Quando falamos na tecnologia Auto-Tune, é difícil não vir à mente a imagem de um artista pouco talentoso que só conseguiu um lugar ao sol graças ao maravilhoso software. No entanto, basta investigar um pouco mais a indústria da música para perceber que o uso desse programa abrange desde os “sucessos do momento” até artistas consagrados de talento indiscutível.
A característica mais interessante do software não é exatamente a maneira como ele funciona, mas sim suas origens. A invenção do “corretor milagroso” tem origem no trabalho que seu inventor, Andy Hildebrand, desempenhou durante o período em que trabalhou na Exxon Production Research e na Landmark Graphics, companhias ligadas à área da exploração do petróleo.
Origem na sismologia
O “pai” do Auto-Tune pode ser considerado um software que processava dados a partir de técnicas de sismologia reflexiva, método que usa ondas sísmicas para estimar as propriedades da subsuperfície da Terra. A inovação foi considerada bastante eficiente para sua época, o que rendeu a seu criador uma grande quantidade de dinheiro.
O sucesso do programa permitiu ao engenheiro usar seu talento (e sua riqueza) para investir naquela que era sua verdadeira paixão: a música. Flautista profissional desde sua infância, Hildebrand encontrou um meio de transferir seus conhecimentos para essa área ao criar, em 1990, a Antares Audio Technologies, companhia focada no processamento de músicas digitais e em softwares de amostragem.
O software de análises sismográficas de Hildebrand
A ideia de desenvolver o Auto-Tune surgiu em algum momento de 1996 ou 1997, quando um distribuidor ligado à Antares mencionou que seria ótimo se sua mulher conseguisse cantar sempre em um tom afinado. Pensando sobre isso, Hildebrand chegou à conclusão que o mesmo tipo de processamento que ele utilizava na indústria do petróleo também serviria para corrigir a afinação de uma pessoa.
“O processamento de dados sísmicos envolve a manipulação de dados acústicos em relação a uma variante de tempo linear e a um sistema desconhecido (o modelo da Terra) com o propósito de determinar e esclarecer as influências envolvidas, o que ajuda a aprimorar a interpretação geológica”, explicou ele ao site NOVA.
“Tecnologias coincidentes (similares) incluem a correlação (determinação de estatísticas), codificação preditiva linear (deconvolução), síntese (modelagem direta), análise de formato (melhorias espectrais) e o processamento de integridade para minimizar artefatos. Todas essas tecnologias são compartilhadas entre a música e as aplicações geofísicas”, complementa.
Um software revolucionário
Embora houvesse maneiras de corrigir a afinação antes do surgimento do Auto-Tune, isso não era um processo fácil. Além de ser extremamente competente, o programa se provou fácil de usar, permitindo que um engenheiro de áudio configurasse uma afinação e deixasse a cargo do software realizar automaticamente as mudanças adequadas.
“As pessoas não conseguiam acreditar no que estavam ouvindo”, afirmou Hildebrand a Greg Milner, autor do livro “Perfecting Sound Forever”. “Eu tive trabalho em convencer várias delas de que não estava as enganando”, lembra. Segundo o engenheiro, a intenção da invenção era permitir que os artistas se preocupassem mais com aspectos emocionais do que com elementos técnicos na hora de realizar uma gravação.
“O primeiro take de um cantor costuma ser seu melhor, cheio de vitalidade e emoção”, disse Hildebrand em uma entrevista concedida à NPR. “Depois desse take, o produtor vai dizer ‘ótimo, mas o segundo verso estava desafinado então vamos fazê-lo novamente’. Bom, agora o cantor está mais preocupado com isso e tem que se focar na entonação, deixando a vitalidade e a emoção fora da performance. O que o Auto-Tune faz é permitir que o produtor arrume esse primeiro take”, explicou.
Embora tenha ganhado popularidade rapidamente, o programa foi tratado como um “segredo” até o momento em que a cantora Cher decidiu usá-lo em sua música “Believe”, na qual o software foi utilizado de forma agressiva para criar um som robótico. “A maioria dos estúdios estava usando isso para a correção de afinação. Eles não gostavam de falar sobre o que estavam fazendo”, afirmou Hildebrand. “Eles não tornavam público o fato de que estavam consertando a afinação dos cantores, mas estavam... [Cher] só foi a primeira a deixar isso claro”, complementou.
Em defesa da ferramenta
Muito criticado por supostamente dar visibilidade a artistas sem talento, o Auto-Tune é bastante defendido pela indústria da música. “É uma ferramenta ótima e totalmente aceitável”, afirma o produtor Patt Dillett. “Estamos tentando consertar a afinação há anos. Muito antes do Auto-Tune, usávamos muitos outros métodos... Para acelerar as coisas, desacelerá-las, colocá-las de volta [na faixa] e deixá-las certas. Era realmente difícil, então estou feliz que facilitamos isso”, explica.
Obviamente, nem todos estão felizes com o que o software consegue proporcionar. Entre os críticos está a revista Times, que elegeu o programa como uma das 50 piores invenções da história e chegou a compará-lo a modificações corporais e a cirurgias plásticas. Alguns artistas também se juntaram aos protestos — caso de Jay Z, que lançou um álbum “anti-Auto-Tune” que contém a faixa “D.O.A. (Death of Auto-Tune)”.
No geral, o público parece ter se acostumado com o uso do corretor e está contente em simplesmente aproveitar canções sem se importar com a maneira como elas foram gravadas — tal como nos acostumamos às imagens editadas que aparecem em capas de revistas. Até por isso, parece ser estranho quando parte do público se choca quando surge na internet um áudio inalterado de algum artista cantando de maneira desagradável.
O caso mais recente disso envolve a cantora Britney Spears, que foi alvo de várias críticas devido a uma performance nada agradável que surgiu na internet recentemente. Porém, temos que ser sinceros: na prática, isso em nada deve afetar a carreira da artista, tampouco serve para apagar o fato de que, provavelmente, em sua coleção de músicas favoritas deve haver muitas que só puderam ser gravadas corretamente graças ao Auto-Tune.
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