Quanto o assunto são os impactos da crise climática no planeta, temos uma tendência a imaginar que todas essas inundações, ondas de calor, incêndios e secas são coisas estão acontecendo “lá fora”, com os outros. Só que não. Em maio, por exemplo, muitos moradores de Porto Alegre (RS) tiveram que deixar às pressas seus apartamentos em barcos improvisados.
Após um mês de chuvas intensas, as piores da história da capital gaúcha, os impactos deixaram de ser avaliados apenas pelos cientistas do clima de plantão, e chegaram a outra esfera do conhecimento: à economia. A recém-criada Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul apresentou a primeira avaliação dos estragos: R$ 85,7 bilhões.
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A primeira avaliação dos prejuízos com as enchentes no sul do país foi de R$ 85,7 bilhões.Fonte: Getty Images
Esse é o custo de diversas medidas de mitigação à população, empresários e administrações estadual e municipais, desde o início da calamidade pública. Isso significa que não importa a que distância estamos do "olho do furacão", pois a conta sempre chega aos nossos bolsos de uma forma ou de outra.
Em artigo recente, publicado na revista Nature, cientistas do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático estimam uma queda no PIB global de US$ 38 bilhões até 2050, pelas emissões de CO2 já presentes na atmosfera terrestre. A má notícia é que os países menos responsáveis pelas alterações climáticas (leia-se nós do Hemisfério Sul) sofreremos perdas de rendimento 60% superiores às dos países com rendimentos mais elevados, diz o estudo.
Mas, como a crise climática afeta especificamente o bolso do brasileiro?
A queda da renda média do brasileiro até o final do século pode ser de 83%.Fonte: Getty Images
Nesse contexto, especialistas que elaboraram a versão mais recente do Relatório síntese sobre mudanças climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) fazem uma projeção alarmante. Enquanto a expectativa de queda da renda média global, até o final do século, por conta das emissões de gases de efeito estufa, é de 23%, no Brasil esse número pode chegar a impressionantes 83%.
Veja como isso pode ocorrer.
Aumento nos preços dos alimentos
Uma das formas mais diretas de atingir o bolso de alguém é por meio da elevação nos preços dos alimentos. Afinal, quando a oferta de commodities diminui, os preços automaticamente sobem. No caso do Brasil, que é um dos maiores produtores do planeta, imagine o que poderá ocorrer quando impactos climáticos tornarem regiões inteiras inadequadas para grandes culturas.
O relatório do IPCC mira uma quebra generalizada de colheitas, o que resultaria em escassez de alimentos no mundo, com maiores prejuízos para os mais pobres, mas chegando progressivamente às cadeias de abastecimento, mercados e finanças nacionais.
Com emissões globais subindo nas proporções atuais, a expectativa de quebra na produção nacional de arroz é de 6%; na de trigo, 21%; e na de milho, 10%. Mas, se as emissões começassem a diminuir agora, essas perdas se reduziriam, segundo o relatório, para 3%, 5% e 6%, respectivamente.
Pecuária e meio ambiente terão que caminhar lado a lado.Fonte: Getty Images
Prejuízos ambientais x pecuária
Considerados muitas vezes antagônicos, pecuária e meio ambiente poderão se tornar em breve interdependentes. Isso porque uma eventual expansão no desmatamento, como a que ocorreu no Brasil em 2021 e 2022, poderia resultar em uma queda de 33% na produção de soja no país, e uma redução nas pastagens na Amazônia.
Tal combinação explosiva teria um impacto sinistro para a criação de animais. Insumo importante na alimentação, a falta do grão, no Brasil, afetaria a criação do gado e das galinhas (já fragilizados pelo aumento das temperaturas), podendo causar ainda uma queda de 36% na produção de peixes, e 97% na de crustáceos e moluscos, quando comparados os números das décadas 2050-2070 e 2030-2050, segundo o relatório IPCC.
