Recentemente, veio à tona o triste caso da atriz Klara Castanho, que foi vítima de um dos crimes mais covardes que existem: o estupro. Depois de descobrir a gravidez adiantada, decidiu seguir com a gestação e entregar o bebê para adoção. Foi uma decisão dela e somente dela, e ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de se meter. Tudo o que ela fez foi dentro da lei e autorizado pelo artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O caso por si só já é escabroso. A conduta de alguns dos “profissionais” da Saúde que a atenderam é digna de denúncia e punição pelos Órgãos de Classe, e as manifestações sobre o ocorrido também são de uma ignorância sem tamanho e renderia outro artigo sobre os haters que destilam ódio nas redes sociais e falam mais do que a boca, só esperando a ocorrência de algo que vá contra o que eles pensam ou acreditam para "meterem o pau". Sim! Estou me posicionando em favor dela. Do ser humano, do respeito à vítima!
Mas nada disso teria ocorrido se o hospital onde ela foi atendida não tivesse deixado "escapar" essas informações, já que, como noticiado amplamente pela mídia, uma das enfermeiras teria insinuado que vazaria essa informação para um colunista, que, curiosamente, é o mesmo que publicou a triste história (já apagada, mas o estrago já tinha sido feito).
O fato de o vazamento ter ocorrido e o de uma apresentadora ter realizado uma live totalmente dissociada da realidade e da empatia, em que "tripudiou" sobre a vítima, fizeram o caso ganhar ainda mais repercussão.
O ponto central é o vazamento dos dados, então vamos focar nisso
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no inciso II, do artigo 5¹, define os dados referentes à saúde ou à vida sexual como sendo pessoais sensíveis (os mais importantes do ser humano), que só podem ser divulgados ou compartilhados com a permissão do titular que tem o direito à intimidade e à privacidade assegurados pelos incisos I, IV e VII dos artigos 2² e 17³, bem como pela Constituição Federal.
É lícito ao hospital tratar esses dados, é claro, pois em qualquer procedimento médico é preciso que as informações de saúde do paciente sejam de conhecimento dos profissionais, a fim de evitar complicações, mas esses mesmos dados devem obrigatoriamente permanecer em sigilo, o que não ocorreu.
Fonte: Shutterstock
Neste caso, o hospital é simultaneamente o controlador e o operador dos dados da paciente, e sua responsabilização pelos vazamentos se dá na forma do artigo 42, não importando se quem vazou os dados foi a enfermeira ou outro empregado do hospital, porque eles são representantes do nosocômio (olha que palavra bonita para dizer hospital), seguindo o que está no inciso III do artigo 932 do Código Civil.
É fato que houve um incidente de segurança, então o controlador (o hospital) é obrigado a comunicar a ANDP.
Olha só, não importa se o caso é ou não referente a uma pessoa famosa, não é nada disso. Qualquer vazamento de informações é um incidente de segurança, nesse caso é um isolado. Se o caso fosse com uma pessoa anônima, seria a mesma situação e também com a mesma gravidade, tal como, infelizmente, ocorreu no último mês o caso de uma criança que engravidou por causa de um estupro.
Se o hospital não fizer essa comunicação, pior ainda para ele, porque mesmo que supostamente o hospital tivesse tomado todas as medidas para evitar vazamentos, ele ocorreu, então, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) pode aplicar qualquer uma das sanções previstas na lei, desde advertência até multas altíssimas no âmbito administrativo.
No âmbito civil, a atriz, como qualquer outro paciente que tenha seus dados vazados da forma como ocorreu nesse caso, pode processar o hospital por danos morais e solicitar a reparação deles por meio de uma indenização a ser fixada pelo Poder Judiciário, levando em conta diversos elementos do caso. E que a indenização seja alta para servir de exemplo para que essa situação não se repita, pois só assim, "doendo no bolso", é que empresas e pessoas aprenderão a respeitar a privacidade alheia.
- Veja também: Quanto mais dados, mais importante são as pessoas
Não é porque ela é atriz que isso é permitido. Isso é um direito de todos os cidadãos, independente de serem famosos ou anônimos. A privacidade de todos deve ser respeitada, ainda mais em se tratando de um fato tão grave e triste, que só interessava à vítima, mas que foi exposto ao julgamento de pessoas sem qualquer relação com o caso.
Mas e a pessoa que vazou os dados? Essa também pode e deve ser processada juntamente com o hospital, de forma solidária, e se o hospital tiver que pagar a indenização, terá direito de regresso contra ela para fazê-la pagar todos os valores que foram desembolsados, ou seja, se a pessoa fez isso apenas para aparecer, agora vai ter que arcar com todos os prejuízos que ela mesma ocasionou. O que se espera é que situações como essa não se repitam, mas, se se repetirem, que todos sejam devidamente responsabilizados.
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