Indícios do aumento da atividade da Rússia nas proximidades de cabos submarinos que transportam grande parte do tráfego mundial da internet têm sido detectados pelos Estados Unidos nos últimos meses, conforme revelou a CNN, em setembro. Estaria o governo russo pensando em cortar a internet?
De acordo com autoridades americanas ouvidas pela emissora, o movimento feito por Moscou sugere uma maior propensão a realizar operações de sabotagem nessa infraestrutura marítima, afetando uma parte crítica das comunicações globais. Os russos têm, inclusive, uma unidade militar dedicada ao trabalho de espionagem.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Navios e submarinos espiões da Rússia têm sido flagrados com frequência perto da infraestrutura crítica no fundo do mar. (Imagem: Getty Images)Fonte: Getty Images/Reprodução
Conhecido como General Staff Main Directorate for Deep Sea Research (GUGI), ou Diretoria Principal do Estado-Maior para Pesquisa em Mar Profundo, na tradução livre, esse agrupamento secreto tem uma frota de navios, submarinos e drones navais. Os equipamentos são avistados com frequência perto dos cabos, segundo as fontes.
“Estamos preocupados com a atividade naval russa intensificada em todo o mundo e que o cálculo de decisão da Rússia para danificar a infraestrutura submarina crítica dos EUA e aliados pode estar mudando”, comentou um dos entrevistados. De acordo com a reportagem, essa preocupação não existia antes.
Autorização para atacar
A infraestrutura no fundo do mar é composta por centenas de cabos de fibra óptica conectando o planeta. (Imagem: Getty Images)Fonte: Getty Images/Reprodução
Aliados americanos que também monitoram a atividade naval russa notaram o mesmo movimento nos mares ao norte da Europa. Em 2023, uma investigação feita por emissoras públicas da Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega flagrou navios espiões enviados pelo Kremlin se aproximando dos cabos submarinos e parques eólicos.
Conforme a apuração, que envolveu a interceptação de conversas via rádio, análise de dados e fontes de inteligência, pelo menos 50 navios têm operado na região, nos últimos anos. Eles estariam mapeando locais de possíveis ataques à infraestrutura submarina.
O mesmo tipo de atividade, por parte da marinha chinesa, foi notado nas águas próximas a Taiwan, gerando rumores de que Pequim estaria se preparando para cortar os cabos no local. Vale lembrar que a China mantém cooperação com a Rússia na esfera militar.
Outro acontecimento que preocupou a comunidade internacional foi o comentário do vice-chefe do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev. Ele disse, no ano passado, que não havia nenhuma razão para não destruir os cabos submarinos dos inimigos, em retaliação à suposta cumplicidade na explosão do gasoduto Nord Stream, em 2022.
Qual a importância dos cabos submarinos de internet?
Os cabos submarinos fornecem conexão em todo o mundo. (Imagem: Submarine Cable Map/Reprodução)Fonte: Submarine Cable Map/Reprodução
Essenciais para a comunicação global, os cabos submarinos são responsáveis por 95% de toda a comunicação mundial, atualmente, segundo a Internet Society, interconectando países e continentes. Eles permitem enviar e-mails em segundos para alguém do outro lado do mundo e fazer chamadas de vídeo ao vivo com pessoas em qualquer lugar, entre inúmeras outras coisas.
Atualmente, essa rede gigantesca é composta por mais de 600 cabos, entre ativos e planejados, que cobrem cerca de 1,5 milhão de quilômetros, atravessando todos os oceanos. Eles começaram a ser usados na década de 1850 para o telégrafo, ligando a América do Norte à Europa.
No Brasil, há o hub de cabos de fibra óptica no litoral de Fortaleza, que tem 16 cabos ativos de várias empresas, funcionando como um local estratégico para as operadoras. O Ministério das Comunicações afirma que pelo menos 90% do tráfego da internet no país passa pelo ponto de conexão na capital cearense.
