Dizem que vivemos na era da comunicação. Eu discordo. Quando prestamos atenção, vemos que nossa era, na verdade, é dos canais de comunicação. Estão por todo lado, desde o momento em que acordamos e pegamos o celular para ver as redes sociais até ao andar na rua e dar de cara com painéis digitais exibindo notícias ou propagandas.
Entretanto, as informações transmitidas em todos esses canais estão seriamente comprometidas. E a razão é a desconfiança.
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Vivemos uma crise de confiança nos mais diversos níveis: nas instituições públicas, nas marcas, na ciência, até mesmo nas próprias pessoas. E, claro, na imprensa, que deveria ser o bastião da veracidade e da segurança dos fatos para a população. Ainda que este siga sendo seu papel, cada vez menos indivíduos acreditam nele.
Em parte, devemos considerar a tecnologia como o pontapé inicial para que isso acontecesse. Em teoria, os meios digitais de comunicação deveriam torná-la mais democrática, qualificada e didática. O que vemos, porém, é nicho atrás de nicho, com o único propósito de agradar um público e não necessariamente informá-lo. Às vezes, acontece exatamente o contrário: a informação é propositalmente retirada do contexto para não afetar a relação entre determinado canal e seu público.
E as pessoas estão consumindo mais conteúdo desse tipo de transmissor do que qualquer outro. Um robusto estudo da Reuters Institute indicou que, em 2022, 83% da população brasileira tem como principal fonte de informação meios online; redes sociais, especificamente, foram a resposta de 64%. A televisão contou com 55%, contra apenas 12% de mídia impressa. De qualquer maneira, fica claro que muita gente busca se informar pelas telas dos celulares e computadores.
Um dos setores mais afetados com a crise de confiança na comunicação é a impressa tradicional.Fonte: Getty Images
Isso significa que elas confiam mais nesses meios de comunicação? Na verdade, não. A mesma pesquisa da Reuters demonstrou que a média geral de confiança no Brasil nas notícias é de 48%. Isso indica uma queda constante, pois, em 2015, a porcentagem era de 62%.
A confiança em outras instituições também está abalada. O relatório Edelman Trust Barometer deste ano, que analisa os níveis de confiança de diversas populações ao redor do mundo, demonstra que 50% dos respondentes, globalmente, não confiam nem desconfia do governo e da mídia, e 59% em ONGs. Quando se fala de personalidades, isso já muda: 41% ativamente não confiam em líderes políticos, 47% em jornalistas e 48% em CEOs.
Há muitas razões para esse cenário. A política é, naturalmente, o ponto de maior polarização e portanto maior desconfiança, uma vez que cada canal de comunicação pode se mostrar enviesado para um lado ou para outro. As alas radicais não são adeptas ao diálogo e isso desqualifica ainda mais as informações sendo repassadas.
Mas não é só na política que vemos isso acontecer. Todo assunto é passível desse processo. Não é difícil encontrar alguns veículos segmentados se contorcendo para evitar falar determinadas palavras ou dar “nome aos bois” quando precisam noticiar algo negativo sobre alguma empresa.
Enquanto seguirmos nos retroalimentando das nossas próprias convicções, não há educação ou informação. Consequentemente, não há evolução.
Veja bem, esse não é um cenário sem saída. O relatório Edelman deixou claro que há, ainda, uma instituição que inspira confiança na maioria das pessoas, e são os negócios. Sim, 62% dos participantes da pesquisa confiam nas empresas, principalmente naquelas em que trabalham, o que indica uma relação mais firme entre colaboradores e companhias do que se esperava.
Portanto, as marcas podem e devem tomar essa oportunidade para trabalhar a confiança e aprimorar o modo como nos comunicamos. Para tanto, é preciso focar na capacidade do argumento, da razoabilidade e de uma análise contundente dos fatos.
Não que as demais instituições não devam se comprometer. Certamente precisamos de uma mudança geral para que possamos confiar novamente. Mas não adianta esperarmos que um setor da sociedade tome as rédeas: podemos, nós mesmos, trabalhar a comunicação verdadeira e confiável dentro dos nossos ambientes. Se é nos negócios, que seja. No jornalismo, no governo, no terceiro setor — cada um precisa fazer a sua parte.
Caso contrário, ficaremos presos em um ciclo de incompreensão onde a argumentação não tem vez. E essa é a maior perda que a comunicação poderia sofrer.