A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) usou um programa secreto para monitorar a localização de cidadãos durante os três primeiros anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A informação foi revelada nesta terça-feira (14) pelo jornal O Globo, que obteve documentos sobre o caso.
De acordo com o jornal, a agência utilizou uma ferramenta chamada FirstMile, desenvolvido pela empresa israelenese Cognyte — conhecida anteriormente como Verint. O programa permite rastrear a localização de um cidadão apenas digitando o número de seu telefone celular, identificando a "área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G".
O software teria sido contratado por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, e permitiria identificar a localização de até 10 mil pessoas em um período de 12 meses. No entanto, a Abin não teria autorização para fazer uso do serviço, violando assim o direito à privacidade dos cidadãos.
Com o FirsMile, a agência conseguia identificar onde estava um telefone a partir da comunicação com torres aproximadas. Assim, seria possível acessar um histórico de regiões por onde um aparelho passou e até criar um alerta em tempo real de movimentações. A ferramenta teria sido adquirida ainda em 2018, sob a gestão de Michel Temer, e foi utilizada até 2021, segundo as informações do veículo.
Abin teria espionado localização de celulares brasileiros na gestão Bolsonaro.
Citando o sigilo contratual, a Cognyte afirmou que não poderia comentar o caso, assim como Caio Cruz, responsável pela contratação do software e filho do general Santos Cruz, ex-ministro na gestão anterior. Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin na gestão Bolsonaro, além da própria agência, não comentaram a reportagem.
Usado sem registros
Em contato com integrantes da Abin, o jornal revela que a ferramenta de espionagem era usada sem necessidade de registros sobre as pesquisas. Em teoria, qualquer celular de qualquer pessoa poderia ter sua localização revelada, ainda que de forma não oficial, inclusive contra os próprios agentes.
A contratação do FirstMile teria sido alvo de um procedimento interno para apurar sua utilização. Sob anonimato, um "integrante do alto escalão da Abin" teria afirmado ao Globo que o sistema era operado sob um "limbo legal" baseado no acesso aos metadados, prática que não seria expressamente proibida pela lei.
A justificativa da agência, entretanto, seria utilizá-la em casos de "segurança de Estado", deixando de fora a possibilidade de quebra de sigilo telefônico. O mesmo agente, entretanto, também afirma que o software era usado "sem controle" e que não há registros de acessos indevidos.
A Controladoria Geral da União (CGU) afirmou, também hoje, que vai averiguar o caso e apurar a responsabilidade de servidores.
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