A conturbada situação da guerra civil que desola a Síria há anos voltou a ganhar destaque no mundo todo depois que a intensificação das batalhas na cidade de Aleppo – a segunda maior do país – fez a população local ficar presa em meio a uma situação desesperadora. Enquanto o exército de Bashar al-Assad avança para eliminar os remanescentes rebeldes, militantes não combatentes, jornalistas e vítimas do conflito compartilharam relatos chocantes por meio das redes sociais.
“Acho que isso é um adeus. Obrigado a todos que ficaram ao nosso lado e rezaram por nós, mas agora está quase tudo acabado e faltam apenas horas para eles nos matarem”, disse o repórter e ativista sírio Rami Zien. “Estamos encarando um tipo desconhecido de morte, mas é certamente morte, já que nos deixaram sozinhos #minhasultimaspalavras”, acrescentou em outra postagem, pouco antes de saber de um cessar-fogo temporário que salvou sua vida.
U guess it's goodbye..
— Rami Zien (@Rami_Zien) 12 de dezembro de 2016
Thanks all who stand for us and pay for us.
But it's almost over and they are just hours away of killing us
We are facing unknown type if death....
— Rami Zien (@Rami_Zien) 13 de dezembro de 2016
But it's certainly death after everyone let us alone.#mylastwords
Defensora da chamada “Revolução Síria”, Lina Shamy instigou todas as pessoas do mundo a agir a fim de “parar o genocídio”. “Para todos que puderem me ouvir, estamos aqui expostos a um genocídio na cidade cercada de Aleppo. Este pode ser meu último vídeo. Mais de 50 mil pessoas que se rebelaram contra o ditador Bashar al-Assad são ameaçadas com execuções em campo ou morte em bombardeios”, afirmou em uma gravação.
To everyone who can hear me!#SaveAleppo#SaveHumanity pic.twitter.com/cbExEMKqEY
— Lina shamy (@Linashamy) 12 de dezembro de 2016
Apelo por ajuda
Em meio a montes de outros relatos similares, um vídeo em particular ressoou com o público do mundo inteiro. Nele, crianças que acabaram se tornando órfãs devido à guerra fazem um apelo para que organizações internacionais se esforcem e os ajudem a conseguir sair da cidade, onde vivem enclausurados em meio às batalhas armadas e aos bombardeios.
A jovem Yasmin Kanuz, de 10 anos, ressalta para a câmera que a mensagem em questão pode ser a última vez que ela será vista caso não consigam ser evacuados da zona de combate. “Essa é uma mensagem [para pedir que organizações de] direitos humanos e infantis do mundo inteiro nos ajudem a sair de Aleppo agora. Há 47 crianças aqui comigo e eu considero todos meus irmãos e minhas irmãs. Nós precisamos de água e comida. Estamos famintos e com medo dos ataques aéreos”, afirma a garota.
Outro medo da população local levantou uma polêmica ainda mais sombria. Relatos informam que, com receio de que suas esposas e irmãs sejam estupradas e torturadas pelo exército sírio, pais de família questionaram o líder religioso Muhammad Al-Yaqoubi para saber se poderiam matá-las antes que isso acontecesse.
We are receiving from Aleppo questions like this one, can a man kill his wife or sister before she is raped by Assad Forces in front of him?
— Muhammad Al-Yaqoubi (@Shaykhabulhuda) 13 de dezembro de 2016
A situação despertou uma mobilização nas redes sociais, com pessoas demonstrando tristeza e revolta pelo sofrimento da população da cidade sitiada. “Você não tem que ser sírio para sentir a dor deles, basta ser humano. Erga sua voz por Aleppo”, afirmou um usuário do Twitter. “Criança alguma deveria viver assim”, acrescentou outra pessoa na rede social.
You don't have to be Syrian to feel their pain, you have to be human. Raise your voice for Aleppo. #prayforaleppo #Aleppo
— Mousa (@last_moose) 14 de dezembro de 2016
No children should live like this #Aleppo pic.twitter.com/vmKd4noSU5
— LEBRON (@iLebron23) 13 de dezembro de 2016
Como chegou a esse ponto?
Bashar al-Assad está no poder desde o ano 2000, quando sucedeu seu pai na liderança da Síria. O conflito atual começou quando, em março de 2011, adolescentes que picharam mensagens contra o governo foram presos e torturados pelas forças nacionais de segurança. O ocorrido gerou protestos que, também reprimidos violentamente, originaram uma escalada na disputa e a criação de um grupo de rebeldes que exigem a saída de Assad.
Não demorou muito até que a rebelião armada da oposição passasse por transformações, com o número de simples opositores ao governo da Síria sendo gradualmente superado pelo de grupos fanáticos religiosos. O Estado islâmico entrou no meio da história, mas assumiu uma posição ambígua que os coloca em conflito tanto com rebeldes mais moderados quanto com jihadistas.
A cidade de Aleppo já sofre com o conflito prolongado
A partir de 2014, Estados Unidos, Reino Unido e França passaram a realizar bombardeios no país, mirando alvos terroristas e evitando atacar as forças do governo sírio – ao mesmo tempo, apontam Assad como culpado por muitas atrocidades e exigem sua renúncia. A Rússia, por sua vez, começou a fazer os próprios ataques aéreos no ano passado, visando estabilizar o governo atual do país e apoiando a permanência do governante atual.
E agora?
Outros países da região, como Arábia Saudita, Irã e Turquia, por exemplo, também se envolveram na guerra civil – alguns apoiando Assad, outros do lado dos rebeldes. Com toda essa pressão e interferências externas, não é de se estranhar que o conflito continue mesmo após tanto tempo. Atualmente, a ONU estima que a tragédia já resultou em 400 mil mortos e mais de 4,8 milhões de refugiados.
Embora outras áreas da Síria estejam em situação bem melhor do que a cidade que é centro da disputa atual, nem tudo está funcionando perfeitamente por lá. O nosso redator Paulo Bonilauri, que conhece pessoas que estão no país, afirma que a comida é escassa e falta eletricidade mesmo em áreas onde a guerra teve menos efeitos. “Antes faltava força uma ou duas vezes por dia, geralmente à noite. Agora é mais frequente e está até mais difícil manter contato, já que os blackouts acontecem a cada 2 horas e duram 4 horas”, afirma.
Sem escapatória, a população de Aleppo vive em meio a ruínas
Como nenhum dos lados consegue eliminar o outro completamente, a única solução que pode dar certo é um acordo entre os dois com termos decididos com consentimento mútuo. Negociações de paz vêm sendo tentadas pela comunidade internacional há algum tempo e resultaram em períodos de trégua, mas que até agora acabaram durando pouco. Por enquanto, o futuro continua incerto para os moradores de Aleppo e da Síria como um todo.
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