Eu comecei a utilizar o serviço do Uber antes mesmo de a empresa iniciar sua atuação em Curitiba, onde resido. Pouco depois, o app começou a funcionar por aqui, e eu o adotei como meu principal meio de locomoção depois do transporte coletivo da cidade. Enfrentei junto com os motoristas do serviço a fúria dos taxistas e fui obrigado a fingir ser filho de um homem que nem se parecia comigo para despistar o pessoal do táxi no Aeroporto Internacional Afonso Pena. Meu único problema com o Uber realmente era tarifa dinâmica, que de início foi bem agressiva. Só que, em julho deste ano, minha conta foi hackeada.
Uma vez que você for hackeado no Uber, é praticamente impossível reaver sua conta como ela era antes
Minha experiência com o suporte do Uber até aquele momento vinha sendo ótima. Eles resolviam problemas de cobranças indevidas em poucos minutos, e, por causa disso, eu nunca precisei me preocupar com motoristas errando o caminho. Mas foi quando eu mais precisei desse suporte que percebi o quão falho ele é. Uma vez que você for hackeado no Uber (o que parece ser algo relativamente comum), é praticamente impossível reaver sua conta como ela era antes. Eu explico:
Meu primeiro contato com o suporte do Uber para falar sobre esse hack foi no dia 30 de julho deste ano. Eu expliquei que havia recebido notificações do Nubank dizendo que eu havia acabado de comprar um cartão-presente de US$ 100. Na época, eu nem sabia que o Uber vendia isso. Bloqueei o cartão prontamente e logo recebi SMS do Banco do Brasil avisando que eu havia feito mais três compras de US$ 100 cada no meu Ourocard. Ou seja, o prejuízo tinha chegado a US$ 400, o equivalente a R$ 1,3 mil na cotação de hoje.
A primeira resposta que eu obtive do Uber foi negativa
Também bloqueei meu cartão do BB, e o banco fez o estorno em poucos dias. O pessoal do Nubank, entretanto, me pediu para resolver a situação com o Uber antes de fazer um estorno e emitir um novo cartão. Afinal, o cartão em si não tinha sido comprometido, apenas minha conta no Uber. Fez sentido.
Mas a primeira resposta que eu obtive do Uber foi negativa. A empresa afirmou que não faria o reembolso, pois, de acordo com meus dados de uso que eles guardam, parecia que eu tinha mesmo feito aquelas compras.
Primeira resposta do Uber ao meu problema
Primeiro: eu nunca tinha comprado cartões-presentes do Uber, sequer sabia que eles existiam. E se eu o fizesse, não seria em dólares, mas sim em reais. Afinal, eu estava no Brasil e não tinha planos para viajar aos EUA. Segundo: o nome dos usuários que receberam meus cartões-presente eram compostos de símbolos e letras aleatórias. Imediatamente, consegui pensar em duas indicações claras de uma fraude. Eu pesquisei no Google e descobri que esse tipo golpe existe desde 2016, e o Uber sabe exatamente como ele funciona. Portanto, por que esse tipo de tratamento com uma vítima?
Em um novo contato, falei que tomaria providências legais contra o Uber, e o suporte então começou a me pedir capturas de tela dos emails relacionados aos cartões-presente, bem como fotos dos meus cartões de crédito e da minha CNH. Depois de muita luta e discussão com pessoas diferentes, eles finalmente me reembolsaram, mas deixaram minha conta bloqueada. Não conseguia sequer fazer login no app. Mudei minha senha múltiplas vezes depois disso, porém não adiantou. Entrei em contato com o suporte novamente e, depois de enviar mais fotos de documentos e cartões, eles liberaram a conta.
Me colocaram em uma 'lista negra' no Uber mesmo eu tendo usado o serviço por quase 2 anos de forma supernormal
No entanto, para minha surpresa, eu não tinha mais permissão para adicionar qualquer cartão de crédito ou débito no meu Uber. Também não funcionava com a PayPal. Eu tentei adicionar cartões de outras pessoas à minha conta, mas também não obtive sucesso. Cartões em meu nome — mesmo o novo do BB que chegou depois do hack — não funcionam em contas de outras pessoas também. Em resumo, eles me colocaram em uma “lista negra” no Uber mesmo eu tendo usado o serviço por quase 2 anos de forma supernormal. Por conta de um hack misterioso, eu fui punido.
Falei incontáveis vezes com o suporte do Uber para tentar usar a conta novamente, e eles sempre me pediam as mesmas coisas: fotos dos documentos e cartões. Em seguida, diziam que o bloqueio temporário havia sido desfeito. Inocente, eu tentava repetidamente adicionar meios de pagamento, mas nada de resultados.
