Foi publicada recentemente notícia, que o Nubank pagará aos seus clientes selecionados, R$ 450,00 se eles responderem a um questionário prévio sobre o imposto de renda e sobre investimentos, e se forem escolhidos para participar de uma segunda etapa dessa pesquisa, ou seja, não é só responder o questionário e pronto! Ganhou. O Nubank tem que te escolher, e sabe-se lá quais os critérios dessa escolha.
Muita gente adorou a “promoção”, afinal, é “só” responder uma pesquisa e embolsar o dinheiro. Apenas R$ 450,00 por seus mais preciosos dados que são os seus dados do imposto de renda, que ninguém tem acesso a não ser com ordem judicial ou se você fornecer.
Acontece que praticamente ninguém está preocupado em saber o que será feito com os seus dados, já que o Nubank nem esclareceu qual o propósito dessa “pesquisa” e o que será feito com os dados recolhidos, contrariando o inciso I do artigo 6 da LGPD¹, que determina que seja explicado para qual fim esses dados serão tratados.
Fonte: Shutterstock
Pela LGPD brasileira – Lei Geral de Proteção de Dados, é obrigatório que todas as empresas informem por qual razão nossos dados são recolhidos e o que é feito com eles, e o tratamento só pode ser realizado de acordo com a autorização que foi dada por nós, mas essa autorização só pode ser dada se soubermos, antes, o que será feito.
Os R$ 450,00 anunciados, na verdade são um chamariz para os mais desavisados, mas como você leu este artigo, não vai simplesmente cair nessa. Se aceitar dar os seus dados, será de forma consciente.
Não é porque o cliente do banco aceitou participar e deu Ok, que o Nubank pode meramente recolher essas informações e usar como quiser. Ele, como qualquer outra empresa, é obrigado a expor de forma antecipada para qual fim específico os dados serão usados.
Imaginem uma situação hipotética onde o Nubank use essas informações para saber quem é considerado bom ou mau cliente, baseado apenas nas informações prestadas pelos participantes, e use essas informações para cobrar taxas maiores ou menores, baseado na renda e no patrimônio de cada um.
Se você soubesse disso antecipadamente, teria participado? Se sim, tudo bem. Não há nada de errado. A questão fica por conta de quem não teria participado se tivesse conhecimento.
Ainda, pode ser que o Nubank esteja infringindo o inciso IV do artigo 4, o inciso III do artigo 8, artigo 43, do Código de Defesa do Consumidor, já que todos os clientes do banco são considerados como consumidores, então, têm direito à informação.
Mas mesmo que o Nubank diga que esses dados serão utilizados para uma pesquisa sobre investimentos, você não acha que “essa informação não informa nada”? Não é muito genérica? Pesquisa de investimentos com qual finalidade? Por quanto tempo os dados ficarão armazenados? E os dados de quem não for selecionado, serão excluídos ou ficarão armazenados? Então, podemos dizer que tudo está em desacordo com o artigo 9 da LGPD².
E é claro que o Nubank não vai escolher todos os seus clientes para participarem da segunda fase, então quer dizer que todos os outros participantes forneceram seus dados gratuitamente ao Nubank e não receberam nada por isso, e nem sabem o que será feito com esses dados.
Grande negócio para o Nubank, pode ser um prejuízo para os clientes
Prejuízo porque o cliente está vendendo os seus dados mais valiosos por míseros R$ 450,00! É isso mesmo! Míseros R$ 450,00! É óbvio que os dados do imposto de renda valem muito mais, já que o cliente vai praticamente abrir toda a vida financeira e patrimonial, e isso, na minha opinião, vale muito mais do que essa quantia.
Então, o conselho é: antes de fornecer os seus dados, questione qual a finalidade. Esqueça os R$ 450,00 e foque no que pode ser feito com todos esses dados que você vai compartilhar, e lembre-se de que mesmo que a LGPD obrigue o Nubank, ou qualquer outra empresa a apagar esses dados, é impossível ter certeza de que isso será feito.
Mas se você aceitar fornecer esses dados, que o faça de forma consciente e sabendo dos riscos que você pode correr.
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- ¹Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: I - finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;
- ²Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso: I - finalidade específica do tratamento; II - forma e duração do tratamento, observados os segredos comercial e industrial; III - identificação do controlador; IV - informações de contato do controlador; V informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade; VI - responsabilidades dos agentes que realizarão o tratamento; e VII - direitos do titular, com menção explícita aos direitos contidos no art. 18 desta Lei.
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Rofis Elias Filho, colunista do TecMundo, é geek e advogado, apaixonado por tecnologia desde pequeno. Foi o primeiro da rua a ter internet em casa, em 1994, e se especializou em Direito da Informática no Brasil e em Portugal. Hoje, é professor da mesma matéria em diversas instituições, tendo sido coordenador-executivo da pós-graduação da ESA/SP. É sócio do escritório Elias Filho Advogados, que advoga para diversas empresas de tecnologia no Brasil e no exterior. Siga nas redes sociais para mais dicas: @eliasfilhoadv.
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