Por Juliana Algodoal.
O fascínio que a inteligência artificial provoca no ser humano já vem de décadas, bem como o desenvolvimento desse tipo de tecnologia. Mesmo no universo da ficção, não é de hoje que nos deparamos com questões relacionadas à interação entre pessoas e máquinas que adquiriram uma capacidade mais avançada de raciocínio lógico.
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Um exemplo é o filme “Blade Runner”, que já em 1982 colocava os replicantes, ou réplicas artificiais de humanos, realizando funções produtivas consideradas perigosas ou nocivas para a nossa espécie. Curiosamente, a história é ambientada em 2019, que, na esfera da realidade, foi o último ano pré-pandemia. E sabemos que a crise desencadeada em 2020 pelo vírus acelerou transformações relacionadas a avanços como o da digitalização, que têm tudo a ver com a IA.
De certa maneira, “Blade Runner” inteligentemente antecipou dilemas atuais, entre eles o da substituição de pessoas por robôs no trabalho. A diferença é que, no filme, o recorte de atividades profissionais era bem específico, enquanto atualmente muitas pessoas temem perder o lugar para uma máquina mesmo em funções supostamente mais nobres.
Para debatermos esse aspecto, chama a atenção outro ponto levantado pela ficção de mais de 40 anos atrás. Os replicantes tinham emoções programadas e não genuínas, embora alguns aparentemente começassem a desenvolver sentimentos reais. Podemos transpor essa dualidade para pensar sobre determinadas características requeridas no mercado de trabalho e se elas poderiam ser proporcionadas por inteligências artificiais.
Será que a IA terá emoções similares ao dos humanos?
O que o ser humano tem de mais especial é escutar, refletir e falar. Tomadas em plenitude, essas três ações não são – e me arrisco a dizer que dificilmente serão – realizadas pela inteligência artificial nos mesmos níveis de complexidade e profundidade que as pessoas conseguem atingir.
Ultimamente, ganha relevância no mercado a chamada humanização do atendimento. Trata-se de tornar a interação dos robôs com os humanos, especialmente em relações comerciais, menos fria e automatizada, mais personalizada e acolhedora. Porém, por mais que as ferramentas utilizadas para esses fins sejam aperfeiçoadas, não é difícil perceber se estamos nos comunicando com uma máquina ou com uma pessoa.
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Assim, o pulo do gato no que se refere às conjecturas sobre a substituição de humanos por robôs no trabalho é justamente a comunicação. Em suas múltiplas e interconectadas nuances, a capacidade de se comunicar de uma forma que estabeleça conexões com a essência do interlocutor é exclusivamente nossa, considerando as emoções e os sentimentos envolvidos na interação.
No entanto, é preciso distinguir nessa análise a boa comunicação daquela que é rasa. Chegamos, então, a um ponto fundamental da questão. Profissionais que tenham habilidades de comunicação desenvolvidas são os que estarão mais blindadas contra a ameaça de substituição pela inteligência artificial.
Aliás, a pessoa que não possui essas habilidades fica mais vulnerável no mercado, não só na concorrência com os robôs, mas também em relação aos profissionais humanos que estejam mais bem preparados que ela nesse quesito.
No embate com as máquinas, os diferenciais humanos podem ser trabalhados na voz, nos gestos, na própria construção do raciocínio, no planejamento da fala. E todos esses tópicos devem ser continuamente desenvolvidos, seguindo a máxima do “lifelong learning” – educação continuada.
Claro que a inteligência artificial também está em continuo desenvolvimento. E esse é mais um fator que deve servir de motivação para que o profissional humano persiga uma evolução constante enquanto ser comunicante.
Um dos nossos trunfos nessa esfera está no que chamo de inteligência comunicacional. Somos capazes de ter uma visão ampla de contexto. Conseguimos fazer leituras de ambiente que proporcionam um dinamismo único nas adequações, adaptações, interpretações e correções de rota necessárias durante um processo de comunicação.
Uma das maiores diferenças dos profissionais e da IA é a inteligência comunicacional.
No universo da programação, à medida que avançam, as tecnologias criam códigos cada vez mais sofisticados para os sistemas operacionais. Contudo, existe uma codificação tão particularmente humana que nem as inteligências artificiais mais elaboradas conseguem reproduzir à altura.
Refiro-me à comunicação no que ela tem de mais emocional, de único na constituição de cada indivíduo e ao mesmo tempo de característico da nossa espécie. Esse componente tem algo de intangível, de indecifrável, não cabendo, portanto, dentro de uma inteligência que não seja naturalmente nossa, por mais que tentemos produzir robôs à imagem e semelhança dos seres humanos.
Um replicante sempre será uma réplica. Dando a ele as tarefas mais automatizadas, abrimos espaço e liberamos tempo para uma comunicação ainda mais inovadora e criativa, ainda mais humana entre as pessoas. Esse me parece ser o caminho, a ser trilhado para uma convivência harmônica entre as diversas formas de inteligência que habitam o planeta.
Ou, nas palavras de Vittorio Cretella, CIO da multinacional de bens de consumo Procter and Gamble: “A maioria das aplicações bem-sucedidas de IA vai ampliar as habilidades humanas, e não simplesmente as substituir”, cabendo às pessoas analisar e identificar padrões antes de buscar uma solução algorítmica.
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Por Juliana Algodoal, é PhD em Análise do Discurso em Situação de Trabalho – Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e fundadora da empresa Linguagem Direta.
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