A empolgação com a inteligência artificial generativa tem levado a uma enorme valorização das empresas do setor e exigido investimentos cada vez maiores em busca da superinteligência. Mas ao mesmo tempo, algumas dessas startups enfrentam problemas com seus produtos e sofrem prejuízos, acendendo um sinal de alerta.
Dona do ChatGPT, que deu início ao boom da IA generativa, a OpenAI deve alcançar US$ 3,7 bilhões em receitas ao final de 2024, o equivalente a R$ 22,1 bilhões pela cotação atual. Por outro lado, estima-se perdas de US$ 5 bilhões (R$ 29,8 bilhões), que tendem a aumentar no próximo ano, conforme previsão do The New York Times.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Para diminuir o impacto em seus cofres, a desenvolvedora obteve um aporte de US$ 6,6 bilhões (R$ 39,4 bilhões) após uma nova rodada de investimentos, em outubro, com a participação de Microsoft, Nvidia e Softbank, entre outros investidores. Depois disso, ela passou a ser avaliada em US$ 157 bilhões (R$ 937 bilhões).
Esse movimento — lançamento de um produto inovador, crescimento acelerado, investimentos vultosos e ações batendo recordes — tem feito especialistas compararem o momento atual com o que aconteceu entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000. Estaríamos vivenciando uma bolha da IA, semelhante à “bolha ponto com”?
O que foi a bolha da internet?
No contexto econômico, uma bolha se refere a situações nas quais o preço de um ativo excede, de forma exagerada, seu valor intrínseco, podendo resultar em prejuízos gigantescos quando ela estourar. Isso ocorreu com empresas que tinham negócios relacionados à internet na passagem do século XX para o XXI.
A internet começou a crescer na primeira metade dos anos 1990, quando saiu dos ambientes acadêmico, militar e governamental. Na parte final da década, ela se tornou bastante popular, levando ao surgimento de empresas interessadas em aproveitar a demanda por PCs e serviços online para lucrar — várias delas abriram o capital sem gerar lucros.
Em meio a muita euforia, financiamentos, confiança no crescimento e enorme especulação, as ações das empresas de tecnologia chegaram a valorizar 600% em apenas um dia. Com isso, o índice Nasdaq Composite foi a 5.132 pontos no dia 10 de março de 2000, sua máxima histórica até aquele momento.
O cenário começou a mudar pouco tempo depois, quando investidores passarama notar que o valor das ações crescia de maneira injustificada. Diante do medo de perder dinheiro, eles começaram a vender seus papéis desesperadamente, com a Nasdaq registrando uma desvalorização de aproximadamente 76% em 2001.
Como consequência da queda das ações, muitas empresas foram à falência mesmo com a internet se tornando indispensável, movimento que ficou conhecido como o estouro da bolha da internet. Estima-se que pelo menos 500 empresas que trabalhavam de alguma forma com o ambiente digital tenham quebrado no período.
Apesar das centenas de falências causadas pela bolha financeira que afetou o setor tecnológico no início dos anos 2000, muitas companhias sobreviveram e passaram por grandes reestruturações, reavaliando os modelos adotados para se adequar à nova realidade. Amazon, PayPal e eBay foram algumas delas.
Há risco de acontecer o mesmo com a IA?
Apesar de as avaliações das ações e a empolgação dos investidores de IA não terem alcançado os mesmos picos do início deste século, o momento atual apresenta algumas semelhanças, como observa a Reuters, citando a Nvidia. A principal fabricante de chips de IA viu suas ações subirem 4.300% nos últimos anos.
Essa situação é comparada com a da Cisco, cujos papéis valorizaram 4.500% antes de alcançar o pico em 2000. A marca de equipamentos de rede era apontada como essencial para a evolução da internet, mas suas ações caíram 86% após a bolha da internet e ela precisou lidar com uma forte concorrência.
Outro fator citado por quem acredita que estamos em uma bolha financeira é o alto custo dos chatbots, com gastos estimados em US$ 1 trilhão (R$ 6,05 trilhões) nos próximos cinco anos. As desenvolvedoras precisarão convencer muito mais usuários a assinar seus serviços para fechar a conta, mas isso será difícil, de acordo com o jornalista de tecnologia, Casey Newton.
O especialista também cita as baixas margens de lucro proporcionadas pela IA na comparação com outros softwares e a alta demanda energética como fatores que podem afetar o negócio. Além disso, ele destaca a falta de retorno financeiro apresentada por startups promissoras, que acabaram vendidas para grandes corporações.
Ainda conforme Newton, muitas empresas parecem estar reduzindo o ritmo de inovação, apresentando poucas novidades com capacidade para manter os usuários empolgados por longos períodos. Isso pode representar uma ameaça para os retornos desejados.
Por outro lado, o jornalista ressalta haver motivos para não acreditar em uma bolha da IA. Ele diz que a demora para obter lucro é comum entre as empresas de tecnologia, lembrando os casos de Uber e Amazon, e alega que o potencial da IA ainda é pouco explorado, com as próximas gerações podendo trazer avanços significativos e melhorando o faturamento.
99% das empresas serão afetadas, prevê CEO da Baidu
Newton se mantém cético quanto à bolha da IA e diz que ela não marcará o fim desta ferramenta tecnológica caso realmente aconteça, assim como a bolha ponto com não significou o fim da internet. Porém, o otimismo dele não é compartilhado com outros especialistas.
O analista do Goldman Sachs, Jim Covello, é um dos que vem alertando sobre a bolha econômica causada pelos altos investimentos em IA, assim como o fundador do fundo de hedge Citadel, Ken Griffin, e o analista de mercado, Ed Yardeni. Para o trio, ela pode ser ainda mais devastadora do que a bolha da internet.
Quem pensa de forma semelhante é o CEO da Baidu, Robin Li, que fez uma previsão nada animadora. Durante conferência realizada em outubro, o cofundador do buscador chinês celebrou os avanços oferecidos pela tecnologia, porém descreveu o segmento como uma “bolha inevitável”, comparada aos problemas ocorridos no início dos anos 2000.
“Provavelmente 1% das empresas se destacará, se tornará enorme e criará muito valor ou criará um valor tremendo para as pessoas, para a sociedade. Acho que estamos apenas passando por esse tipo de processo”, previu Li sobre a IA generativa. Ele também acredita que os bots substituirão o trabalho humano em um prazo entre 10 e 30 anos.
A IA chegou ao teto?
Um indício de que a inteligência artificial está chegando a um limite partiu de um dos principais nomes do mercado: o Google. O CEO da empresa, Sundar Pichai, declarou que a partir de agora, o desenvolvimento da tecnologia será muito mais difícil.
"Eu acho que o progresso será muito mais difícil. Quando eu olho para 2025, os frutos mais baixos da árvore já se foram. A ladeira está mais íngreme. Vamos precisar de avanços mais profundos para avançar para a próxima fase", afirmou o executivo.
A declaração reforça que talvez a corrida do ouro já tenha chegado ao fim. Com a necessidade de investimentos cada vez maiores para avanços cada vez menores, quem tende a se consolidar no topo do mercado de IA é quem já tem os recursos para bancar o desenvolvimento.
Nesse cenário, incontáveis empresas que surgiram na esteira do "boom" da IA generativa podem estar em maus lençóis, mas o tamanho da crise pela qual o mercado deve passar ainda é desconhecida.
Fontes
Categorias