Aproxima-se a data da cerimônia mais importante para o cinema mundial: o Oscar. Enquanto isso, aqui no Brasil, o filme da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), lei nº. 13.709/2018, já estreou e tem muito consumidor por aí protagonizando cenas minimamente curiosas ao reclamar do cumprimento dela por parte das empresas com as quais se relaciona.
Os atendentes das empresas também não ficam atrás e nos brindam com atuações memoráveis. É sinal de que podemos esperar algumas boas sequências a serem exibidas nos palcos da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Poder Judiciário.
Com efeito, a plataforma mais popular de solução de conflitos entre consumidores e empresas na internet, Reclame Aqui, registrou – somente no último mês – exatas 574 reclamações que contêm menção expressa ao termo “LGPD”. Por amostragem, analisamos 30 reclamações, ou seja, 5% do total, e extraímos algumas métricas interessantes. Veja.
- Vinte e três por cento das reclamações não contaram com nenhuma resposta por parte das empresas envolvidas, mesmo já tendo transcorrido o prazo de 15 dias previsto na LGPD para exercício de direito de acesso (ressalta-se que muitas das solicitações não se referem exatamente ao direito de acesso, e mais: não nos parece adequado assumir que o prazo previsto na lei teria contagem a partir de mera provocação via Reclame Aqui).
- Vinte por cento das reclamações foram concluídas na plataforma, com avaliação média de atendimento de 5,5 (de 0 a 10).
- Os temas mais recorrentes tratam de ligações indesejadas (46%), coleta excessiva ou irregular de dados (16%), bem como cobrança indevida e exclusão de dados (13%).
- Os maiores setores-alvo foram telecomunicações (20%), varejo (16%) e bancário (10%).
Preservando a identidade tanto de empresas como de consumidores, trazemos a seguir nossas 5 indicações ao Oscar de melhor filme, deixando à escolha do público definir o ganhador.
1) A primeira indicação vai para a história do consumidor que reclamou do recebimento de e-mails de cobranças de débitos de terceiros (que revelavam dados pessoais destes). O consumidor acertadamente alega que a empresa estaria promovendo um vazamento de dados desses terceiros. Ao fim, porém, cansado dos trâmites para a solução do caso, o consumidor encontra uma solução inusitada para a reclamação: anuncia que, se continuar recebendo os e-mails, irá postar prints na internet marcando a empresa responsável, ou seja, a solução para um vazamento de dados é outro (e mais expressivo).
2) A segunda indicação se remete ao enredo do caso em que o consumidor solicitou o cancelamento de conta e exclusão de dados, os quais demoraram para ser efetivados. O clímax da história ocorre quando, em resposta à solicitação, o atendente resolve frisar, em pleno março de 2021, que a empresa ainda está “buscando soluções para se adaptar à LGPD”, ou seja, acaba revelando que a empresa sequer iniciou projeto de conformidade com a lei.
3) A terceira indicação vai para uma história de terror que conta com uma pitada de LGPD. O consumidor se volta contra a empresa de varejo que entregou o produto (uma televisão) no endereço do vizinho, deixando à mostra a nota fiscal, que continha seus dados pessoais e, obviamente, o valor da compra. O consumidor expõe à empresa que sua maior preocupação nesse caso decorre do fato de que ele já teria sido assaltado recentemente por um vizinho e, portanto, teme que agora a vizinhança saiba que ele possui uma televisão nova.
4) A quarta indicação vai para o enredo que teve como protagonista um consumidor que travou uma discussão técnica com o atendente da empresa sobre cookies e, ao final, afirmou que, apesar de continuar entendendo que o comportamento da empresa é abusivo, daria boa nota e aceitaria a conclusão da reclamação, pois recebeu respostas rápidas que demonstraram o conhecimento do atendente sobre o assunto.
5) A última indicação vai para a história do consumidor que conduziu uma investigação particular e entendeu que determinada empresa que o contatava constantemente via telefone teria sido alvo de um incidente de segurança envolvendo dados pessoais. O destaque vai para o final surpreendente no qual o consumidor frustra a expectativa de todos (esperava-se que ele solicitasse algum tipo de indenização) e pede, na verdade, à empresa que notifique o mais rápido possível a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
A mera existência do páreo acima ressalta (i) a importância da LGPD para a sociedade e a sua abrangência; (ii) a relevância da cooperação entre autoridades de defesa do consumidor e ANPD — a esse respeito, comemora-se novamente o recente acordo travado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a ANPD; e (iii) para empresas, a necessidade de se providenciar um atendimento próximo e significativo, ainda que a decisão não seja favorável ao pleito do consumidor.
Quanto ao Oscar, façam as suas apostas e fiquem tranquilos, pois essa é somente a primeira de muitas edições.
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Paulo Vidigal, colunista do TecMundo, é sócio do escritório Prado Vidigal, especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados, certificado pela International Association of Privacy Professionals (CIPP/E), pós-graduado em MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, com extensão em Privacidade e Proteção de Dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Privacy by Design pela Ryerson University.
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