No dia 8 de março de 2023, quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher, o presidente Lula assinou o Projeto de Lei que institui a Igualdade Salarial e Remuneratória entre Mulheres e Homens. O PL nº 1.085/2023 é considerado um marco para a luta pela equidade de gênero no Brasil.
No entanto, equiparação do salário entre homens e mulheres não é uma discussão nova no país. Desde 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a igualdade salarial para cargos com funções idênticas – independente da nacionalidade, gênero ou idade do trabalhador.
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Essa, porém, não é a realidade que a população feminina enfrenta no mercado de trabalho atual. Visando entender como o novo PL funciona e sua proposta, o TecMundo conversou com Nina Alencar, advogada da área Trabalhista do escritório Viseu Advogados. Acompanhe a leitura!
Como é a vida da da mulher no mercado de trabalho?
Segundo dados do IBGE, apesar da população feminina possuir maior nível de escolaridade, as mulheres ocupam apenas 37,2% dos cargos gerenciais no país.Fonte: Getty Images
A população brasileira é composta majoritariamente por mulheres, no entanto, elas ainda configuram um grupo minoritário em termos de direitos. O cenário das mulheres no mercado de trabalho é marcado por desigualdade, discriminação e jornadas duplas – até triplas – com baixa remuneração.
Uma pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que 84,5% dos brasileiros possuem pelo menos um tipo de preconceito contra mulheres. Esse pensamento se reflete diretamente na atuação profissional da mulher, onde estas ocupam apenas 37,2% dos cargos gerenciais do país – mesmo tendo maior grau de escolaridade.
Além de enfrentarem mais obstáculos e possuírem menos oportunidades que os homens, as pessoas do gênero feminino ainda são as que mais sofrem com o desemprego. Dentre os funcionários dispensados durante as demissões em massa realizadas nos últimos dois anos, as mulheres foram a maioria.
Qual a importância da PL da Igualdade Salarial para a luta feminina?
A igualdade salarial é prevista desde 1943, quando a Consolidação das Leis Trabalhistas foi sancionada.Fonte: Getty Images
Para Nina Alencar, advogada da área Trabalhista do escritório Viseu Advogados, o Brasil está longe da igualdade de salários. “Para falarmos de equidade salarial seria necessário um projeto de país que observasse o desequilíbrio entre os gêneros perante o mercado de trabalho”, aponta.
Algumas medidas já foram tomadas para tentar diminuir as lacunas de gênero no âmbito profissional, como a própria CLT, citada acima; a Lei 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, entre outras práticas discriminatórias; e a Lei nº 14.457/2022, que instituiu o projeto Emprega + Mulheres.
Afinal, se existem tantas medidas, por que as mulheres ainda recebem menos? Especialistas afirmam que a falta de fiscalização e as penalidades irrisórias são as principais causas. Devido a esses fatores, as empresas infratoras só são punidas frente a denúncias — que por vezes não são realizadas por medo de retaliações.
Dessa maneira, o novo Projeto de Lei visa corrigir essas brechas e oferecer mais segurança para o público feminino. Confira os principais pontos previstos no PL nº 1.085/2023, a seguir;
- Imposição da obrigatoriedade de Igualdade Salarial e Remuneratória entre mulheres e homens;
- Aumento da multa nos casos em que a mulher recebe menos do que o homem fazendo a mesma função – elevando o atual teto de R$ 4 mil em até 10 vezes o valor do maior salário da empresa;
- Indenização por danos morais à mulher quando comprovado que recebe menos do que o homem na mesma função;
- Relatório de transparência dos salários para facilitar a fiscalização;
- Aplicação de multa caso os itens citados não sejam cumpridos;
- Obrigação do Ministério do Trabalho de criar protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial entre mulheres e homens.
Dito isso, Alencar afirma que o PL nº 1.085/2023 é necessário, mas o combate à discriminação no ambiente de trabalho não deve se restringir ao projeto. Nina reforça a necessidade de desmistificar que a “igualdade salarial e a sua evolução (equidade) apenas oneram a folha de pagamento”, mas que os benefícios contribuirão para um projeto mais harmônico do país.
Como será feita a fiscalização?
As ferramentas de fiscalização são fundamentais para que a legislação seja cumprida.Fonte: Getty Images
Segundo a advogada trabalhista, o PL da Igualdade Salarial estabelece algumas ferramentas de fiscalização, em que duas se destacam: o relatório de transparência salarial e o canal de denúncia. Ela explica que o relatório é previsto para todas as empresas com mais de 100 empregados e deve conter a relação de cargos e salários com a respectiva ocupação por homens ou mulheres.
Para Alencar, o canal de denúncia é uma maneira de garantir a participação de toda a sociedade no combate à discriminação salarial. A profissional do direito ressalta que, se promulgada, a Lei será realizada por decreto – contribuindo para que se prolongue a aplicabilidade efetiva e oferecendo um prazo maior para que os empregadores se adequem às novas normas.
“Contudo, é preciso se atentar na necessidade de aumento no contingente de auditores fiscais, bem como, a finalidade educacional da medida”, explica a especialista. “Os meios coercitivos são válidos, porém, são esvaziados se não houver medidas educacionais aos empregadores, dando-lhes a oportunidade de corrigir suposta irregularidade apontada”.
Como a lei pode impactar o setor de Tecnologia?
O número de mulheres se candidatando a vagas no setor tecnológico cresceu 60% entre 2017 e 2022.Fonte: Getty Images
Historicamente, a presença feminina no setor tecnológico é marcada por pioneirismo. Ada Lovalace, Grace Hopper e Mary Kenneth Kelly são apenas alguns dos nomes responsáveis por grandes avanços na área de tecnologia. No entanto, Alencar ressalta que este ainda é um território dominado pela mão de obra masculina.
Durante a pandemia de covid-19, o aumento da demanda e do número de vagas permitiu que as empresas investissem na diversidade em suas equipes. Dessa maneira, o setor se tornou um dos que possuem maior disparidade salarial – como um reflexo do aumento da participação feminina.
Para a advogada trabalhista, se a nova Lei da Igualdade Salarial for sancionada, é de se esperar uma alta movimentação do mercado em se adequar, investindo em profissionais de Recursos Humanos para “revisitar ou elaborar planos de cargos e salários, treinamentos para qualificar a estrutura hierárquica, identificar, denunciar e coibir práticas discriminatórias”.
“A ausência de esforços para se adequar aos ditames da nova lei e aquelas já vigentes no ordenamento jurídico, terá reflexo no arbitramento de atos coercitivos”, explica Nina, “além do aumento nas demandas trabalhistas, inclusive podendo incorrer na Ação Civil Pública, que visa proteger os direitos difusos, coletivos e individuais”.
Por fim, a profissional ressalta que a utilização dos critérios de identidade de função, trabalho de igual valor e localidade, não devem ser utilizados para fraudar a legislação trabalhista, podendo resultar em medidas de correção dos órgãos fiscalizadores e do próprio Poder Judiciário.
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