A rota Brasil/EUA, com destaque para o trecho Fortaleza/Miami, é a mais relevante em volumetria de dados do mundo, atualmente. Mas de acordo com o CTO da Angola Cables, Lucenildo Lins, os hubs de Marsella (França), Singapura, Dijbouti e Fujairah (Emirados Árabes Unidos) também têm grande importância para a conectividade global.
Consequências de um eventual colapso
Dependendo da quantidade de cabos danificados, vários apps e sites podem ficar offline em caso de sabotagem. (Imagem: Getty Images)Fonte: Getty Images/Reprodução
De acordo com Lins, o sistema possui um conjunto de rotas de backup capaz de migrar as capacidades de um cabo para outro em caso de interrupção. Apesar disso, o impacto pode ser considerável, limitando e deteriorando a qualidade da comunicação global ou até interrompendo a conectividade em certas regiões.
Ele afirma que, dependendo do hub afetado em uma eventual sabotagem russa, demoraria de 15 a 30 dias para que as rotas alternativas absorvessem o tráfego interrompido. Já o prazo para recuperar a estrutura danificada pode chegar a 45 dias.
No Brasil, onde os produtos digitais dependem da comunicação com servidores no exterior, principalmente nos EUA, até um acidente parcial afetaria alguns dos serviços mais usados no país. A explicação é do diretor de tecnologia da Sage Networks, Thiago Ayub, que também conversou com o TecMundo sobre o tema.
Conforme Ayub, isso representaria um “apagão da internet brasileira”, impactando serviços como WhatsApp, Telegram, Discord, Instagram, YouTube, Google, Bing, TikTok, Netflix, ChatGPT, entre outros, que teriam a usabilidade severamente degradada. Nem mesmo uma indisponibilidade total dessas plataformas estaria descartada.
Ele destaca, ainda, que transações financeiras envolvendo Pix, débito e saques também poderiam ser prejudicadas diante de um ataque aos cabos submarinos, já que algumas fintechs transferiram parte de sua infraestrutura de TI para o exterior.
Quanto às consequências para a Rússia, ambos os entrevistados ressaltam que ela não depende tanto da conectividade marítima e, dessa forma, seria pouco afetada. Além disso, o país possui versões nacionais para serviços populares como Google (Yandex), Gmail (Mail.ru) e Facebook (VK), se tornando independente dos servidores internacionais.
Proteção da rede e alternativas de conexão
A rede de cabos no fundo do mar ainda é a melhor opção para conectar o planeta, segundo especialistas. (Imagem: Getty Images)Fonte: Getty Images/Reprodução
Reforçar o monitoramento de embarcações e submarinos espiões é a principal maneira de proteger essa infraestrutura, como observam os especialistas. Esse trabalho deve ser realizado pelas Forças Armadas e pode envolver o uso de sensores que ajudam a identificar as movimentações ao redor dos cabos.
Já em relação a tecnologias como a internet via satélite para suprir a conexão em caso de sabotagem, Ayub ressalta que a comunicação sem fios tem capacidade e qualidade inferiores à por fios. Ele afirma que não há expectativa de uso deste meio como principal fornecedor de sinal nem no longo prazo.
“O papel do satélite é levar o sinal a regiões que o cabo atualmente não chega, como zonas rurais, embarcações e aviões. E no espaço, o satélite atua como uma espécie de espelho: da casa do assinante, o sinal é refletido de volta para a Terra numa localidade mais próxima possível para ser convertido em fibra óptica”, explicou.
Lins concorda e reforça a atuação dos satélites como uma tecnologia complementar. Além disso, explica que a conexão utilizada por empresas como a Starlink não possui capacidade de absorver o volume de tráfego e dados que passa pelos cabos.
“Para exemplificarmos isso, podemos falar de um carro e um trem, onde os modais são os cabos submarinos e as pessoas são os dados. O carro seria a transmissão via satélite. Ele vai para qualquer lugar, mas transporta no máximo cinco pessoas. Já os trens se ligam a dois pontos fixos, mas transportam muito mais gente”, esclareceu.
Categorias