Apesar de informarem que estava liberada para inserir cartões, minha conta continuava na mesma
Durante os meses em que lutei com o suporte do Uber, estava usando o Cabify, que é mais caro e não opera em todos os bairros de Curitiba. Mais um motivo para ficar irritado com essa situação toda. Recentemente, entretanto, começou a operar por aqui o 99Pop, que tem a mesma abrangência do Uber e preços compatíveis. Adotei essa alternativa e tentei excluir minha conta do Uber, já que ela não servia para mais nada. Precisei responder novamente as mesmas “mil perguntas” acerca do hack que eu já havia respondido anteriormente para, só depois de vários dias, conseguir excluir a tal conta.
Com uma rápida pesquisa no Twitter, percebi que outras pessoas também estavam passando pelo mesmo problema no Uber ou por situações similares. Muita gente simplesmente tem suas contas bloqueadas sem saber o porquê, e o Uber nunca esclarece nada disso. Alguns usuários suspeitam estarem bloqueados pelo simples fato de morarem em regiões periféricas de grandes cidades brasileiras, onde não conseguem chamar carros.
O que diz o Uber
Eu contatei a assessoria da empresa para esclarecer o assunto, mas a companhia falou que não poderia dar detalhes sobre o processo de bloqueio de contas por questões de segurança. Para sete perguntas, obtive apenas esta resposta que você confere:
“A Uber é uma plataforma presente em mais de 70 países e usada por 65 milhões de usuários em todo o mundo. Diariamente, são realizadas cerca de 10 milhões de viagens. A desativação temporária da conta de alguns desses usuários pode ser realizada por motivos de segurança, tanto da plataforma quanto do próprio usuário. Quando isso acontece, informamos a situação ao usuário por meio do canal de ajuda do aplicativo e, muitas vezes, solicitamos informações adicionais para analisar o caso e regularizar a situação no menor tempo possível.”
Eu perguntei sobre as principais razões para as pessoas terem suas contas bloqueadas, sobre o protocolo de atendimento ao cliente hackeado — que chega a ser cômico de tão ineficiente —, entre outras coisas, mas a companhia prefere não tocar nesses pontos sensíveis.
Mais vítimas
Antes que você ache que esta é apenas uma birra minha com o Uber, vou lhe apresentar Lívia Luz, moradora da cidade do Rio de Janeiro. Ela também teve sua conta hackeada, e uma série de viagens em outro continente foram feitas através dela. Lívia ainda está nos estágios iniciais do sofrimento que é lidar com isso, mas me relatou muitas das mesmas experiências que eu tive.
Ela foi vítima de um golpe de phishing por SMS de um remetente que se identificava como o Uber. “Não passou muito tempo, eu comecei a receber notificações do Nubank como se eu estivesse gastando dinheiro pelo Uber, mas eu estava no trabalho”, disse Lívia, que também foi surpreendia com cobranças em moeda estrangeira. “Quando eu abri o aplicativo, vi que fizeram umas duas ou três viagens, mas os valores não eram em reais. Aí eu comecei a receber mensagens do Uber em árabe”, completou.
Lívia foi hackeada através de um golpe de phishing
Aí foi uma novela. Eles falaram que, quando a conta foi hackeada, parece que geraram mais duas contas com meus dados
Quando percebeu que sua conta havia sido hackeada, Lívia bloqueou seu cartão de crédito e entrou em contato com o suporte do Uber. “Aí foi uma novela. Eles falaram que, quando a conta foi hackeada, parece que geraram mais duas contas com meus dados e levaram uns dias para recuperar minha conta”, esclareceu.
Lívia precisou passar pelas mesmas dificuldades que eu, enviando documentos repetidamente, talvez até mais, porque ela teve problemas em redefinir sua senha. Com medo de ser vítima de fraude novamente, ela pediu um novo cartão do Nubank, mas, quando o plástico chegou, ela não conseguiu adicionar os dados de pagamento. Em outras palavras, ela também está na “lista negra”.
Cada vez que você fala com eles, é uma nova pessoa que vem te atender, e parece que ela não lê o histórico do problema
“Como eu tenho um Itaucard, resolvi tentar com esse, mas ele também não foi. Pedi o cartão de uma amiga, não foi também”. Novamente, Lívia contatou o suporte do Uber. Segundo ela, a situação se arrasta há mais de 15 dias e não há previsão para uma solução. “Cada vez me pedem o documento de novo. Já pediram selfie, já pediram foto do cartão, print do problema. Cada vez que você fala com eles, é uma nova pessoa que vem te atender, e parece que ela não lê o histórico do problema”, completou.
