Pesquisas recentes apontam que o consumo de eletricidade nos data centers para inteligência artificial generativa deve aumentar consideravelmente nos próximos anos. Diante desse cenário, as maiores empresas do setor já buscam fontes alternativas para suprir a demanda, como a energia nuclear.
Um desses levantamentos foi divulgado pela Agência Internacional de Energia (AIE) no início de 2024, estimando que os centros de processamento de dados globais devem consumir 1.050 TWh de energia em 2026 devido aos avanços da IA, contra 460 TWh registrados em 2022. A quantidade prevista equivale a mais que o dobro consumido pelo Brasil em um ano.
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Na próxima década, espera-se que tais instalações representem 8% do consumo energético dos Estados Unidos, quase triplicando os números atuais. O apetite voraz da IA por eletricidade também dificulta as metas de sustentabilidade, com o Google aumentando suas emissões em 50% na comparação com 2019, enquanto as da Microsoft saltaram 29% de 2020 a 2023.
Recorrer à energia nuclear é a escolha dessas duas big techs para os próximos anos, algo que a Amazon também irá fazer. A Meta, cujas emissões subiram 66% entre 2021 e 2023, é outra companhia interessada, embora venha enfrentando problemas para investir no setor.
Por que a IA consome tanta energia?
Em média, os centros de dados de IA gastam pelo menos quatro vezes mais energia do que os servidores tradicionais. Isso acontece devido a vários fatores, como a necessidade de uma maior capacidade de processamento para executar modelos de linguagem que requerem uma enorme quantidade de cálculos.
Com os algoritmos realizando mais cálculos e em velocidades maiores, são necessárias CPUs muito potentes e trabalhando em paralelo, segundo o professor doutor do programa de pós-graduação Stricto Sensu em Engenharia de Produção da Universidade Paulista (UNIP), Rodrigo Franco Gonçalves. Ele conversou com o TecMundo sobre os desafios energéticos envolvendo a tecnologia.
“Faça uma experiência ilustrativa: abra o gerenciador de tarefas de um computador rodando Windows e observe o indicador de uso de CPU. Você verá que a carga de uso de CPU raramente supera 10%. Executando algoritmos de IA, esta carga seria próxima de 100%”, explicou.
Continuando neste exemplo, o especialista ressalta que o maior consumo energético de um data center de IA não é relacionado ao processamento de dados e sim à refrigeração desses sistemas complexos. Resfriá-los é uma tarefa que depende de equipamentos de grande potência.
“Agora, veja o calor gerado por seu computador pessoal, que requer ventoinhas de arrefecimento. Imagine colocar milhares de computadores como o seu em uma sala, com suas CPUs utilizadas próximo ao máximo”, continuou, se referindo às exigências de dissipação do calor dos servidores que armazenam modelos de linguagem avançados.
Energia nuclear é a melhor alternativa?
Em geral, os centros de dados de IA são alimentados pelas mesmas fontes energéticas predominantes na região em que estão instalados. Mas eles dependem de sistemas secundários de reserva que normalmente usam geradores a gás ou diesel, aumentando as emissões.
Dessa forma, muitas empresas procuram fontes de energia mais limpas, como a eólica e a solar. No entanto, ambas apresentam problemas de disponibilidade de geração, de acordo com Gonçalves, encarecendo a estocagem da energia em baterias.
Por causa disso, as big techs estão apostando na energia nuclear como alternativa para alimentar seus data centers de IA. Esse tipo de fonte oferece maior autonomia e independência em relação à rede local e fornecedores externos, como detalha o professor.
Ele também destaca a alta potência de geração e a regularidade como outras vantagens da energia gerada em usinas nucleares, que independe do Sol, vento, chuvas ou combustível fóssil. Além disso, é considerada uma fonte limpa em relação aos gases de efeito estufa (GEE), pois emite apenas vapor de água.
Apesar das vantagens, a energia nuclear envolve riscos. Acidentes nucleares são raros, mas gravíssimos, como os desastres de Chernobyl e Fukushima, mas o acadêmico acredita que a tecnologia de Pequenos Reatores Modulares (SMRs) tornará o uso mais acessível. Quanto ao material radioativo, ele comenta que há maneiras de armazená-lo em segurança.
“Há o ‘lixo’ de reator, que é o material resultante do processo de fissão que, por ser altamente radioativo, é extremamente perigoso e danoso ao meio-ambiente se incorretamente armazenado. Mas pode ser armazenado com segurança em minas abandonadas, a uma grande profundidade na terra”, observou.
A IA pode resolver os desafios energéticos que criou?
Há a expectativa de que a IA auxilie no desenvolvimento da indústria energética de diferentes maneiras, como na redução das emissões através de meios de transportes mais eficientes e no balanceamento de carga de rede. Neste sentido, ela poderia, também, resolver os desafios energéticos surgidos com a sua presença constante no nosso dia a dia?
Segundo o professor, isso não deve acontecer. Para o especialista, a maior parte da capacidade da tecnologia será utilizada em processos que nada têm a ver com a melhoria da eficiência energética, como impulsionar a geração de energia limpa e sustentável.
“Apenas como um aspecto particular, espero que a IA possa ajudar no avanço da pesquisa para criação de Usinas de Fusão Nuclear, com as quais teríamos energia limpa e em grande quantidade, convertendo hidrogênio amplamente disponível no gás inerte hélio, tal qual o nosso Sol faz”, exemplificou.
Projetos envolvendo IA e energia nuclear
Quase ao mesmo tempo, Google, Microsoft e Amazon anunciaram projetos relacionados ao uso da energia nuclear na geração de eletricidade para data centers de IA, este ano. De acordo com as empresas, os primeiros passos rumo à adoção do modelo já estão sendo dados, devendo se intensificar nos próximos anos.
Confira um resumo de cada iniciativa:
A gigante de Mountain View optou por usar equipamentos com design simplificado e mais seguros como os SMRs citados por Gonçalves, que serão fornecidos pela startup Kairos Power. O acordo prevê o fornecimento de 500 MW de energia limpa até 2035, contribuindo também para as metas de sustentabilidade do Google.
Microsoft
Já a dona do Windows usará energia que será gerada na usina de Three Mile Island, nos EUA, com capacidade para fornecer 835 MW até 2028. Além disso, a empresa tem acordo encaminhado com a Helion Energy para a exploração da energia de fusão, que pode ser uma alternativa futura.
Amazon
Assim como a gigante das buscas, a Amazon também apostará nos pequenos reatores modulares, resfriados com água, metal leve ou sal fundido e que contam com sistemas de segurança passiva. São três projetos anunciados pela varejista, um deles com capacidade de gerar 320 MW em um primeiro momento, podendo chegar a 960 MW na sequência.
Meta e OpenAI são outras companhias interessadas em investir na energia nuclear. A dona do Facebook poderia ter sido a primeira a adotar o modelo, segundo Mark Zuckerberg, mas precisou adiar o projeto, enquanto a desenvolvedora do ChatGPT recentemente apresentou um plano para que os EUA criem uma rede de infraestrutura com reatores nucleares gerando energia para a IA.
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