Chegando aos bolsos
No estudo O compromisso econômico das alterações climáticas, citado anteriormente, o primeiro autor do artigo publicado na Nature, Maximilian Kotz, do Instituto Potsdam, lança as bases do fenômeno que vem sendo conhecido no mundo como heatflation, algo como "calorflação" em tradução livre.
"Calorflação" está se tornando uma realidade no Brasil.Fonte: Getty Images
A conclusão é “que as alterações climáticas exercerão uma pressão ascendente sobre os alimentos e a inflação global” daqui em diante. Isso significa que as decisões de política monetária tomadas pelos bancos centrais deverão levar em conta os choques climáticos e meteorológicos.
Ou seja, ainda que os fenômenos climáticos não ocorram na realidade, previsões meteorológicas isoladas poderão provocar aumentos nos preços. Mas a culpa não é da previsão em si (que poderá ou não ocorrer), mas sim das preocupações com os possíveis impactos do clima em toda a cadeia de abastecimento.
Isso é particularmente perverso para o Brasil, uma vez que os prejuízos observados com essas projeções de longo prazo jogam o país no conjunto de países mais afetados pela crise do clima. E quando os fabricantes têm expectativa de pagar mais por commodities, como a carne bovina, eles aumentam os preços já, para se proteger de possíveis aumentos futuros.
Os problemas socioeconômicos
Se os impactos climáticos, até mesmo psicológicos, pesam no bolso das pessoas que têm dinheiro, imagine daquelas que não têm. Conforme dados do IPCC, existem atualmente 3,3 bilhões de seres humanos em situação de vulnerabilidade social no mundo.
América Latina poderá ter 17 milhões de migrantes do clima.Fonte: Getty Images
Pressionado por enchentes recordes, neblinas espessas, furacões, rios atmosféricos e ondas de calor/seca, esse contingente empobrecido, que representa 40% da população global, tende a formar o que pode ser o maior efeito migratório da história. Esses migrantes do clima são estimados em 216 milhões pelo Banco Mundial. Aqui na Latam, seríamos 17 milhões.
Embora seja difícil avaliar os efeitos do aquecimento global no Brasil, pois somos historicamente reativos, os gastos públicos (aqueles que saem dos nossos bolsos) incluem obras para recuperação de estradas e outros.
Na esfera privada, problemas de logística e suprimentos podem levar a um aumento do desemprego e redução na renda, sem contar uma elevação na inadimplência.
Mas, o que fazer para se prevenir para uma crise climática?
Pautas econômicas e climáticas estão se tornando a mesma coisa.Fonte: Getty Images
Será que há tempo para fazer alguma coisa ou o planeta se tornará inabitável antes da virada do século, não importa o que fizermos hoje? Algumas organizações, como o World Resources Institute (WRI), acreditam em uma virada: em seu relatório State of Climate Action, de 2023, a ONG dedicada a questões de sustentabilidade ambiental propõe um roteiro de soluções.
Com vistas a reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa no planeta, o mínimo necessário para controlarmos o aumento da temperatura global, o diretor global do WRI Ross Center for Sustainable Cities, Rogier van den Berg, propõe cinco prioridades em cidades responsáveis por 60% das emissões globais:
- Incorporar as metas climáticas em todas as principais decisões urbanas.
- Tornar os edifícios eficientes e resilientes.
- Descarbonizar o transporte.
- Preencher a divisão dos serviços urbanos, priorizando a questão habitacional.
- Construir resiliência climática, com a água e a natureza como elementos essenciais.
É lógica que, para construir normas revolucionárias, é preciso que tenhamos legisladores preparados para a tarefa. E, como dito no início, isso não é uma coisa que acontece lá fora. Já estamos em um mundo onde eleitores não polarizam (ou não deveriam fazê-lo) entre defensores das pautas econômicas ou climáticas.
Afinal, agora tudo é a mesma coisa: uma questão de sobrevivência. Física e financeira.