Outra vítima do suporte do Uber é Éric Goulart, de Porto Alegre. Ele percebeu que sua conta estava bloqueada através do UberEats. “Fui cadastrar um cartão de crédito para comprar pelo UberEats, mas não dava certo”, comentou. Depois de algumas tentativas, ele recebeu a mensagem que você confere.
Éric não sabe por que sua conta foi bloqueada
“Desde então, mandei mensagem para o Uber questionando o porquê de eu estar bloqueado, mas não obtive nenhuma resposta”, disse o usuário. Éric é só mais uma das pessoas prejudicadas pelas misteriosas políticas de bloqueio do Uber. Eu não tenho dúvidas de que elas previnem muitas fraudes, mas está provado que elas não são tão eficientes quanto a empresa acredita.
Usuários são bloqueados frequentemente sem saber o porquê, sem nem mesmo serem informados a respeito. Eles descobrem em cima da hora, quando precisam usar o serviço, e não é difícil encontrar exemplos. Em setembro, o G1 reportou que uma jornalista do ES havia sido hackeada em um caso similar ao de Lívia. Corridas vinham sendo feitas em seu nome na Rússia e com o cartão corporativo da empresa em que ela trabalhava.
Um cara da empresa ligou perguntando se eu estava na Rússia
“Um cara da empresa ligou perguntando se eu estava na Rússia, pois o cartão da empresa tinha recebido várias cobranças de corridas feitas lá. Eu fiquei sem entender, porque meu aplicativo nem estava mais instalado. Eu nunca estive na Rússia”, disse Débora Sonegethi ao G1. Se há relatos na imprensa, além uma quantidade de usuários reclamando em redes sociais como o Twitter e Facebook, é porque o problema não é insignificante como a declaração oficial do Uber faz parecer.
Como o Uber pode melhorar
Quase todos os smartphones top de linha e boa parte dos intermediários atuais possuem leitores de impressão digital ou outros métodos de autenticação biométrica. Uma boa forma de evitar fraudes seria pedir para que a pessoa confirme sua identidade usando o dedo ou os olhos antes de realizar qualquer compra no app do Uber ou de chamar um carro. Não acredito que isso possa comprometer a usabilidade, sendo que biometria hoje é algo tão simples e rápido em smartphones. Em aparelhos que não possuem o recurso, a pessoa poderia confirmar dados simples de digitar, como dia de nascimento ou nome do meio da mãe.
Mas o que realmente precisa melhorar é o suporte do Uber. Sempre que você envia uma mensagem, uma pessoa diferente o atende, e elas não conferem ou não podem conferir o histórico do problema que você vem tratando. Se o usuário tem acesso fácil a isso, por que o atendente parece não ter?
Depois de muitos contatos, percebi também que todas as mensagens que o suporte envia aos clientes parecem vindas de um repertório pronto. Aparentemente, eles simplesmente copiam, colam e apertam 'Enter' sem resolver nada. Fico me perguntando se esse pessoal trabalha com metas de perguntas respondidas, pois tudo parece muito mecânico, robótico mesmo.
Proteja-se contra Phishing
Diferente de Lívia, eu não tenho ideia de como minha conta pode ter sido comprometida. Como parte do meu trabalho é analisar smartphones, eu precisava instalar e reinstalar o Uber muitas vezes e não descarto a possibilidade de ter cometido algum erro nesse processo quase automático e colocado meus dados onde não devia.
Aqueles golpes que você vê no WhatsApp com certa frequência não fazem jus à dimensão dessa indústria criminosa no nosso país
Por isso, é importante você estar muito atento a qualquer coisa suspeita. Phishing no Brasil é coisa séria e pode enganar qualquer pessoa. Aqueles golpes que você vê no WhatsApp com certa frequência não fazem jus à dimensão dessa indústria criminosa no nosso país. Há boatos de que criadores de phishing brasileiros são inclusive referência para fraudes no exterior pela “qualidade” em seu trabalho.
Mas caso você não conheça essa história, Phishing é um dos métodos de ataque mais antigos, já que "metade do trabalho" é enganar o usuário de computador ou smartphone. Em termos populares, o cibercriminoso “joga um verde para colher um maduro”. Com informações públicas suas disponíveis na internet, eles o convencem a clicar em algum link ou a preencher algum formulário.
Para não cair nesse tipo de golpe, você precisa ficar atento aos links recebidos por mensagem ou email e checar o remetente — não clicar em coisas recebidas de contatos desconhecidos é a máxima. Além disso, se você está com uma dúvida, não insira os seus dados pessoais sem confirmar com outra pessoa, pode ser amigo ou familiar.
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