Bem, que muitas das pesquisas em tecnologia só realmente ganham verba para serem desenvolvidas devido ao seu potencial militar, muita gente já sabe faz tempo. Mas oficializar a criação de armas autônomas em bancos de universidades pode abrir um precedente muito perigoso. Por isso mesmo é que a comunidade global do setor está preocupada: mais de 50 líderes em inteligência artificial (IA) e robótica vêm se juntando a um boicote ao programa de criação de “robôs atiradores”, da Korea Advanced Institute of Science and Technology (KAIST), universidade localizada na Coreia do Sul.
Boicote proíbe todo contato e colaboração acadêmica com o KAIST até que a instituição estabeleça garantias
A ação coordenada vem como mensagem antecipada de uma reunião das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, na próxima semana. A pauta será justamente o desenvolvimento de máquinas ofensivas independentes que usam IA e o controle que a sociedade terá para conter atividades envolvendo essas unidades.
“Podemos ver protótipos de armas autônomas sendo desenvolvidas atualmente em muitos países, incluindo nos Estados Unidos, na China, na Rússia e no Reino Unido. Estamos presos a uma corrida armamentista que ninguém quer que aconteça. As ações do KAIST só irão acelerar esse processo e não podemos tolerar isso”, comenta o organizador do movimento, Toby Walsh, professor da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.
O DRC-Hubo, da divisão de robótica da KAIST
Os signatários incluem alguns dos especialistas no assunto em todo o mundo, principalmente os educadores Geoffrey Hinton, Yoshua Bengio e Jü rgen Schmidhuber. O boicote proíbe todo contato e colaboração acadêmica com o KAIST até que a instituição estabeleça garantias de que o armamento construído terá “controle humano significativo”.
KAIST anunciou parceria para desenvolvimento de armas
O que mais motivou esse boicote foi um recente anúncio da KAIST: em fevereiro, a instituição afirmou que havia fechado uma parceria para a construção de um centro de pesquisa conjunta com a companhia de defesa sul-coreana Hanwha Systems. De acordo com o Korean Times, o objetivo dessa união é “desenvolver tecnologias de IA para serem aplicadas em armas militares, que seriam capazes de busca e eliminar sem o controle humano”.
A KAIST é uma universidade de pesquisa de classe mundial no setor de robótica e IA
O que também chama muita atenção é que essa cooperação reúne duas das principais organizações robóticas e militares do mundo. O KAIST é uma universidade de pesquisa de classe mundial, conhecida por trabalhos como o autômato transformador DRC-HUBO, vencedor do desafio DARPA de 2015.
A Hanwha Systems, por sua vez, é a subsidiária de defesa do poderoso conglomerado Hanwha, que já está envolvido no desenvolvimento de armas autônomas, a exemplo do Sentinela SGR-A1, que supostamente foi implantado na fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. A empresa também constrói munições cluster, proibidas por tratados internacionais — embora muitos países se abstenham dessa proibição, incluindo a Coreia do Sul, os EUA, a Rússia e a China.
Construção de armas autônomas é inevitável
Ainda que o boicote contra a KAIST seja significativo, especialistas acreditam que uma campanha contra o desenvolvimento de armas autônomas não devem impedir a fabricação das mesmas. Antes, líderes em IA e robótica escreviam para a Organização das Nações Unidas (ONU), argumentando que armas que matam sem intervenção humana podem desestabilizar o mundo e deveriam ser controladas por tratado internacional.
As armas autônomas permitirão que a guerra seja travada mais rapidamente e em uma escala maior do que nunca, diz Toby Walsh
A ideia até recebeu apoio internacional de 19 países, incluindo Egito, Argentina e Paquistão. Mas outras opinões de peso, como as dos Estados Unidos e as do Reino Unido, dizem que tal legislação seria impraticável, devido à impossibilidade de definir o que constitui ou não o “controle humano”.
O Wildcat, da Boston Dynamics, pode alcançar até 32 km/h e seu desenvolvimento, assim como pesquisas semelhantes, são financiadas pelo setor de defesa avançada do governo estadunidense
Muitos sistemas já possuem pelo menos alguns recursos autônomos, incluindo drones e redes de defesa antimísseis. Para Walsh e outros defensores de maior monitoramento sobre o setor, o perigo é grande demais para que todos sejamos complacentes. "Se desenvolvidas, as armas autônomas permitirão que a guerra seja travada mais rapidamente e em uma escala maior do que nunca. Esta caixa de Pandora, depois de aberta, será difícil de ser fechada."
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