Xiaomi “vive para os seus fãs”. Essa mesma posição é ressaltada no site corporativo da companhia. Como resultado, a empresa quase não gasta com publicidade na hora de divulgar seus produtos, já que seus próprios clientes se responsabilizam por usar as redes sociais para fazer o marketing boca a boca. A ausência desse investimento se reflete em preços menores para os consumidores.
Para engajar seus fãs, a corporação caprichou em uma comunicação informal, uma identidade visual bastante jovem e um sistema colaborativo para a criação de seu principal produto, a interface MIUI. Todos os feedbacks dos usuários são de fato absorvidos pela equipe de desenvolvimento, de forma que a ROM acaba sendo moldada de acordo com a preferência do consumidor. É por isso que existem centenas de fóruns ao redor do globo frequentados pelos famosos Mi Fãs.
A Xiaomi soube usar seus "Mi Fãs" como estratégia de marketing
Aristides concorda que é possível usar o fanatismo a favor de uma marca. “É só olhar uma fila de um lançamento de um novo celular para entender isso. Se a empresa direcionar esse sentimento [de fanatismo] para atrair essas pessoas, ela acaba passando um atributo de uma grande marca, pois quem ainda não a conhece vai ter um sentimento de que o produto ou marca devem ser muito bons para ter essa fila, por exemplo. Na maioria dos casos, as companhias escolhem esses fanáticos para serem multiplicadores nas redes sociais e em outros ambientes, como eventos específicos”, comenta.
“É extremamente positivo para o marketing de uma empresa ter seguidores que possam reforçar seus conceitos e qualidades, mas saber administrá-los com cuidado para que isso não se volte contra é muito importante, pois, nessa área, amor se transformar em ódio pode significar acabar com um negócio ou marca de uma empresa”, finaliza o especialista.
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